Artigo

A TRAÇA DA CERA Galleria mellonella (Linnaeus, 1758) (Lepidoptera: Pyralidae) EM FAVOS DE Apis mellifera Linnaeus (1758) (Hymenoptera: Apidae) - NOÇÕES GERAIS

Deodoro Magno BRIGHENTI - Doutorando em Entomologia - UFLA e-mail: abelha@ufla.br
Carla Regina Guimarães BRIGHENTI - Professora da EPCAR/ Doutoranda em Estatística e Experimentação Agropecuária - UFLA
César Freire de CARVALHO - Professor Adjunto- DEN-UFLA

Resumo

Um assunto de grande interesse aos apicultores é a conservação dos favos utilizados após a última safra, sem que os mesmos sejam afetados pelas traças que os destroem, impossibilitando seu aproveitamento. Neste trabalho fez-se uma revisão sobre as principais características da G. mellonella, os prejuízos que ela pode causar em uma colméia e as formas de controle, comentando-se alguns métodos químicos, físicos e biológicos, e enfatizando-se o manejo adequado e o comportamento higiênico das abelhas.

1- Aspectos bioecológicos da Galleria mellonella

Os adultos da traça grande da cera Galleria mellonella (Linnaeus, 1758) têm uma longevidade aproximada de uma semana e as fêmeas possuem ovipositor prolongado que permite colocar seus ovos em frestas e aberturas nas colméias, impedindo a retirada destes pelas abelhas. Podem colocar de 200 a 1000 ovos, os quais são brancos e elípticos medindo 1,2 mm por 0,83 mm, com período embrionário de dois a quatro dias (Fig. 01).

Figura 01 - Fêmea com seu ovipositor
projetado e seqüência de ovos de
Galleria mellonella.

A fase larval com sete instares tem duração que pode variar de 34 a 48 dias (Fig.02). Dependendo da temperatura ou em caso de escassez de alimento, poderá ocorrer um período de repouso nessa fase, tendo sido constatadas variações de até seis meses (Guerra, 1973).

Figura 02 - Sete instares
das lagartas de Galleria mellonella,
envoltório de seda, crisálida e adulto.

O tamanho e cor dos adultos podem variar consideravelmente, dependendo da composição e abundância de alimento. Em média, machos têm 21 mm de envergadura e as fêmeas são maiores com aproximadamente 32 mm (Fig. 03), tendo um período de pré-oviposição de quatro a dez dias (Morse, 1978; Mangum, 2000). Os adultos da traça caminham rapidamente de um lado para outro, fazendo apenas vôos curtos e não se alimentam, pois suas peças bucais são atrofiadas,

Figura 03 - O macho de Galleria
mellonella à esquerda
e a fêmea à direita.

Os ovos, lagartas e pupas de G. mellonella encontram-se nos favos, e ao completar o ciclo os adultos começam a ovipositar nos quadros da colméia. Nesse local, as lagartas alimentam-se de pólen e cera, construindo galerias, estendendo sua seda no interior e na superfície, disseminando grande quantidade de fezes nos favos e inutilizando-os totalmente (Fig. 04) (Dadant & Hijos, 1975).

Figura 04 - Contorno das galerias
formadas por onde passou
a lagarta Galleria mellonella.

Esses insetos pertencem à família Pyralidae; têm vasta distribuição geográfica sendo encontrados em regiões onde temperaturas podem situar-se abaixo de 15 °C por períodos prolongados; contudo, os danos econômicos seriam desprezíveis.

A velocidade de crescimento é diretamente proporcional à temperatura e ao suprimento alimentar. Em condições ideais de temperatura e alimentação, o peso das lagartas pode dobrar diariamente nos primeiros dez dias. No final da fase de desenvolvimento a lagarta tece um casulo de seda muito resistente, transformando-se em pupa de coloração amarelo-avermelhado, medindo de 8 a 12 mm de comprimento por 2 a 4 mm de largura. (Charrière & Imdorf, 1999).

2 - Prejuízos causados por Galleria mellonella

A traça da cera encontra-se disseminada em condições naturais, podendo-se afirmar que não existem colméias ou enxames encontrados em condições de campo livres da presença dessa praga, ocorrendo invasão das colônias por mariposas que ovipositam em frestas das colméias. (Burges & Bailey, 1968).

As lagartas fazem galerias nos favos, alimentando-se de cera, pólen e mel, podendo destruí-los totalmente, impedindo sua reutilização. Essa espécie alimenta-se de favos presentes em enxames em condições naturais ou daqueles quando em armazenamento. Os favos perfurados e ligados entre si por um emaranhado de fios de seda impedem o trânsito das abelhas, impossibilitando a proteção da colméia e desenvolvimento das larvas, que morrem e apodrecem contaminando-a (Fig. 05). As abelhas que conseguem emergir apresentam pernas e asas defeituosas (Vandenberg & Shimanuki, 1990).

Brighenti e colaboradores (2004) relataram que perdas de cera podem atingir até 645,0 g por melgueira quando não se utiliza nenhuma técnica de armazenamento e manejo dos favos.

Figura 05 - Ampliação do favo
A: sem a presença de traça;
B: prejuízo parcial causado pela traça da cera;
C: perda total do favo.

Além da destruição dos favos, os adultos da traça podem ser responsáveis pela transmissão, através das fezes, de importantes patógenos para as larvas de abelhas podendo disseminar esporos das bactérias Paenibacillus larvae, (White, 1906) causadora da "cria pútrida americana" e Melissococcus pluton, (Bailey & Collins, 1982) "cria pútrida européia" (Anderson, 1990). Couto & Couto (1996), nos Estados Unidos, verificaram que os prejuízos causados pela cria pútrida americana podem chegar a cinco milhões de dólares e que o dano causado pela traça da cera é igual ou excede àqueles provocados por essa doença.

3 - Controle da Galleria mellonella

Para o armazenamento dos favos de cera durante a entressafra é necessária a utilização de técnicas de conservação dos favos para evitar o aparecimento da traça. Os prejuízos causados pela traça da cera têm incentivado pesquisadores a buscarem métodos alternativos de controle. Inicialmente, métodos químicos foram desenvolvidos utilizando-se os produtos paradiclorobenzeno, ácido cianídrico, brometo de metila, sulfureto de carbono, anidrido sulfuroso e fosfina. Embora esses compostos fossem utilizados para o controle desse piralídeo, seu emprego apresentava inúmeros problemas, podendo-se destacar as intoxicações às abelhas nas diversas fases do seu desenvolvimento e também a contaminação do mel, cera, própolis, pólen e geléia real (Bollhalder, 1999).

A prevenção da traça poderia ser feita a partir de métodos físicos, sem riscos para a saúde e sem deixar qualquer espécie de resíduo mas, a conservação dos favos em câmaras frias que apresenta ótimos resultados, é um processo de alto custo. Os favos são mantidos em câmara de refrigeração à temperatura abaixo de 15 °C durante a entressafra. Esse procedimento é suficiente para provocar a mortalidade de ovos e lagartas da traça sem afetar a cera dos favos. Outro método consiste em submeter os favos, tanto no processo de reciclagem como durante o armazenamento, a um tratamento de calor por via seca, utilizando estufa regulada a 49 °C durante 40 min. (Charrière & Imdorf, 1999).

Dessa forma, outras técnicas de controle desse inseto-praga, utilizando produtos de origem biológica, devem ser empregadas, como, por exemplo, a utilização de entomopatógenos (Verma, 1995). De modo geral, para o controle biológico, podem-se utilizar predadores, parasitóides e patógenos, os quais podem ser importantes reguladores populacionais de artrópodes-praga.

Dentre os produtos de origem microbiana comercializados no Brasil utilizando entomopatógenos, destaca-se o Dipelò, um produto à base de Bacillus thuringiensis var. kurstaki que poderia ser empregado no controle da traça da cera; contudo, ainda não foi registrado para proteção de favos contra essa praga (Dias, 2001). O B. thuringiensis, uma bactéria entomopatogênica, se destaca em meio às demais, por produzir toxinas letais para muitos insetos-praga e/ou de importância epidemiológica humana (Fig. 06). Devido a isso, tem merecido especial atenção por parte dos entomólogos (Vidaurre, 1996).

Figura 06 - Colônias do
entomopatógeno
Bacillus thuringiensis
var. kurstaki

O B.thuringiensis é uma bactéria "gran" positiva que, após a fase acelerada de crescimento, passa por um processo de esporulação devido à exaustão de nutrientes, produzindo um esporângio que contém um endosporo e inclusões cristalinas de proteínas que são responsáveis por sua ação entomopatogênica. Quando formas larvais de um inseto alimentam-se dessas proteínas, inicia-se uma série de reações que culminam com a morte das mesmas, caracterizando, assim, o efeito do controle biológico. Dessa forma, a proteína usada como bioinseticida tem participação importante nos modelos de sistemas de controle biológico, pois não possui nenhum grau de toxicidade para os seres humanos e o ecossistema em geral (Mendonça, 2002).

Diante disto, a maneira mais eficaz de proteger a colméia até surgir um novo produto e dosagens recomendas para traça da cera, é o manejo adequado. Se as colméias possuírem baixa densidade populacional, danos por essas lagartas poderão ocorrer. No caso de colméias não populosas, deve-se realizar um manejo que mantenha, em cada uma, número suficiente de favos, evitando que os favos sejam atacados (Fig. 07).

Figura 07 - Colônia com
alta densidade
populacional possuindo
duas melgueiras (esquerda,
foto durante o dia);
confirmação após a
retirada de uma
das melgueiras
(direita, foto a noite).

As abelhas através de seu comportamento higiênico são capazes de repelir as mariposas e, mesmo quando surgem algumas lagartas da traça, as operárias prontamente realizam a limpeza do favo, impedindo seu desenvolvimento (Fig. 08) (Brighenti, 2005).

Figura 08 - Seqüência evidenciando
o comportamento higiênico de operárias,
impedindo a presença da traça da cera
no interior da colônia.

Portanto, a melhor forma de evitar prejuízos com a traça da cera, ainda é manter enxames populosos através de revisões periódicas nas colméias, sendo que, o apicultor deve estar sempre atualizado visando o aumento de produção através de manejo adequado.

Referências bibliográficas

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