Artigo

PRODUÇÃO DE GELÉIA REAL EM COLMÉIA PRODUTORA DE MEL COM BASE NO INSTINTO ENXAMEATÓRIO.

Leonardo L. Baumgratz-Eng. Agrônomo, Mestre em Ciências na área de Entomologia.
E-mail: leonardobaumgratz@hotmail.com
Paulo Roberto Forti-Eng. Agrônomo, Apicultor.
E-mail: prforti@uol.com.br

Resumo

O objetivo deste trabalho é mostrar a possibilidade de produção de geléia real (GR) nas melgueiras de colméias preparadas para a produção de mel, em função do instinto enxameatório das abelhas e sem o rodízio de favos com crias. As larvas transferidas para as cúpulas artificiais tinham menos de 24h de idade. A GR foi colhida com 90h. A produção média de GR em gramas/colméia/coleta foi de 5,36 ± 2,65g/colm/col atingindo um máximo de 11,7g; a produção média em gramas/colméia/ cúpula foi de 0,252 ± 0,095g/colm/cup com um máximo de 0,509g e o aceite médio do número de cúpulas/colméia/coleta foi de 20,47 ± 7,11cup/colm/col com um máximo de 33 cúpulas aceitas. Os resultados obtidos indicaram que a técnica proposta foi eficiente nas seguintes circunstâncias; famílias fortes, floradas abundantes, fluxo constante de néctar e que não foi necessário a presença de cria nova na área de produção de GR facilitando sua produção.

Introdução

As realeiras novas são as fontes de GR e os métodos atuais de produção baseiam-se no conceito de que uma família de abelhas só aceita cuidar de cúpulas artificiais enxertadas quando está em uma situação de orfandade, entretanto, de acordo com Corbella (1985); Visscher (1986) e Winston (1987) existem diferentes situações induzindo as abelhas a produzirem novas realeiras para criarem rainhas jovens, sendo os seguintes:

1º - Ausência da rainha (situação de emergência) - Os métodos mais radicais de produção de GR consistem em eliminar a rainha de uma família forte. Outras técnicas mais racionais isolam a rainha em uma parte da colméia, deixando as crias na outra parte na qual surge a situação de orfandade (Dadant, 1975; Amaral e Alves, 1979; Santos e Message, 1984; Camarena et al. 1986). Estes métodos exigem manejos constantes de quadros com crias, estressando as abelhas e aumentando o risco de machucar a rainha ou provocar a pilhagem entre elas. Segundo Corbella (1985), todas as técnicas empregadas variam apenas em alguns detalhes do método básico proposto por Doolitle em 1888. Pode-se ver nas literaturas atuais que todos os métodos de produção de GR dependem desta situação de orfandade real ou induzida.

2º - Necessidade de substituir a rainha - Provavelmente esta situação ocorre quando a rainha velha diminui sua produção de feromônio, mas existem várias razões associadas que podem resultar na sua substituição. Segundo Johansson e Johansson (1973) e Winston (1987), normalmente o número de realeiras produzidas é inferior a seis. Esta baixa quantidade de realeiras inviabiliza a produção comercial de GR nesta situação específica.

3º - Necessidade de enxamear - Enxamear é uma característica natural das abelhas na medida em que responde a um instinto de multiplicação, entretanto é algo bastante complexo, pois depende de fatores intrínsecos e extrínsecos à colméia. Para os apicultores é uma séria preocupação, pois resulta em prejuízos pela perda de abelhas e de mel. Segundo Winston (1987), a família enxameia quando existem alguns estímulos primários, não sendo nenhum deles capaz de (sozinho e independente dos outros) induzir a produção de realeiras, sendo eles: (1) o tamanho da colônia, (2) congestionamento do ninho com crias, (3) distribuição da idade das operárias, (4) propagação reduzida dos feromônios da rainha. A abundante disponibilidade de alimento favorece os três primeiros e talvez possa ser considerada também um estímulo primário para a criação de realeiras. Estes estímulos, em conjunto, induzem as operárias a construírem várias realeiras, iniciando a criação de novas rainhas na presença da rainha mãe e que resulta na formação de enxames.

O último item (Necessidade de enxamear) mostra que existe um forte potencial sazonal de produção de realeiras, associado ao instinto de multiplicação da colméia e que pode ser aproveitado para produção de GR.

Descrição de como foram feitas as observações e preparo das colméias

Este experimento foi realizado na zona rural de Piracicaba, SP, por um período de 43 dias, entre 7 de fevereiro e 22 de março de 2005, época de florada abundante, satisfazendo um dos estímulos primários para a produção de realeiras. Os meses de fevereiro e março são favoráveis a uma boa produção mel em varias regiões do Brasil (Silva et al. 1995 e Kerr, 1969).

Foram utilizadas quatro colméias (Langstroth) povoadas por famílias populosas e preparadas para produzir mel, constituídas de: Um ninho, uma tela excluidora, duas melgueiras, povoadas por famílias populosas. Todas foram revisadas previamente sendo constatada a presença da rainha, grande quantidade de ovos, larvas e operárias em condições normais de atividade, satisfazendo os estímulos primários para a produção de realeiras citados no item 3º.

Cada colméia recebeu 40 cúpulas com larvas novas na melgueira superior. Na melgueira inferior (próxima ao ninho) ficaram 10 quadros (com pouquíssimo mel), na melgueira superior ficaram somente 8 quadros (sem mel), pois foi necessário deixar espaço para os quadros porta-cúpulas e também para um coxo interno de alimentação. As larvas transferidas para as cúpulas tinham menos de 24h de idade e eram provenientes de uma colméia fornecedora de larvas com a rainha confinada em um favo vazio. Estas cúpulas estavam coladas em duas barras suporte (20 cup/barra). Foi acoplada uma barra em cada quadro porta-cúpulas. Cada colméia recebeu, na melgueira superior, dois quadros porta-cúpulas que foram intercalados com os quadros de mel na seguinte ordem: na lateral ficaram 3 quadros de melgueira, em seguida 1 quadro porta-cúpulas (20 cup), 3 quadros de melgueira, outro quadro porta-cúpulas (20 cup), 2 quadros de melgueira e o coxo de alimentação interna. A coleta da GR foi realizada com 90 horas após as transferências das larvas. As cúpulas utilizadas eram de acrílico alaranjado com medidas externas de 10 mm (altura) por 10 mm (diâmetro) e volume interno de 0,46ml.

É importante ressaltar que nenhum remanejamento de favos com larvas e pupas, ou rodízio de favos, foi realizado durante todo o experimento (nem antes, nem durante, nem depois), portanto não existiam larvas nem crias nascentes nas melgueiras. Foram utilizadas abelhas (Apis mellifera L.) comuns, de enxames encontrados na natureza, ou seja, não eram abelhas selecionadas. Cada colméia recebeu 170g de açúcar dissolvido em 0,4 litros de água, colocado em um cocho interno de alimentação, a cada vez que as cúpulas eram introduzidas. O experimento foi encerrado quando as melgueiras de duas colméias apresentaram muito mel operculado. Foram feitas 9 repetições, num total de 1440 cúpulas avaliadas. Foram avaliados o aceite, a produção de GR, a presença de realeiras operculadas e a produção de mel. Após o experimento foi feita nova revisão para se constatar a presença da rainha (marcada) e se existiam sinais de exameação.

Resultados e discussão

Os resultados da produção de GR estão na Tabela 1 e na Tabela 2 estão os resultados da produção de mel.

Tabela 1 - Produção de geléia real com base no
instinto enxameatório entre 7 de
fevereiro e 22 de março de 2005.

No presente estudo, a média de cúpulas aceitas foi de 20,47 ± 7,1cup/colm/col, este valor é compatível com os trabalhos de Santos e Message (1984) (23,6cup/recria/col e 20,5cup/mini-recria/col) e de Baumgratz (1992) (17,08 ± 1,78cup/mini-recria/col). Toledo e Mouro (2005) compararam africanizadas selecionadas com cárnicas, o melhor dos resultados que obtiveram foi de 15,51 ± 10,28cup/mini-recria/col. Winston (1987) menciona na página 183 que uma colméia prestes a enxamear, geralmente opercula entre 15 e 25 realeiras; Johansson e Johansson (1973) citam entre 3 e 30 realeiras. Usar 40 cúpulas por colméia parece que foi um exagero, mas para um produtor de GR, 30 cúpulas já seriam suficientes, pois somente duas vezes este número foi superado (a colméia 2 aceitou 33 cúpulas por duas vezes, mas, não seguidamente) e não discorda das médias dos autores citados.

A produção média encontrada foi de 5,36 ± 2,65g/colm/col, ela não difere do resultado encontrado por Baumgratz (1992) que foi de 5,05 ± 1,29g/mini-recria/col. Toledo e Mouro (2005) obtiveram produções entre 2,23 ± 2,13 e 4,42 ± 2,67g/mini-recria/col

A produção média por cúpula aceita foi de 0,252 ± 0,095g/colm/cup sendo compatível com os dados obtidos por Baumgratz (1992) que foi de 0,293 ± 0,059g/mini-recria/cup, com Mitev (1967) e com Garcia et al. (2000). Santos e Message (1984) encontraram valores superiores e Queiroz et al (2001) encontraram valores ligeiramente inferiores (0,1755 e 0,18369g/mini-recria/cup) ao avaliarem a produção de GR na região semi-árida de Pernambuco.

Tabela 2 - Produção de mel entre 7 de
fevereiro e 22 de março de 2005 (43 dias) em
colméias que também produziram geléia real.

A produção média de mel foi de 12,35kg durante os 43 dias que durou este experimento e pode-se deduzir que ela não impediu a produção simultânea de geléia real, porém os dados contidos na Tabela 2 não devem ser interpretados como padrão de produtividade. A quantidade de açúcar oferecido às abelhas foi de apenas 1,5kg por colméia durante todo o experimento, o que é muito pouco para interferir na quantidade do mel, mas estimula as abelhas a se deslocarem para a melgueira superior. Kerr (1969) comparou a produção de mel de Apis mellifera ligustica, Apis mellifera mellifera e africanas entre fevereiro e maio (durante 88 dias) de 1959 obtendo a média de 26,21kg, porém, avaliando a produção por dia, os resultados das três subespécies testadas por ele apresentaram uma produção (0,298 kg/dia) semelhante à média aqui encontrada.

A revisão realizada após a conclusão do experimento constatou a presença da rainha e não foram encontrados sinais de enxameação como realeiras abertas.

A técnica que está sendo proposta neste trabalho (uma simplificação das técnicas atuais) justifica-se pela sua praticidade, isto é, ela dispensa completamente o remanejamento de quadros na colméia produtora, conhecido como rodízio de favos de crias. A produção de GR, por tratamento e por colméia, foi equivalente à produção das mini-recrias, mas, como exige um tempo de 90h, contra as 72h convencionais, a sua eficiência, em termos de tempo de produção, é um pouco menor sem inviabilizar o método.

A quantidade de realeiras operculadas é muito pequena, pois, representou somente 3,5% das cúpulas aceitas, o longo tempo da colheita (90h) pode estar relacionado a este problema, entretanto, em mini-recrias, a colheita com 90h resulta em mais de 90% de operculação (baseado em observações pessoais). Provavelmente ocorreu um retardo no desenvolvimento das larvas o qual pode estar relacionado à temperatura (Harbo e Bolten, 1981), conseqüentemente a quantidade de geléia real depositada pelas nutrízes por cúpula depende basicamente da idade fisiológica das larvas e não é uma simples condição temporal ou cronológica. No centro do ninho a temperatura é de 35°C com pequena variação, mas na melgueira ela é bem menor, pois a necessidade de evaporação da água do néctar através da ventilação forçada abaixa a temperatura nesta região. Segundo Fukuda e Sakagami (1968), o tempo do desenvolvimento larval na periferia da colônia é maior que na área central devido às dificuldades em manter constante a temperatura e umidade nesses locais.

O deslocamento das nutrízes para as cúpulas na melgueira talvez ajude a diminuir a tendência a enxamear, pois descongestiona o ninho e satisfaz a necessidade das abelhas de nutrirem larvas de rainha. Se esta hipótese for correta, o apicultor terá uma maneira de controlar, ou, pelo menos, de diminuir a enxameação, mas, novos experimentos deverão ser realizados para se confirmar esta hipótese.

Conclusão

É possível produzir geléia real com base no instinto enxameatório, isto é, não é necessário criar um estímulo de orfandade. A técnica é simples e dispensa o rodízio periódico de favos com crias. Esta técnica facilita muito a produção, pois, além de diminuir o tempo de serviço do apicultor e poupar as abelhas de stresse provocado pelos constantes rodízios de favos, também elimina a necessidade de aquisição de colméias de dimensões específicas (menor custo) e ainda permite a produção simultânea de mel. Apresenta o inconveniente de ser uma prática sazonal, pois depende dos fatores que induzem à necessidade de enxamear.

Observação: (A) Não comparamos o aceite em termos de porcentagem para evitar equívocos, como por exemplo: Um aceite de 36% de 50 cúpulas é igual a um aceite de 60% de 30 cúpulas, pois ambos significam 18 cúpulas aceitas. Perceba que 60% é maior que 36%, entretanto, do ponto de vista da biologia do inseto estes resultados não diferem entre si. Os dados apresentados nesta observação são fictícios, mas servem para nos alertar sobre os cuidados que devemos tomar ao comparar valores em porcentagem entre diversos autores.
(B) Posteriormente este experimento foi repetido nos meses de escassez de alimentos e ausência de floradas e os resultados foram nulos.

Referências bibliográficas

Amaral, E.; Alves, S.B. Insetos Úteis. Piracicaba: Livroceres, 1979. 192 p.

Baumgratz, L.L. Utilização de abelhas africanizadas (Apis mellifera L. 1758) em diferentes técnicas de produção de geléia real. Piracicaba: ESALQ/USP, 1992. 70f. Dissertação de Mestrado.

Camarena, J.E.; Pecho, I.M.; Barral, J.D. Estudio comparado de rendimiento cuantitativo de producción de jalea real entre los métodos por horfanizacion y com presencia de reina. In Congresso Brasileiro de Apicultura, 7, Salvador, 1986.

Corbella, E. Aspectos adaptativos e ecológicos da aceitação de larvas transferidas nas abelhas Apis mellifera L. como subsídio para o melhoramento de rainhas e produção de geléia real. Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, Ribeirão Preto: 1985. 109 p. Tese de Doutorado.

Dadant, C.P. La Colmena y la Abeja Melifera. Montevideo: Editorial Hemisferio Sur, 1975.

Fukuda, H.; Sakagami, S.F. Worker brood survival in honeybees. Res. Pop. Ecol. v.10, p.31-9, 1968.

Garcia, R.C.; Souza, D.T.M.; Nogueira-Couto, R.H. Cúpulas comerciais para produção de geléia real e rainhas em colméias de abelhas Apis mellifera. Scientia Agricola, v.57, n.2, p.367-370, 2000.

Harbo, J.R.; Bolten, A.B. Development times of male and female eggs of the honeybee Apis mellifera. Annals of the Entomological Society of America, Lanham, v.75, n.5, p.504-6, 1981.

Johansson, T.S.K.; Johansson, M.P. Methods of rearing queens. Bee World, London, v.54, n.4, p.149-75, 1973.

Kerr, W.E. Genética e melhoramento de abelhas. In: __. Melhoramento e Genética. São Paulo: Melhoramentos, 1969.

Mitev, B. Comparative testing of methods for production of royal jelly. In: XXI Int. Congr. Apimondia, 1967.

Queiroz, M.L.; Barbosa, S.B.P.; Azevedo, M. Produção de geléia real e desenvolvimento da larva de abelhas Apis mellifera, na região semi-árida de Pernambuco. Revista Brasileira de Zootecnia, v.30, n.2, p.449-453, 2001.

Santos, J.J.; Message, D. Utilização de mini-recrias para a produção de geléia real. In: Congresso Brasileiro de Apicultura, 5, Viçosa, 1980. Anais. Viçosa: Universidade Federal de Viçosa, 1984. p.307-11.

Silva, R.M.B.; Silva, E.C.A.; Moreti, A.C.C.C.; Alves, M.L.T.M.F. Períodos de fluxo nectarífero na região de Pindamonhangaba, SP. II. Calendário apícola. Zootecnia, N. Odessa, v.33, n.4, p.137-42, 1995.

Toledo, V.A.A.; Mouro, G.F. Produção de geléia real com abelhas africanizadas selecionadas e cárnicas híbridas. Revista Brasileira de Zootecnia, v.34, n.6, p.2085-2092, 2005.

Visscher, P.K. Effect of location within the nest on acceptance of queen cells in honeybee colonies. J. Apic. Res., London, v.25, n.3, p.154-7, 1986.

Winston, M.L. The Biology of the Honey Bee. Harvard University Press, 1987.

AGRADECIMENTOS:

Agradecemos à Dra. Augusta Carolina Camargo Carmelo Moreti pelos valorosos conselhos.

Retorna à página anterior