Artigo

INSTALAÇÃO DE APIÁRIO PARA A PRODUÇÃO DE ABELHAS RAINHAS

Etelvina Conceição Almeida da Silva - Bióloga. Mestre e Doutor em Ciências Biológicas. Apiário ETRON.
etelron@gmail.com

Em um sistema produtivo apícola, se estivermos pensando em instalar, ou em como deve ser um apiário para produção de rainhas é porque, provavelmente, já passamos por algumas etapas da nossa vida de apicultor. Por exemplo: -Já sabemos as condições mínimas a que qualquer apiário deve atender para ser funcional e produtivo. -Já percebemos a importância das rainhas para o desempenho das colméias. -Já nos convencemos da necessidade de dispormos de rainhas jovens, de boa qualidade e, sobretudo, nas épocas oportunas, para que nosso apiário mantenha-se íntegro e cada vez mais produtivo. -Sim, talvez já tenhamos estudado a criação de rainhas e até feito algumas criações sem, contudo, termos obtido o retorno que esperávamos.

Por tudo isso é que estamos aqui, querendo vencer este gargalo tecnológico -o domínio das rainhas do nosso apiário. Ou, talvez, querendo saber onde foi que erramos em nossas tentativas anteriores. Pois a produção de rainhas é tão fácil de ser aprendida no papel, na teoria, como difícil de ser realizada eficientemente no campo, devido ao enorme número de fatores que influenciam o processo, muitos dos quais estão fora do nosso controle. Mas, com conhecimento e bom planejamento, poderemos atingir nosso objetivo. É o que mostraremos a seguir.

CONHECIMENTO

Além do conhecimento do manejo das abelhas, temos que conhecer minuciosamente as técnicas que iremos empregar e o manejo específico da criação de rainhas. Vamos fazer, vamos praticar; somente obteremos experiência fazendo. Por isso é previsível que erraremos, que teremos dificuldades e maus resultados durante as primeiras semanas ou meses. Aqui, porém, é necessário que aprendamos com nossos erros. O que pode ter causado um mau resultado? Como evitar tal erro da próxima vez que efetuarmos aquela operação?

PLANEJAMENTO

Mencionamos acima esta questão. O planejamento é necessário em qualquer atividade, para que tenhamos segurança de atingirmos nossos objetivos. Na apicultura não é diferente. Porém, dife- rentemente da produção de mel, pólen etc., na produção de rainhas o planejamento deve ser muito mais rigoroso, minucioso e respeitado. Não se pode deixar um trabalho para o dia seguinte porque está chovendo ou por outra razão qualquer. O trabalho tem que ser feito sempre no dia e até na hora certa, conforme o plano estabelecido.

Vamos dividir o assunto em planejamento do processo produtivo e planejamento do sistema de produção.

PLANEJANDO O PROCESSO PRODUTIVO

Para produzir rainhas temos inicialmente que cria-las. Posteriormente temos que lhes proporcionar condições adequadas para sua fecundação e início de postura. A partir deste ponto elas estão em condições de serem utilizadas, nas nossas colméias ou em colméias de terceiros. Mas a produção somente se concretizará se aqueles dois processos (criação e fecundação) forem realizados de maneira econômica, ou seja, se o custo final das rainhas for inferior ao do seu valor de mercado. De outra forma o produtor não poderá vender as rainhas e, mesmo que pretenda produzi-las para uso próprio, resultará mais vantajoso adquiri-las de outro produtor.

Criação -Há numerosos métodos para a criação de rainhas em grande número. Todos podem ser considerados variantes do método de Doolittle, popularmente conhecido como método da enxertia.2
2 De enxertar (lat. insertare: inserir). Operação que consiste em introduzir uma parte viva dum vegetal em outro vegetal, para que neste se desenvolva como se desenvolveria na planta de onde saiu. Qualquer tecido ou órgão que é implantado num organismo (Aurélio Séc. XXI, 3ª ed., 1.999. p.776). Enxertar, na criação de rainhas, significa a inserção de larvas femininas retiradas da colméia em que nasceram, em uma colméia que será encarregada do seu desenvolvimento até que se transformem em insetos adultos (rainhas).

Por este método, utilizamos jovens larvas femininas, filhas de uma rainha (matriz) selecionada pelas boas qualidades exibidas por sua colônia e que queremos transmitir para as futuras rainhas do nosso apiário ou dos apiários a quem fornecemos rainhas. Estas larvas são "enxertadas", ou seja, inseridas em outra colônia (recria iniciadora), encarregada de alimentá-las e desenvolve-las até se tornarem casulos fechados (realeiras). Estas realeiras serão transferidas para outra colônia (recria terminadora), isoladas entre si por pequenas gaiolas (gaiolas tubo) e ali as rainhas emergirão e completarão sua maturação sexual.

Fecundação -As rainhas virgens maduras, em suas gaiolas individuais serão transferidas para pe- quenas colônias (núcleos de fecundação), onde realizarão os vôos nupciais, tornando-se jovens rai- nhas fecundadas, aptas a serem introduzidas em colméias de apiários de produção apícola, de mel, pólen etc.

Apoio -A manutenção das recrias e dos núcleos de fecundação exige o regular fornecimento de favos com abelhas, crias e/ou alimento. Estes favos são retirados de colméias denominadas colméias de apoio, que completam e mantém a funcionalidade do módulo de produção de rainhas.

Figura 1 -Fluxograma da produção de rainhas

PLANEJANDO O SISTEMA DE PRODUÇÃO

O primeiro parâmetro ou referência a considerar é se vamos produzir rainhas para nosso uso exclusivo ou se para o uso de um grupo (associação) de apicultores ou, ainda, para livre comerciali- zação com qualquer interessado.

Vinculada a cada situação acima, há a próxima definição, que é a da quantidade de rainhas que pretendemos ou que necessitamos produzir em um período de tempo definido. Por exemplo, uma ou duas temporadas (dois a três meses cada) anuais ou ainda, produzindo continuamente durante o ano. Esta definição será baseada tanto na demanda a atender (quantidade de rainhas que consumiremos ou que será necessária para todos os apicultores do grupo) ou no potencial do mercado que pretendemos atender.

Disposição física dos segmentos de um apiário de produção de rainhas.
Núcleos de fecundação estão em outro local
(apiário etron, ilhéus, ba).

Para racionalizar o assunto vamos fazer nosso apiário modular. Cada módulo é um conjunto mínimo e básico para a realização do processo produtivo. Então, conforme a escala de produção planejada poderemos ter que montar dois, cinco, dez ou mais módulos. Para melhor entender a estrutura e conteúdo do módulo de produção vamos nos reportar ao diagrama de fluxo (Figura 1). A cada função corresponde um tipo, conteúdo e número de caixas (colméias).

DISPOSIÇÃO FÍSICA DAS COLMÉIAS NO CAMPO

Preliminares -Antes de distribuirmos as colméias devemos considerar o local ou área aonde será instalado o apiário. Nem sempre iremos encontrar um local que reúna de maneira ideal todas as con- dições desejáveis. Por isso é conveniente fazermos um exame preliminar de todos os locais a que temos acesso e que pareçam promissores. Depois vamos compará-los, ponto por ponto, até chegar- mos à decisão do melhor, ainda que não seja perfeito ou ideal. No início do processo, pode ser vanta- joso descartar logo os locais "bons", mas que se tornam inviáveis devido a algum fator decisivo. Por exemplo, um local pode estar na outra margem de um rio que não atravessamos com facilidade. Ou pode estar muito próximo a uma rodovia movimentada, um vizinho ou um aviário. Ainda que possu- am boa florada, boa topografia, proteção contra ventos etc. tais locais não podem ser usados.

CONDIÇÕES DO LOCAL

Requisitos válidos para qualquer tipo de apiário
-Boas floradas no entorno.
-Ausência de espécies vegetais real ou potencialmente tóxicas para as abelhas.
-Afastado de áreas agrícolas aonde ocorra intensa utilização de agrotóxicos.
-Isolamento, por distância (100m ou mais) ou por obstáculos (vegetação, elevações do terreno), de casas, vizinhos, estradas, animais confinados, iluminação noturna, fontes de poluição etc.
-Fácil acesso, inclusive para veículos.
-Topografia plana ou ondulada, não acidentada.
-Disponibilidade de água limpa nas imediações.
-Proteções contra agentes atmosféricos desfavoráveis, conforme o clima da região: sol, chuvas, ventos, umidade, calor ou frio.
-Área disponível suficiente, conforme o número e espaçamento das colméias a serem instaladas.
-Segurança: devem ser avaliados e prevenidos os riscos de depredações, roubo e fogo. Principalmente durante a estação seca, a área do apiário deve ser mantida aceirada e limpa.

Requisitos importantes para um apiário de produção de rainhas

-Floradas sim, porém variadas e com forte presença de espécies poliníferas.
-A área efetivamente necessária é maior em relação a apiários de produção apícola porque os dife- rentes componentes do módulo deverão ficar afastados entre si (ver adiante).
-Área com vegetação lenhosa, tais como arbustos, pequenas árvores e/ou tufos de vegetação, subdi- vidindo-a em subáreas.
-A menor distância possível da residência do apicultor, devido ao manejo diário.

Arranjo das colméias (layout do apiário)

Núcleos, recrias, matrizes e apoios devem ter espaços próprios. Os núcleos particularmente são muito sensíveis à proximidade de colméias fortes, que podem invadi-los durante ou logo após o manejo. Também pode ocorrer agregamento das abelhas de dois ou três núcleos vizinhos, talvez como resposta à uma condição de insegurança.

As distâncias entre estes sub-apiários deve ser aquela que os isole suficientemente. Maiores distâncias dificultam e retardam a execução dos trabalhos, por isso é de grande importância a vege- tação de isolamento. Quando ela é bastante densa para impedir o vôo através dela, 10 metros podem ser perfeitamente satisfatórios; em outros casos, convém aumentar o afastamento para 20, 30m ou distância maior.

É importante também que, em cada grupo, as colméias fiquem com os alvados em direções contrárias ou paralelas, nunca se defrontando. Ainda, não devem ficar de frente para a entrada ou o acesso do apicultor.

As colméias de apoio e os núcleos podem ser dispostos em linha, em zig-zag, em "L", em "=", em "U", em arco ou círculo, porém sempre de acordo com a topografia, o formato e as dimensões da área a eles reservada e sempre observando as regras acima.

PLANEJANDO A PRODUÇÃO

Se a produção desejada for pequena, somente para atender nossa necessidade periódica ou ocasional, talvez algumas dezenas de rainhas a cada ano, não necessitamos realmente de instalar e manter um apiário específico. Improvisaremos, com o material disponível, em um canto favorável do nosso apiário de produção e criaremos as rainhas a partir de células reais naturais, de enxameação ou produzidas pela orfanação temporária de uma ou mais das nossas melhores colméias.

Esta situação, porém, foge ao escopo deste trabalho, dirigido a apicultores médio-grandes, entidades como associações ou escolas técnicas ou ainda, para apicultores empreendedores que desejam produzir rainhas para comercialização.

O módulo acima descrito pode ser operado continuamente, ao longo do ano, se o clima permitir. Alternativamente, pode ser desativado/reativado temporariamente segundo o interesse do produtor. Por isso, sua produção planejada refere-se a períodos mensais.

Na recria iniciadora são realizadas quatro criações mensais sendo, em cada criação, oferecidas 30 larvas para as abelhas, o que totaliza 120 larvas mensais. Sob condições normais, cerca de 80 (70%) destas larvas serão transformadas em realeiras maduras, das quais emergirão umas 67 (80%) rainhas virgens.

Os 30 núcleos podem receber rainhas virgens a cada 15 dias, o que totaliza 60 rainhas mensais. As demais rainhas virgens foram descartadas na seleção prévia, sendo que algumas podem ficar reservadas durante vários dias, na recria terminadora, para atender necessidades eventuais. Das 60 rainhas introduzidas nos núcleos pode-se esperar que pelo menos 48 (80%) se fecundem e iniciem a postura. Esta é, portanto, a capacidade mensal do módulo de produção.

Estes são números conservadores, comumente obtidos. Porém, quando o trabalho é bem executado e não sobrevêm condições adversas, a produção pode ser maior, avizinhando-se do limite de 60 rainhas fecundadas mensais. Sem grandes alterações na configuração do sistema, pode-se ampliar ainda mais a produção, elevando-se para 50 ou 60 o número de núcleos e, proporcionalmente, o número de apoios.

Para chegar-se a este resultado são desempenhadas ordenadamente, todas as operações do método Doolittle de criação e aquelas do processo de fecundação. Tendo em vista a racionalidade e simplificação do trabalho, desenvolvemos um cronograma, abaixo apresentado, pelo qual combina- mos o ciclo de trabalho semanal humano com o ciclo biológico decendial do desenvolvimento das rainhas. Todas as operações são executadas em dias da semana fixos e somente nos dias úteis, dei- xando livres os fins de semana.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O foco deste trabalho está na configuração, montagem e operacionalização do apiário ou colmeal de produção de rainhas. Entretanto, não se pode esquecer que o sistema de produção completo inclui vários outros componentes e atividades, entre os quais:

-A técnica de criação propriamente dita, isto é, o domínio do método de Doolittle, do manejo das rainhas e da utilização dos núcleos de fecundação.
-Melhoramento contínuo da qualidade genética das rainhas produzidas. Isto será obtido com o uso de matrizes cada vez melhores. Como obtê-las é outro projeto, que envolve um sistema de seleção ou de aquisição de matrizes, desde que haja disponibilidade.
-Aquisição de insumos e preparação de alimentos carboidratados e protéicos.
-Materiais de trabalho no campo, como indumentária de proteção, fumigador, alimentadores etc.
-Meios de transporte, do apicultor e dos materiais apícolas.
-Sede, edificação comportando os materiais e área de trabalho para a preparação de colméias, ali mentos, manipulação de rainhas etc.
-Administração do sistema, com base em dados minuciosos colhidos continuamente no apiário, permitindo o controle dos resultados e a identificação de eventuais problemas que afetem o de- sempenho do criatório de rainhas. Ainda, dados econômicos, como investimentos, despesas opera- cionais, receitas e outras informações financeiras.

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