Artigo

Apicultura no Brasil: Um Gigante Adormecido Desperta. Parte III.

(Beekeeping in Brazil: A Slumbering Giant Awakens, Part III). Tradução do original publicado em "American Bee Journal (2005),145:46-49." Contribuição de Michelle M. Morais e Lionel Segui Gonçalves (FFCLRP-USP-Ribeirão Preto-SP)
Autor: MALCOLM T.SANFORD
Prof. Emeritus-University of Florida
http://apis.shorturl.com

Em um artigo anterior, eu disse que o Engenheiro Paulo Sommer tinha concluído não haver razão para o Brasil não atingir uma produção de mel de 200.000 toneladas no futuro próximo. O panorama da produção total é difícil de ser dado devido à vastidão do país. Muito mais seguro é o panorama da exportação. Dr. Lionel Gonçalves apresentou um trabalho no 15º Congresso Brasileiro de Apicultura em Natal, detalhando estas informações (tabela 1).

Tabela 1: Produção Brasileira e valores (milhares de dólares) de exportação anual de mel 2002-2003.

Ano

2002

2003

Aumento

Valor (US Dollares)

$23,141

$45,495

96,80%

Produção de mel (Tons)

12.640

19.273

52,40%





Agronegócio Total (milhares de Dollares)

$26,063,793

$32,427,269

24,40%



Se aceitarmos que somente 20% de mel produzido é exportado, então 40.000 toneladas exportadas poderiam ser extrapolada para um panorama desejado (20% de 200.000 toneladas).

Claramente, o Brasil está longe de chegar àqueles números do Eng. Sommer, mas se o Brasil continuar produzindo o dobro a cada ano, poderá atingir estes valores relativamente rápido.

A produção de mel no país não é a melhor maneira de monitorar o que realmente está acontecendo. Dr. Gonçalves mostra esses números distribuídos por regiões no país de acordo com os dados da Cristal Honey International (tabela 2).

Tabela 2: Exportação Brasileira de Mel (toneladas) por região 2001 a junho de 2003


2001

% Total

2002

% Total

2003

% Total

Total (Tons)

2.488,60

100

12.640,40

100

11.678,50

100

Nordeste

244,4

9,8

2.706,90

21,4

3.753,20

32,1

Sudeste

300,3

12

6.289,30

49,7

4.179,00

35,7

Sul

1.937,70

77,8

3.643,50

28,8

3.745,20

32

Outros

6,1

0,2

0,60

-

1,00

-



Se a produção e o marketing permaneceram nessa linha, a exportação poderá quase dobrar ao final de 2003. Note que o nordeste está crescendo fortemente nesta área. O nordeste representa menos de 10% da quantidade de mel exportado em 2001, porém em junho de 2003 este número cresceu para 32.1%. Os valores da produção de 2004 são ainda maiores, dado o fato de que dois dos maiores fornecedores mundiais de mel, China e Argentina continuam a ter sua produção de mel rejeitada (banida em alguns países) devido a contaminação. Dr. Gonçalves afirma que a contribuição dos estados de Piauí e Ceará representam uma explosão na atividade apícola no nordeste do Brasil. Outros estados do nordeste que apresentavam relativamente baixa produção antes da chegada das abelhas africanizadas, também tiveram aumento, incluindo-se Pernambuco, Maranhão, Bahia e Rio Grande do Norte. De acordo com as informações apresentadas na primeira conferência de exportação de mel do nordeste, em julho de 2003, em Salvador, Bahia, Dr. Gonçalves afirmou que o número de apicultores nos estados o Piauí, Ceará e Bahia também aumentou significativamente nos últimos 5 anos. Muitos programas do governo tem incentivado apicultores, incluindo Emparn, Incra, Embrapa (Projeto Prodetab), MMA e Sine.

Instituições financeiras tem também fornecido créditos, garantindo empréstimos, incluindo Banco do Brasil, Banco do Nordeste, e Pronaf (Programa Nacional de Agricultura Familiar). Dr. Gonçalves afirma que problemas específicos são causados pela falta de conhecimento geral em relação ao manejo e qualidade do mel de abelhas africanizadas por muitos apicultores.

Isto requer a criação de laboratórios para análises de mel e outros produtos apícolas, além do esforço científico e educação para ajudar os apicultores a entender a patologia de abelhas e pasto apícola na região conhecida como sertão,com seu único complexo de vegetação, a caatinga.

O papel do Sebrae:

O grande desafio do momento, segundo Dr. Gonçalves, é dedicar-se ao programa de apicultura nacional (Projeto Apis), lançado pelo Sebrae nacional. Sebrae é uma daquelas siglas onipresentes que significa "Serviço de apoio às Micro e Pequenas Empresas,(apoio a parcerias brasileiras, pequenos e médios negócios). O Sebrae parece corresponder à instituição americana " U.S.Small Business Administration" porém muito maior. Ele abrange não somente a agricultura, mas também muitas outras pequenas empresas, oferecendo vários serviços incluindo cursos e consultorias. Com sede em Brasília, e escritórios em 26 estados brasileiros, assim como no Distrito Federal. Criado em 1990 sob 2 legislações ( Leis 8.029 e 8.154), com a condição de promover competitividade e desenvolvimento sustentável das pequenas empresas brasileiras.

O "projeto Apis" do Sebrae consiste de um número de programas e cursos direcionados para promoção da apicultura e a capacitação de apicultores. Em uma apresentação realizada no congresso de Natal, Reginaldo Barroso de Resende, da diretoria do Sebrae de Brasília, apresentou uma sinopse do planejamento e detalhes desta iniciativa.

Estabelecido com um programa para desenvolver ambos atividades, uma apicultura integrada e sustentável, ele tem vários objetivos. O primeiro , o "Espaço apícola" do "projeto Apis" foi inaugurado no Congresso Brasileiro de Teresina em 1996. Chamado Apis Araripe, tinha as seguintes metas:

1-Aumentar em 20% o número de pessoas diretamente empregadas na apicultura até dezembro de 2004.

2-Aumentar 25% da produção anual de mel até 31 de dezembro de 2004.

3-Aumentar 35% do volume de mel processado até 31 de dezembro de 2004.

4-Aumentar 30% da quantidade de mel exportado até 31 de dezembro de 2004.

Com estes pontos como partida, as ações subsequentes e custos associados são antecipados através do Brasil de acordo Sr. Barroso. O custo total para o projeto completo foi estimado em R$ 1.635,000,00 (USD 1.00=3R$ ), incluindo 15 parcelas de R$ 26.000 cada, 15 espaços apícola de R$ 18.000 cada, 15 clínicas tecnológicas para capacitação de R$ 15.000 cada.

Muitos desses esforços ficaram evidentes no congresso de Natal. A maioria dos estados brasileiros tinham um "stand" do Sebrae separado no "espaço Apícola" dentro da área de exposição correspondendo ao "Projeto Apis", fornecendo literatura e distribuindo informação sobre todas as fases da apicultura.

Também muito evidente estava o Banco do Brasil, que também tinha um stand, e estava integrado dentro do projeto abelha em vários níveis como principal agente financiador. O foco dos esforços do Sebrae no estado do Rio Grande do Norte podia ser visto em todo lugar. A organização custeou a maior parte do Congresso. As áreas de exposição tinham 12 salas de clínicas tecnológicas com especialistas em várias áreas, tudo financiado e organizado pelo Sebrae para capacitar os apicultores em vários temas , incluindo produção e processamento de mel e própolis, manejo apícola, produção de rainhas, fornecimento de técnicas e identificação de doenças, meliponicultura etc. Estacionado fora do prédio da exposição havia um veículo branco branco adaptado, que era em essência uma sala de aula móvel do Sebrae. Um artigo publicado em um jornal de Natal dizia que o número de apicultores no estado do Rio Grande do Norte tinha aumentado 6 vezes ns últimos 2 anos. Mais de 1.100 toneladas de mel saíram do porto de Natal em 2003, a maior parte com destino à Alemanha. O artigo dizia: uma "explosão na apicultura" começou em 2000 e uma empresa , Mel Brasil Tropical, exportará aproximadamente 1.500 toneladas em 2004. É de se destacar que este é o resultado da atividade de apicultores de pequeno e médio porte apoiados e incentivados pelas atividades do Sebrae..Há um grande otimismo no estado do Rio Grande do Norte, o artigo conclui, pois nos próximos 5 anos este estado superará os estados do Ceará, Piauí e Bahia na produção de mel.

Depois do Congresso de Natal, fui hospedado por Valdemar Belchior Filho, um dos organizadores do evento, na cidade de Mossoró, onde ele dirige o escritório do Sebrae local. Esta é a maior cidade do interior do Rio Grande do Norte, um estado muito parecido com o Texas, completo com vacas, bomba de petróleo e os famosos cangaceiros ou foras-da-lei. Conhecida como a "terra da liberdade" brasileira, Mossoró, "capital da terra semi-árida", foi o primeiro lugar do país a libertar seus escravos e dar à mulher o direito ao voto. Todos os anos, em Junho, eles comemoram a batalha épica entre os bons moradores ou cidadãos e um bando de foras-da-lei (cangaceiros), liderados pelo famoso Lampião (capitão Virgulino). A gangue foi surpreendida por uma saraivada de balas na igreja São Vicente de Mossoró, em 1927, e forçada a retirar-se após muitas ocorrências.

Outras principais atividades são a exploração do sal e a produção do melão. Esta última atividade, novamente, está baseada no apoio do Sebrae, que também está atualmente voltando-se para a capacitação dos apicultores para se tornarem especializados como empresas de polinizadores comerciais de melão, importante produto de exportação.

Fiquei feliz por visitar 2 áreas separadas onde a apicultura está viva e bem, desenvolvida, principalmente devido aos esforços do Sebrae. A primeira área foi Serra do Mel, exatamente ao leste de Mossoró. Aqui grandes plantações de caju são plantadas na caatinga. A área recebeu este nome antes da chegada das abelhas africanizadas, devido ao enorme número de abelhas sem ferrão, nativas que ainda são encontradas lá. Visitamos um Meliponário, onde coletamos mel das abelhas nativas. Mais tarde, fomos em muitos apiários e casas de mel em construção nesta área, apoiadas pelo Sebrae e financiada pelos empréstimos do Banco do Brasil.

A vegetação nativa nesta parte do Rio Grande do Norte é muito parecida com as grandes matas de plantas ruderais da Península de Yucatan no México.

Estima-se que ela cobre mais de 900.000 quilômetros quadrados e perfeitamente adaptados para as abelhas africanas Apis mellifera scutellata, que antecedeu o híbrido que é a abelha africanizada agora encontradas em todos os lugares da região. Não é difícil de se ver ou de se estimar a potencialidade da região quanto a produção de grandes quantidades de mel orgânico produzidos por populações selvagens de abelhas africanizadas resistentes à Varroa e a doenças. Também visitei a cidade de Apodi, ás margens de um rio com o mesmo nome, que localiza-se a sul e oeste de Mossoró. Meu guia, um técnico do Sebrae, Sr. Armando Ferreira, revelou-se por sua grande habilidade na capacitação apícola de pessoal da região.

Casa do Mel em construção
na Serra do Mel-RN


Em um local onde visitamos uma casa de mel bem equipada, Armando demonstrou a dois jovens rapazes como melhorar a técnica de produção de cera usando um simples equipamento manual. Em outro ponto, nos arredores de Mossoró, ele orientou 2 trabalhadores que estavam fabricando material apícola quanto a importância das medidas corretas do material apícola..Havia muito pouco espaço entre a parte superior dos quadros de uma melgueira e a parte inferior dos quadros de uma outra melgueira. Ele informou que Isso favorecia o desenvolvimento de larvas de "mariposa da cera" uma vez que elas podiam se esconder nestes espaços e ficarem protegidas da remoção por parte das abelhas adultas.

Não há dúvidas de que os consideráveis esforços do Sebrae têm sido extremamente bem sucedidos no estado do Rio Grande do Norte, onde a atividade apícola está realmente começando. Hoje, os 3.000 apicultores manejam 50.000 ninhos. A maioria são de pequena escala com 10-20 colônias. A média da produção de mel é de 50 quilogramas por colônia. Há 25 associações de apicultores, 32 casas de mel, e facilidades para a exportação de mel, servindo a comunidade de apicultores do estado. O Sebrae tem oferecido vários seminários e capacitou 2.000 novos apicultores nos últimos 1 ano e meio.

Sebrae, em colaboração com a Associação de Promoção a exportação Brasileira (APEX), tem também publicado informações que procuram ajudar apicultores a vender sua produção de mel.. Isto funciona como o "National Honey Board "na distribuição do produto.

1-Paulo Menezes em frente
de seu meliponário
em Mossoró-RN


Um instrutivo manual contém informações como exportar mel do Rio Grande do Norte, incluindo aquele produzido pelo Mel Brasil Tropical, Flora do Nordeste, Associação de Apicultores da Serra do Mel, Apiário Brasil Flora, Mel do Sertão, Mel do Cabugi e Mel Brasileiro. Isto conclui: "Rio Grande do Norte objetiva alcançar os mercados internacionais, oferecendo mel orgânico, puro, de bom gosto e produzido com alta tecnologia".

Meliponicultura:

No mesmo pacote de informações mencionadas acima publicadas pelo Sebrae, outro tipo de mel é oferecido. Este é o doce mel do meliponário Santa Felicidade, chamado mel de Jandaíra. Traz o foco de um outro tipo de apicultura no Brasil, que usa abelhas nativas sem ferrão das famílias Trigona e Melipona. Sebrae dará suporte para este tipo de atividade em um futuro muito próximo.

A cultura de abelhas sem ferrão nativas no Brasil se tornou o foco de trabalho do Dr. Warwick Kerr nos últimos anos. Outro pioneiro na área é o Dr. Paulo Nogueira Neto, que tem extensivamente pesquisado a fabricação de caixas apropriadas para ninhos.

O mel destes insetos é completamente diferente daquele produzido pelas abelhas Apis. Tem uma reputação local de apresentar benefícios para a saúde, e devido ao fato das abelhas produzirem muito pouco, é muito mais caro.

Esta atividade tem gerado bastante interesse uma vez que o Congresso de Natal também foi co-chamado como o primeiro dedicado a meliponicultura. Ambos Drs: Kerr e Nogueira Neto apresentaram informações desta atividade, o primeiro relacionado aos índios da Amazônia que cultivam as abelhas nativas , e o último com respeito a regulação da atividade para conservação dos recursos naturais. Um meliponicultor local, P.R. de Menezes, forneceu uma descrição da atividade no estado do Rio Grande do Norte. Em um censo recente, foram contados 86 meliponicultores que manipulam 4.446 colônias. A grande maioria (86%) eram produtores de abelhas chamadas Jandaíra (Melipona subnitida), mas uma pequena quantidade de outras espécies também são utilizadas, incluindo Scaptotrigona sp. e Melipona scutellaris (uruçu). Jandaíra é a verdadeira abelha nativa do sertão. No entanto, pouco sabe-se sobre sua biologia e a prática predatória desses ninhos pode causar um declínio precipitado deste recurso.

Muitos estudos estão em andamento para assegurar-se de que a cultura destas abelhas pode ser uma atividade sustentável. Um importante é encontrado no World Wide Web. Seus objetivos são:

a)Educar a juventude local: Explicando a importância das abelhas para o ambiente e para as pessoas. Veja o livrete para crianças sobre a Jandaira.

b)Plantas catingueiras, imburanas, jacarés, faveleiras, umbuzeiros, juazeiros e baraúnas - estudando o melhor método de reflorestamento.

c)Em cada propriedade, preservar áreas naturais que possuem um certo número destas árvores. Existem bancos genéticos para biodiversidade.

d)Enfatizar a criação de Estações Ecológicas e outras unidades de conservação para a "caatinga".

e)Enfatizar mais projetos para desenvolvimento sustentável, que preservem o ambiente como principal objetivo.

De acordo com o site, "Este estudo é parte do projeto 'Cultura das abelhas nativas da Caatinga como atividade do desenvolvimento sustentável' feito pelo ADEMASP - Associação de Defesa Ambiental de São Paulo, Departamento de Ecologia da Universidade de São Paulo, e Universidade Federal da Paraíba. Isto é financiado pelo PPP, (Programa para pequenos projetos) da GEF - Facilidades do Ambiente Global".

Concluindo, os criadores de ambas abelhas melíferas e abelhas sem ferrão no Brasil parecem ter um futuro brilhante. Isto é especialmente verdade dado que assistência governamental para muitos níveis está disponível. De significância especial estão os esforços da agência governamental conhecida como Sebrae a qual, através de seu "projeto Apis" procura desenvolver e assegurar que ambas atividades sejam integradas na economia e sustentadas por todo o Brasil.

Referências

1.Gonçalves, L.S. "Expansion of Brazilian Apiculture and its relationship to Internatinal Beekeeping," Proceedings of the 15th Brazilian Apicultural Congress.

2.Crystal Honey International Web Site, accessed August 25, 2004 http://www.cristalhoney.com.br

3.Serviço Brasileiro de apoio às Micro e Pequenas Empresas Web Site, accessed August 25, 2004 http://www.sebrae.com.br/br/osebrae/osebrae.asp .

4.Rio Grande do Norte SEBRAE Web Page, accessed August 25, 2004 http://www.rn.sebrae.com.br/ .

5.Diário e Natal, Sunday 23 May 2004, p.5.

6.All About Brazil Web Page, accessed August 25, 2004 http://www.brazil.com/lampiao.htm .

7.Brazil Promotion Export Association Home Page, accessed August 25, 2004 http://www.apexbrasil.com.br/madeinbrazil/eng/mel/index.htm.

8.Mel Brasil Tropical Home Page, accessed August 25, 2004 http://www.melbrasiltropical.com.br> .

9.The culture of the jandaira bee (melipona subnitida) Web Site, accessed August 25, 2004 < http://www.ib.usp.br/jandaira/ingles/adema.htm>

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