Artigo

Ocorrência de larvas de Hermetia illucens (L., 1758) (Diptera: Stratiomyidae) em colônias de abelhas sem ferrão (HYMENOPTERA: APIDAE).

Lílian Santos Barreto*
Marina Siqueira de Castro**

* Bióloga, Pesquisadora da Empresa Baiana de Desenvolvimento Agrícola-EBDA, Laboratório de Abelhas (LABE), Salvador, BA; e-mail: lbarreto@ufba.br.
** Engenheira Agrônoma, PhD, Ecóloga, Pesquisadora da Empresa Baiana de Desenvolvimento Agrícola-EBDA, Salvador, BA; e-mail: marinascastro@uol.com.br.

Resumo

(Nota sobre ocorrência de larvas de Hermetia illucens Linnaeus (Diptera: Stratiomyidae) em colônias de abelhas sem ferrão (Hymenoptera:Apidae)) - Em certas circunstâncias as larvas de Hermetia illuscens Linnaeus, 1758 destroem colônias de abelhas sem ferrão. Foi observado em laboratório o desenvolvimento larval para duas dietas ministradas, havendo um índice de natalidade maior na dieta a base de fezes de abelhas. As espécies mais vulneráveis infestadas pelas larvas foram as do gênero Frieseomelitta: F. francoi, F. doederleini e F. languida (F.F. de Oliveira in pres.).

Palavras-chave: Stratiomyidae, mosca soldado negro, Meliponinae.

Introdução

A família Stratiomyidae tem ampla distribuição em todo o mundo com cerca de 400 gêneros reconhecidos até o presente e mais de 2000 espécies. No entanto, apresenta uma alta diversidade nas regiões tropicais (Woodley, 1986). Hermetia illucens Linnaeus, 1758 (Diptera: Stratiomyidae) conhecida por "mosca soldado negro", "mosca grande" ou "moscona" é nativa do sudeste dos Estados Unidos onde é chamada de "black soldier fly". Os adultos acasalam e põem seus ovos em rachaduras e fendas próximas ao habitat larval. O principal substrato para oviposição das fêmeas é o esterco ou adubo e fezes. Normalmente as fêmeas colocam 900 ovos de uma só vez, que eclodem em 4 dias e passam por 5 ínstares larvais pelo período de duas ou mais semanas. As moscas não são reconhecidas como pragas porque o adulto não é atraído para habitação humana ou alimentos (Furman et al. 1959). Os adultos não necessitam de alimento, sobrevivendo dos estoques alimentares do estágio larval. A larva é um consumidor vorácil de matéria orgânica decomposta incluindo esterco de galinhas, frutas estragadas e estrume. São efetivos em reduzir a massa assim como os nutrientes e a umidade contida no esterco, sendo assim utilizados como ferramenta de valor adicional no manejo de esterco suíno (Newton et al. 2005).

O adulto mede cerca de 2cm de comprimento, de coloração azul-escura com pernas pretas e tarso branco-amarelo, abdome com duas áreas claras e transparentes na parte dorsal e próximo ao segundo segmento. As larvas chegam a atingir 3cm, de coloração parda escura, corpo achatado e possui onze segmentos com cerdas. Alimentam-se do próprio substrato, normalmente matéria orgânica decomposta, onde se desenvolvem. Quando em esterco a larva o liquefaz durante a alimentação, o que torna menos inconveniente o desenvolvimento das larvas da mosca doméstica (Musca domestica L.), agindo como um fator no controle natural da população desta mosca (Furman et al. 1959). CAPELO (1926) relatou sobre a ocorrência de Hermetia illuscens, em colméias da abelha melífera Apis mellifera L. na Argentina. O presente trabalho teve como objetivo observar o desenvolvimento das larvas de H. illuscens para duas dietas ministradas (fezes e mel com pólen), como também a sanidade das colônias de abelhas sem ferrão infestadas por estas.

Material e métodos

As larvas de H. illuscens foram monitoradas dentro das colméias infestadas, do meliponário de pesquisa Vera Imperatriz do Laboratório de Abelhas (LABE) da Empresa Baiana de Desenvolvimento Agrícola (EBDA) em Salvador, Bahia (12°55'34"S e 38°31'13"W). Pesagens das larvas retiradas de diversos substratos foram feitas em campo. As colônias não infestadas também foram monitoradas. Foram registradas as colônias de abelhas sem ferrão mortas pelas larvas, no ano de 2000. As amostras das larvas coletadas nas colméias de abelhas sem ferrão infestadas foram transferidas para o Laboratório de Abelhas em um frasco de vidro coberto com uma tampa plástica perfurada; e posteriormente postas em placas de petri onde foram ministradas dietas de fezes (28 larvas) e de mel e pólen (27 larvas). Estas foram confinadas em câmara para criação de insetos mantida a 27°C e 56% de umidade relativa, entre os meses de Junho e Julho de 2000.

Resultados e discussão

Das 16 espécies de abelhas sem ferrão existentes no meliponário "Vera Imperatriz"; 9 (56,25%) foram infestadas pela mosca soldado negro (tabela I). De um total de 47 colônias mantidas no meliponário e acondicionadas em colméias de tipos variados (caixa de madeira, cabaça, pote de barro); 8 colônias (17%) foram destruídas pelas larvas estando quatro colônias alojadas em caixas de madeira (N=37), duas em cabaças (N=4) e duas em potes de barro (N=6) (Tabela II). As caixas de madeira representaram o abrigo mais favorável ao desenvolvimento das larvas e propício a oviposição da fêmea, favorecendo a maior mortandade de abelhas. As larvas de H. illuscens foram encontradas dentro das colméias de meliponíneos durante os meses de maio a julho de 2000, sendo maio o mês com maior infestação. As larvas foram observadas principalmente sobre as fezes das abelhas, e não existindo fezes o suficiente para a quantidade de larvas elas ocupavam os potes de pólen e posteriormente a região da cria destruindo-as. Alojavam-se em lugares úmidos na colméia e entre as frestas das caixas de madeira. A fêmea fecundada ovipositavam dentro das colônias quando conseguiam passar pelas sentinelas (abelhas guardas) ou no ato de abertura das colméias para manejo. A oviposição era normalmente feita sobre as fezes das abelhas e em locais úmidos da colônia. O adulto não permanecia dentro da colônia. Em laboratório, a amostra I (com fezes de abelhas) obteve um percentual de natalidade correspondente a 53,6% e de mortalidade de 46,4%. O período de emergência do adulto em condições de laboratório foi em média de 30 a 40 dias para a dieta a base de fezes de abelhas. Na amostra II (com mel e pólen) não houve nascimentos e as pupas não completaram o desenvolvimento. As fezes das abelhas, assim como fezes de outros animais, foram fontes primárias de alimento para as larvas, como mostraram os resultados obtidos em laboratório; enquanto que o pólen pode ser fonte secundária e também as crias em colônias fracas, como observado em campo. No entanto, os adultos nasceram somente quando a alimentação ministrada foi à base de fezes das abelhas e não de mel e pólen. Em grande número as larvas são capazes de destruir as colônias de abelhas sem ferrão. As espécies mais vulneráveis ao ataque das larvas foram as do gênero Frieseomelitta (Tabela II), cujas colônias eram provenientes de região semi-árida. As colônias do gênero Melipona conviveram com o inquilino sem maiores prejuízos à colônia. A Melipona scutellaris Latreille (espécie da Mata Atlântica e das Matas da Chapada Diamantina) foi quem melhor conviveu com as larvas dentro de sua colméia sem prejuízos ao desenvolvimento da mesma. Provavelmente por esta espécie ser de ambiente úmido e pelo fato da colônia conservar umidade, temperatura e fezes que serviram adequadamente para o desenvolvimento das larvas da mosca soldado negro, evitando que as mesmas fossem para a área das crias e as destruíssem, como aconteceu nas colônias das espécies do gênero Frieseomelitta. Foram feitas pesagens individuais das larvas (N=10) que se encontravam dentro das colméias de Melipona scutellaris em potes de pólen e nas fezes. As larvas apresentaram um desenvolvimento maior para as que se encontravam nas fezes (média= 0,297g) e menor na dieta a base de mel e pólen (média= 0,008g). Segundo Nogueira-Neto (1997), as larvas são mais um inquilino que um inimigo, contudo em certas circunstâncias é possível destruir colméias de meliponíneos. Os resultados obtidos mostraram que para as espécies do gênero Frieseomelitta, criadas em condições de alta umidade, a Hermetia illuscens pode ser um inimigo perigoso. Assim, recomendamos a remoção manual das larvas quando o número é pequeno. Como medida preventiva, é necessária a inspeção sanitária dos arredores do meliponário, com retirada de lixo orgânico, para evitar a proliferação da mosca doméstica; que atrai os adultos da mosca soldado negro. É importante manter as colônias fortes que serão capazes de tapar as frestas e afastar a ameaça de invasão destes insetos.

Agradecimentos

Á Empresa Baiana de Desenvolvimento Agrícola pela bolsa estágio concedida à primeira autora. Á Drª Favízia F. de Oliveira pela identificação da mosca e das abelhas do gênero Frieseomelitta.

Referências bibliográficas

Capelo, A. 1926. Biologia de Hermetia illuscens. Rev. Socied. Ent. Arg. 1(2): 23-26.

Furman, D. P., R. D. Young & E. P. Catts. 1959. Hermetia illuscens (Linnaeus) as a factor in the natural control of Musca domestica Linnaeus. J. Econ. Entomol. 52: 917-921.

NEWTON, L. SHEPPARD, C; WATSON, D. W.; BURTLE, G. and DOVE, R. 2005. Report of using the black soldier fly, Hermetia illucens, as a value-added tool for the management of swine manure. In: www.cals.ncsu.edu/waste_ mgt/ smithfield_projects/phase2report05/cd,web%20 files/A2.pdf .

Nogueira-Neto, P. 1997. Vida e Criação de Abelhas Indígenas Sem Ferrão. Editora Nogueirapis. 466p.

Woodley, N.E. 1986. Parhadrestiinae, a new subfamily for Parhadrestia James and Cretaceogaster Teskey (Diptera: Stratiomyidae). Syst. Entomol. 11: 377-87.

Tabela I. Espécies de abelhas sem ferrão do meliponário "Vera Imperatriz" do Laboratório de Abelhas da EBDA, infestadas e não-infestadas pelas larvas da mosca soldado negro (Hermetia illuscens) em 2000.

Espécies infestadas Espécies não infestadas
Frieseomelitta doederleini (Friese, 1900) Melipona asilvai Moure, 1971
Frieseomelitta francoi (Moure, 1946) Melipona mondury Smith, 1863
Frieseomelitta languida (F.F. de Oliveira in pres) Melipona mandacaia (Smith 1863)
Melipona scutellaris Latreille, 1811 Melipona rufiventris Lepeletier, 1836
Melipona quadrifasciata quadrifasciata Lepeletier, 1836 Melipona subnitida Ducke, 1910
Melipona quadrifasciata anthidioides Lepeletier, 1836 Nannotrigona testaceicornis Lepeletier, 1836
Partamona rustica Pedro & Camargo, 2003 Plebeia sp.
Scaptotrigona tubiba (Smith, 1863)   
Tetragonisca angustula Latreille, 1811   


Tabela II. Colônias de abelhas sem ferrão mortas pelas larvas de H. illuscens.

Espécie de abelha sem ferrão Origem da colônia Época da morte da colônia Tipo de colméia
Frieseomelitta doederleini Iaçu/Ba julho/2000 cabaça
Frieseomelitta francoi Milagres/Ba maio/2000 caixa de madeira
Frieseomelitta languida Milagres/Ba maio/2000 caixa de madeira
Melipona quadrifasciata quadrifasciata Wanderley/Ba maio/2000 pote de barro
Melipona quadrifasciata quadrifasciata Wanderley/Ba maio/2000 pote de barro
Partamona rustica Iaçu/Ba junho/2000 cabaça
Scaptotrigona tubiba Pilão Arcado/Ba fevereiro/2000 caixa de madeira
Tetragonisca angustula Maragojipe/Ba julho/2000 caixa de madeira

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