Artigo

Relatos de Viagem:
Meliponíneos da Austrália

Marilda Cortopassi-Laurino, Cristiano Menezes e Waldemar Ribas Monteiro.

Figura 1 - Trigona hockingsi constrói favos horizontais
irregulares de pequenos grupos de células de cria,
de tal forma que seu aspecto lembra o dos favos
da nossa mirim-preguiça. (foto A. Dollin)

A participação no 40º Congresso Internacional de Apicultura, a Apimondia, em Melbourne, Austrália, no mês de setembro de 2007, início da primavera, favoreceu um maior intercambio de conhecimento sobre este país e as suas abelhas principalmente seus meliponíneos. Contatos com pesquisadores locais e uma visita a Universidade de Sydney, cidade do sul do continente, onde são criadas e pesquisadas algumas espécies de abelhas sem ferrão, e a meliponicultores de Brisbane, região norte da Austrália, aumentou o conhecimento desta atividade em terras tão longínquas.

A Austrália é um grande continente, cuja parte habitável está associada com a costa mais úmida como conseqüência da proximidade com o mar. Na sua parte central, entretanto, predomina um ambiente desértico.

Figura 2 - Trigona hockingsi
entrada do ninho em tronco
de árvore(foto A. Dollin)

Os meliponíneos da Austrália são abelhas pequenas, de tamanho semelhante ao das nossas plebéias ou mirins, com no máximo 4,5mm de comprimento e são todas escuras, o que torna difícil o seu reconhecimento. Estas abelhas se distribuem principalmente pela costa leste, norte e nordeste do país, e por conta do frio, não são encontradas ao sul da cidade de Sydney, mas chegam ao extremo norte do país, o cabo York.

Os meliponíneos da Austrália, que são ao todo dez espécies, estão agrupados no gênero Trigona e Austroplebeia. As espécies mais conhecidas e criadas são Trigona carbonaria, Trigona hockingsi e Austroplebeia spp.

Figura 3 - Austroplebeia australis em caixa de madeira
bem espessa (4cm) e com construção de potes
de pólen na placa de Petri usada para alimentação
suplementar no período do inverno.

Trigona carbonaria apresenta ninhos populosos, com centenas de indivíduos e que constroem sempre favos helicoidais Produz até dois kilos de mel por ano e seu cerume é muito escuro. São relativamente agressivas e se defendem beliscando partes delicadas da pele e entrando no nariz e orelhas do intruso, contudo não são necessárias precauções especiais para serem manejadas. É a espécie que chega mais ao sul do continente.

Trigona hockingsi constrói favos horizontais irregulares de pequenos grupos de células de cria, de tal forma que seu aspecto lembra os favos da nossa mirim-preguiça, a Friesella schrottky (Fig.1). Seu nome é em homenagem ao naturalista Harold Hockingsi que descreveu e publicou detalhes destes ninhos em 1884. É também conhecida como abelha que lambe suor. Produz pequena quantidade de mel, no máximo 1 kilo por ano. A entrada do ninho está representada na Fig.2

Austroplebeia compreende várias espécies, e todas constroem células de cria em cachos, como a nossa abelha moça branca ou marmelada (Frieseomelitta varia) entre outras. Fecham a entrada do ninho a noite ou durante tempos desfavoráveis. Na natureza, seus ninhos podem ser encontrados pelo ruído que emitem. Na Universidade de Sydney, onde estas abelhas estão sendo estudadas quanto ao comportamento de defesa contra os pequenos besouros Aethina tumida, os ninhos, fora da região de origem, são mantidos em caixas de madeira bem grossa, com 4cm de espessura e com alimentação suplementar. Este local de reforço alimentar, uma placa de Petri na parte anterior do ninho acabou sendo utilizada pelas abelhas como depósito de pólen (Fig. 3).

Figura 4 - Potes de alimento (pólen e mel) de
Austroplebeia australis e com depósito de resina
e sementes no fundo da caixa (no alto da foto).

Sobre os hábitos de nidificação elas usam principalmente troncos e ramos de árvores, fendas de rochas e paredes, aquecedores, medidores de água, caixas plásticas e blocos de concreto, etc. Inimigos comuns são os forídeos e uma espécie de mosca grande.

As caixas de madeira onde são criadas são de diferentes tamanhos e muitos usam caixas com duas partes, uma inferior e outra superior para facilitar a divisão dos ninhos. Madeiras tipo pinho, carvalho e cedro são as mais utilizadas.

Assim como a uruçu-boi (Melipona fuliginosa) no Brasil, na Austrália, algumas espécies de meliponíneos coletam resina dos frutos, e lá, junto com a resina de um eucalipto (E. torelliana) transportam aderidas, sementes destas árvores numa distancia de até 300m, sugerindo que estas abelhas possam ser consideradas dispersoras destas sementes (Fig. 4).

No extremo norte, abelhas sem ferrão são criadas por aborígenes Aurukum, povo nativo da Austrália e que já possuíam mais de 130 ninhos em 2005. Eles usam o cerume no bocal de um instrumento musical tradicional, o didgeridoo, que é um ramo de árvore ocado pelos cupins, com pelo menos um metro de comprimento, e que produz diferentes sons graves. (Fig.5). É vendido nas lojas de artesanato aborígene. Sacos de açúcar (sugar bags) é como são chamadas as abelhas sem ferrão pela população nativa, provavelmente uma alusão aos potes de mel.

Figura 5 - "Didgeridoo" nas lojas de artesanato.
Os aborígines utilizam o cerume de ninhos
de meliponíneos no bocal de um instrumento musical
tradicional, o didgeridoo, que é um ramo de
árvore ocado pelos cupins, com pelo menos um metro de
comprimento, e que produz diferentes sons graves.

Na Austrália a meliponicultura é muito recente, pois há alguns poucos anos atrás não havia criadores destas abelhas, apenas algumas pessoas exploravam o mel quando achavam os ninhos ou mantinham alguns cortiços nos troncos quando cortavam as árvores onde os ninhos estavam alojados. Entretanto, os interesses atuais para a expansão da meliponicultura estão baseados nos serviços de polinização da noz macadamia, produção de mel e cerume, e na área de educação em preservação ambiental. Alguns poucos meliponicultores com até 150 ninhos alugam suas abelhas para polinização. A Austrália é a maior produtora de macadamia com mais de 800 fazendas envolvidas nesta atividade, e outras culturas como lichia, melão e abacate também têm se beneficiado com a presença destas abelhas.

Das inovações na meliponicultura australiana, vista por um de nós (Cristiano), está a maneira como um dos maiores criadores de abelhas sem ferrão da região de Brisbane, o Dr. Tim Heard, do Centro de Pesquisas para a Comunidade, e possuidor de cerca de 250 colônias de Trigona carbonaria mantem seus ninhos. Todos distribuídos nas casas dos seus amigos da cidade de Brisbane, região central da costa leste da Austrália, e com clima perfeitamente adequado para essas abelhas. Ele produz cerca de 80-100 novas colônias por ano para vender, assim como mel e cerume. Cada colônia é vendida à cerca de AU$240,00 (R$ 400,00) e há uma fila de espera de seis meses para obtenção de novas colônias. Os principais compradores são pessoas que se preocupam com a preservação do meio ambiente e que admiram a natureza, e que têm a intenção de colocar a colônia no quintal de suas casas e cuidar delas como um animal de estimação.

Figura 6 - uma invenção de John Klumpp é de ninhos
de meliponíneos que com um sensor de temperatura
aciona lâmpadas para aquecimento dos ninhos ou
uma ventoinha para resfriamento. Na parte superior
destas colméias há também um espaço livre, que favorece
a dispersão do calor.

Contudo, outro meliponicultor amador, John Klumpp, associado da WWF-Austrália é um verdadeiro Professor Pardal das abelhas sem ferrão. Aposentado, dedica seu tempo em invenções de novas técnicas para manejo e multiplicação de ninhos. Dentre estas, destacam-se modelos ousados de colméias, com aquecimento solar e outras com sofisticado sistema de regulação térmica e alimentadores inteligentes que estarão disponibilizadas no seu livro "Australian Stingless Bees: a guide to sugarbag beekeeping" com lançamento previsto para breve. Uma amostra destes inventos estão nas Fig.6 e Fig 7.

Uma iniciativa que deve ser divulgada é a da Dra. Anne Dollin que desde 1997 tem publicado sozinha ou com colaboradores, um Boletim do Centro de Pesquisas das Abelhas Nativas da Austrália, e paralelamente, livretos de divulgação da criação e importância dos meliponíneos. Os temas destes livretos abrangem tipos de ninhos, comportamento, reconhecimento das diferentes espécies, criação em troncos ou em caixas, lista de plantas apícolas, polinização e sugestões de técnicas utilizadas por vários meliponicultores australianos. Junto com seu marido, ela tem viajado pela Austrália visitando meliponicultores e mesmo acampando em locais onde meliponíneos foram observados por antigos naturalistas. Ela mantem a página www.aussiebee.com.au que junto com outras duas paginas, www.zabel.com.au e www.sugarbag.net representam os mais atualizados locais de informações sobre as abelhas nativas da Austrália.

Agradecimentos: A Dra. Anne Dollin, Megan Halcroft e Mark Greco pela recepção aos brasileiros na Universidade de Sydney (Fig. 8), pelas doações de boletins e informativos sobre as abelhas sem ferrão e pelo excelente Guia de Campo das abelhas nativas da região de Sydney, um exemplo que deveríamos copiar e adaptar....agradecemos também pela oportunidade de convivência com a animada caravana da Apacame, de alimentar cangurus, de fotografar coalas nas árvores de eucalipto, de observar falésias com inferências aos doze apóstolos, de olhar o desfile noturno dos pingüins anões, de esperar revoada de morcegos gigantes no jardim botânico dentro da cidade, e, pelo motivo maior, de participar de mais um congresso internacional de apicultura. Cristiano Menezes agradece pela recepção e demonstração aos Dr. Tim Heard e John Klumpp.


Figura 7 - outra das invenções de John Klumpp está o uso de uma placa de energia solar para ligar os equipamentos que controlam a temperatura nos ninhos de meliponíneos.

Figura 8 - Megan Halcroft, Marilda Cortopassi-Laurino, Denise Alves, Dra. Anne Dollin, Mark Greco e Waldemar e Cida Ribas Monteiro na visita aos laboratórios de abelhas na Universidade de Sydney.

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