Artigo

Criação racional de meliponíneos: uma alternativa econômica entre os agricultores familiares amazônicos

Giorgio Cristino Venturieri¹
1- Pesquisador, Embrapa Amazônia Oriental, Tv. Dr. Enéas Pinheiro s/n, C. P. 48, Belém, PA, CEP: 66095-100, Tel. (91) 32041197, giorgio@cpatu.embrapa.br, http://www.cpatu.embrapa.br/meliponicultura

RESUMO
A região amazônica ostenta o título de maior floresta tropical contínua do planeta. Nos últimos anos, preocupados com o crescente desmatamento, diversos setores têm se preocupado com a busca de alternativas sustentáveis de desenvolvimento. A meliponicultura tem se mostrado como uma excelente alternativa. A Embrapa Amazônia Oriental, preocupada com a geração de conhecimentos voltados para a agricultura familiar e para o uso sustentado dos recursos naturais amazônicos, vêm se dedicando à pesquisa e difusão de conhecimentos sobre o manejo de abelhas indígenas. Através de pesquisa participativa, palestras e cursos, estima-se que foram treinados cerca de 600 agricultores, técnicos e estudantes. Contudo, mais pesquisas sobre a biologia, manejo e comercialização, regulamentação entre os setores governamentais e apoio ao crédito, ainda são necessárias para a consolidação da atividade na região.

Palavras-chave: Melipona; Amazônia; Desenvolvimento Sustentável; Agricultura Familiar.

Figura 1 - Quatro modelos de caixas racionais idealizadas
para a criação da maioria das espécies de
meliponíneos amazônicos (Foto: Giorgio Venturieri).

A região amazônica ostenta o título de maior floresta tropical contínua do planeta. O Brasil possui a segunda maior reserva de floresta do mundo, sendo duas vezes maior do que a Canadá, terceiro colocado, e três vezes maior que a do Congo, segundo maior em reservas de florestas tropicais (1). O Pará, segundo maior estado da região amazônica, encontra-se na fronteira do avanço da exploração florestal e das terras agrícolas. No nordeste do Estado do Pará encontram-se as áreas mais alteradas, de colonizações mais antigas, iniciadas no final do século 19. Atualmente, a região Bragantina, assim chamada, apresenta diferentes gradientes de vegetação secundária e áreas agrícolas, especialmente ocupadas por culturas agrícolas de subsistência (mandioca, milho, feijão entre outras) e pecuária. Seguindo para o sul, entre as rodovias PA-140 e BR-316, encontram-se áreas de colonização mais recente, iniciadas principalmente na década de 1970. Após a abertura destas rodovias deu-se início a uma intensa exploração florestal seguida de instalação de assentamentos agrícolas e expansão da pecuária de estados vizinhos, então chamados de Mato Grosso e Goiás.

Figura 2 - Curso de meliponicultura na aldeia Kumenê,
Oiapoque, Amapá: fabricação de caixas racionais sem
uso de ferramentas elétricas (Foto: Giorgio Venturieri).

Nos últimos anos, preocupados com o crescente aumento das taxas de desmatamento na Amazônia, diversos setores da sociedade civil e do governo brasileiro têm se preocupado com a busca de alternativas para o desmatamento e conseqüente uso sustentável de recursos naturais amazônicos. A meliponicultura, ou criação de abelhas indígenas sem ferrão, tem se mostrado como uma excelente alternativa para a geração de renda entre as populações interioranas da Amazônia, podendo enquadrar-se perfeitamente nos preceitos de uso sustentável dos recursos naturais, sem a necessidade da remoção da cobertura vegetal nativa.

Figura 3 - Meliponário demonstrativo e agricultores
colaboradores na difusão da meliponicultura em
Tracuateua, Pará (Foto: Giorgio Venturieri).

A região Amazônica apresenta uma riqueza muito grande de espécies e é nesta região que existe a maior diversidade de espécies de meliponíneos, em especial as do gênero Melipona, onde se encontram as espécies de maior porte e de maior produção de mel (12).

A Embrapa Amazônia Oriental, empresa púbica empenhada na geração de tecnologias para o setor agrícola, e também preocupada com a geração de conhecimentos voltados para a agricultura familiar e uso sustentado dos recursos naturais amazônicos (Embrapa Amazônia Oriental, 2007), vêm se dedicando a pesquisa e difusão de conhecimentos sobre o manejo de abelhas indígenas sem ferrão da região, tanto para a produção mel e pólen, como para o uso em programas de polinização de culturas agrícolas. A partir do ano de 2000, as pesquisas se intensificaram, todas elas de forma participativa, realizadas em parceria com criadores.

Figura 4 - Operária de Scaptotrigona sp, ou
canudo-amarela, uma das espécies mais produtivas da
Amazônia, largamente criada no município de Belterra,
Pará (Foto: Giorgio Venturieri).

Dentre as várias conquistas destas pesquisas destaca-se a adaptação de quatro modelos de caixas racionais (Fig. 1), duas para uruçus (Melipona fasciculata, M. flavolineata, M. seminigra, M. fuliginosa, M. melanoventer, M. fulva, M. puncticollis), uma para canudo (Scaptotrigona sp) e outra para duas espécies menores; jataí (Tetragonisca angustula) e mosquito (Plebeia alvarengai). Destacam-se também a caracterização físico-química e um método de conservação para o mel de M. fasciculata (2) a caracterização do pólen de M. fasciculata e M. flavolineata (3), estudos sobre plantas visitadas por meliponíneos (4, 5), o manejo da uruçu para a polinização de urucu (6, 7) do açaí (8) e a multiplicação de ninhos utilizando-se apenas um disco de cria e cem indivíduos adultos (9).

Figura 5 - Operária de
Melipona fasciculata,
ou urucu-cinzenta (também
conhecida como
tiúba no Maranhão),
largamente criada no
litoral paraense
(Foto: Giorgio Venturieri).

Estes conhecimentos foram difundidos entre os agricultores, principalmente, através de pesquisas participativas, onde a maioria dos estudos foram conduzidos conjuntamente com os agricultores em seus meliponários (10), através de cursos práticos e palestras. A partir de 2000 foram ministrados 16 cursos, cinco em Belém, PA; um na aldeia Kumenê, Oiapoque, AP (etnias Palikur, Karipunas, Galibi-Marworno; com o apoio da APIO/TNC-Amazônia); dois em Belterra, PA (com o apoio do Promanejo/MMA); dois em Humaitá, AM (com o apoio da HESED/META); um em Manicoré, AM (com o apoio do Conselho Nacional dos Seringueiros); quatro em Bragança, PA (com o apoio do Banco da Amazônia, Promanejo/MMA e CNPq); dois em Santo Antônio do Tauá, PA (com o apoio do IIEB e CNPq); um em Moju, PA (com o apoio do IAAM); três em Pirabas, PA (dois com o apoio da Apisal e um com o apoio do SENAR). Ao todo, até o momento, estima-se que ao menos 600 pessoas foram treinadas entre agricultores, técnicos e estudantes (Fig. 2) .

Figura 6 - Operária guarda de Melipona flavolineata,
ou urucu-amarela, uma das espécies mais abundantes
entre os criadores da Amazônia Orienal
(Foto: Giorgio Venturieri).

Nestes cursos são abordados temas sobre a biologia e manejo de espécies amazônicas de meliponíneos. As aulas são ministradas com o auxílio de álbum seriado, datashow e apostilas ricamente ilustradas com desenhos e fotos (11). Nos cursos com maior disponibilidade de tempo e recursos financeiros, são realizadas oficinas sobre marcenaria para construção de caixas racionais. Em localidades que dispõem de energia elétrica, utiliza-se maquinário pesado, disponível em marcenarias locais e, em alguns casos, multi-bancadas portáteis mais leves, repassadas a comunidade ao final dos cursos. Para comunidades isoladas, que não dispõem de energia elétrica, como foi o caso dos cursos ministrados entre as comunidades indígenas do Oiapoque, utiliza-se ferramentas manuais como plainas, serrotes, arco-de-pua e moto-serras (Fig. 3).

Figura 7 - Operárias e rainha
de Melipona seminigra do Tapajós,
ou taquaruçu (em Belterra
também conhecida como
urucu-de-canudo). Na região
de Belterra estas abelhas
possuem tórax alaranjado
e o primeiro segmento
abdominal mais claro
do que a sub-espécie M.seminigra
pernigra ocorrente da porção
oriental do Estado do Pará
(Foto: Giorgio Venturieri).

Segundo Silveira e colaboradores, existem 129 espécies diferentes de meliponíneos na Amazônia (12), mas nem todas estas espécies produzem mel em quantidade suficiente que compense sua criação, com o propósito de geração de renda para seus criadores. Em um levantamento realizado nos anos de 2001 e 2002 (4) foram identificados em sete municípios do Estado do Pará 17 meliponicultores criando 10 espécies diferentes de meliponíneos: Melipona fasciculata (107 colônias), Scaptotrigona sp (81), M. flavolineata (33), M. seminigra - uma subespécie do Tapajós (22), M. manaosensis (14), Tetragona clavipes (9), Tetragonisca angustula (9), Friseomellita varia (4), M. melanoventer (1) e Nannotrigona minuta (1). Em estudos recentes foram encontrados outros criadores criando as espécies M. fuliginosa, M. fulva, M. seminigra pernigra e Friseomelitta sp. Dentre todas estas espécies, as que realmente possuem importância na geração de renda no estado do Pará foram Scaptotrigona sp. (Fig. 4), M. fasciculata - (Fig. 5), M. flavolineata (Fig. 6), M. seminigra do Tapajós (Fig. 7), M. seminigra pernigra (Fig. 8), M. manaosensis (Fig. 9), M. fulva e T. angustula (Fig. 10).

Figura 8 - Operárias de Melipona seminigra pernigra,
em Pau D'Arco, Pará (Foto: Giorgio Venturieri).

Com o apoio de diferentes fontes financiadoras (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, Ministério do Desenvolvimento Agrário, Fundação Banco do Brasil, Comunidade Européia, The Nature Conservancy e Banco da Amazônia) e parceiros (Universidade Federal do Pará, Universidade Federal do Maranhão, Federação das Associações de Apicultores dos Estado do Pará - FAPIC e Secretaria de Estado de Agricultura - SAGRI), para os anos de 2006 a 2008 estão previstos mais sete projetos de pesquisa e desenvolvimento Três destes projetos já se encontram em andamento. Estas iniciativas confirmam o interesse e o potencial de utilização das abelhas indígenas amazônicas na geração de renda sustentável para os povos da região.

Figura 9 - Colônia de Melipona manaosensis,
conhecida no Amazonas como japurá ou jandaira-da-
amazônia em Belterra, Pará
(Foto: Giorgio Venturieri).

O Estado do Pará apresenta pelo menos oito espécies de meliponíneos com grande potencial para a geração de renda. É importante que sejam mantidos estudos sobre a biologia e o aprimoramento do manejo destas e outras espécies. A meliponicultura praticada com conhecimento e utilizando as espécies corretas evita a perda de colônias, a depredação de ninhos naturais, gera renda de forma sustentável e contribui para manutenção da diversidade biológica. Contudo, são fundamentais para a consolidação do setor na Amazônia a regulamentação dos produtos dos meliponíneos junto aos órgãos de vigilância sanitária e IBAMA, além de maiores estudos sobre custos de produção, rentabilidade das diferentes espécies de abelhas sem ferrão, e o necessário apoio dos setores financeiros, na forma de linhas de crédito para os meliponicultores,.

Figura 10 - Colônia de Tetragonisca angustula,
ou jataí em Belterra, Pará
(Foto: Giorgio Venturieri).

Referências Bibliográficas

1- MACQUEEN, D. (Ed). Exportando Sem Crises: A indústria de madeira tropical brasileira e os mercados internacionais. Londres, Reino Unido: IIED. 2004. 159p.

2- SILVA, E.V.C.da. Caracterização e pasteurização de méis de abelhas Apis melifera (africanizada) e Melipona flavolineata (uruçu-cinzenta). Dissertação de Mestrado. Belém: Universidae Federal do Pará. 2006. 66p.

3- PINHEIRO, F. de M. Caracterização fisico-química, microbiologica e sensorial de polens de abelhas sem ferrão Melipona fasciculata e Melipona flavolineata (Apidae: Meliponina). Trabalho de Conclusão de Curso. Belém: Universidade Federal do Pará. 2005. 60p.

4- VENTURIERI, G.C.; FERNANDES, M.M.; RODRIGUES, S.T.; SANTANA, J.C.; RAIOL, V. DE F.O. Caracterização e avaliação de abelhas indígenas e de plantas melíferas utilizadas para a produção de mel, entre os pequenos agricultores da Amazônia Oriental. Relatório de Pesquisa. Belém: EMBRAPA. 2003. 84p.

5- VENTURIERI, G.C. & FERNANDES, M. M. Plantas visitadas por Meliponina no Estado do Pará, p 261-263 in Anais do 540 Congresso Nacional de Botânica e 3ª Reunião Amazônica. Belém, Sociedade Botânica do Brasil/UFRA/MPEG/EMBRAPA, 2003, 294p.

6- MAUÉS, M. M. & VENTURIERI, G. C. Aspectos da biologia floral do urucuzeiro (Bixa orellana) na região de Belém - Pará, p.82-89, 1991. In: Anais da I Reunião Técnico-Ciêntífica sobre o Melhoramento genético do urucuzeiro. Belém: EMBRAPA-CPATU. 1992. 108p.

7- VENTURIERI, G.C.; DUARTE, R. da S. Biologia floral do urucuzeiro (Bixa orellana - Bixaceae), no Estado do Pará, Brasil (não publicado).

8- BAQUERO, P.L.; VENTURIERI, G.C.; NATES-PARRA., G. División y desarrollo de nidos de Melipona fasciculata. In: Anais do II Encuentro Colombiano Sobre Abejas Silvestres. Universidad Nacional de Colômbia, Dep. De Biologia, Bogotá, Colômbia, 2004. p. 128-130.

9- VENTURIERI, G.C.; RODRIGUES, S.T. ; PEREIRA, C.A.B. As abelhas e as flores do açaizeiro (Euterpe oleracea Mart. - Arecaceae). Mensagem Doce, São Paulo - SP, v. 80, p. 32 - 33, 2005.

10- VENTURIERI, G.C., Raiol V.F.O., Pereira, C.A.B. Avaliação da introdução de Melipona fasciculata (Apidae: Meliponina) entre os agricultores familiares de Bragança, Belém, Biota Neotropica, 3 (2), 2003.

11- VENTURIERI, G.C. Criação de abelhas indígenas sem ferrão. Ed. EMBRAPA, Belém. 2004, 36p.

12- SILVEIRA, F.A.; MELO, G.A.R.; ALMEIDA, E.A.B. Abelhas brasileiras: sistemática e identificação. Belo Horizonte. Min. Meio Ambiente/Fund. Araraucária. 2002. 253p.

13- EMBRAPA AMAZÔNIA ORIENTAL www.cpatu.embrapa.br/a-unidade/unidade/missao/ 2007. Acessado em 12/11/2007.

Agradecimentos

Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq (Processos 52.0794/01-0 e 553729/2005-5), ao Banco da Amazônia - BASA, a The Nature Conservancy - TNC, ao programa Promanejo/MMA, ao SENAR, ao Conselho Nacional dos Seringueiros - CNS e a todos os meliponicultures da Amazônia que com amor se dedicam ao manejo e conservação de nossas abelhas e florestas. Em especial ao Charles Pereira, Nazareno Mesquita e Agostinho Lima, parceiros na difusão da meliponicultura no Estado do Pará.


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