Artigo

Apicultura no Brasil:
Um Gigante Adormecido Desperta. Parte I

(Beekeeping in Brazil: A Slumbering Giant Awakens, Part I) Tradução do original publicado em "American Bee Journal (2004), 144:696-698."Contribuição de Tiago M. Francoy e Lionel S.Gonçalves (FFCLRP-USP-Ribeirão Preto-SP).
Autor : MALCOLM T. SANFORD Prof.Emeritus-University of Florida http://apis.shorturl.com


Minha primeira viagem ao Brasil foi no despertar de um período sabático em Bolonha, Itália1. O Congresso Mundial de Apicultura da Apimondia naquele ano (1989) foi realizado no Rio de Janeiro. Era um período de grandes transformações no quinto maior país do mundo em extensão territorial. O governo se encontrava nos estágios finais de transição de uma ditadura militar para uma democracia civil. A inflação encontrava-se em níveis altíssimos e aqueles que participavam do congresso viam seus bilhetes de transporte de ônibus para o evento, que ia do centro do Rio de Janeiro para o Centro de Convenções Rio Centro , nos arredores da cidade, evaporar-se como o Cruzado Novo, moeda vigente na época que se tornava cada vez mais desvalorizada.. Entretanto, o Congresso foi um grande sucesso, e ofereceu ainda um grande número de oportunidades para os apicultores brasileiros. O evento contou com a presença de dois proeminentes geneticistas,o Prof. Dr. Warwick Estevam Kerr do Brasil e o Prof. Dr. Walter Rothenbuhler da Universidade do Estado de Ohio-USA, que eram os convidados de honra do congresso, e foi também o primeiro sinal para o mundo que o país começava a entrar nos eixos após os distúrbios causados pela introdução das abelhas Africanas.

Eu visitei o Brasil novamente em 1996, após o 6º Congresso Ibero-Latinoamericano de Apicultura que aconteceu em Mercedez, Uruguai. O 7º acontecerá de 23 - 26 de setembro de 2004 em Assunção, Paraguai. Na ocasião eu participei do 2º Encontro sobre Abelhas, uma reunião científica que se realiza no campus da Universidade de São Paulo, em Ribeirão Preto. Durante alguns dias, a nata dos pesquisadores brasileiros e cientistas de outras partes do mundo apresentaram os resultados de suas pesquisas para a comunidade de cientistas e demais interessados presentes no evento.

Meu próximo convite foi para o coração do nordeste do Brasil, Teresina, capital do estado do Piauí, para participar do 11º Congresso Brasileiro de Apicultura. Mais de 2000 apicultores participaram do evento, um dos maiores congressos sobre abelhas que eu já participei. A energia era notável. E era nessa parte do país que uma nova oportunidade de apicultura surgia, baseada na adaptabilidade da abelha Africanizada a esta vasta região do interior chamada de sertão. A complexa vegetação do sertão conhecida como caatinga, é muito parecida com a encontrada nas savanas Africanas, onde as abelhas Africanas são bem sucedidas. Era óbvio que os brasileiros estavam mais que otimistas sobre o futuro da apicultura no país.

No ano de 2000, eu viajei para Florianópolis, no estado de Santa Catarina. Foi nesta cidade que um grupo de cientistas e apicultores do Brasil decidiram realizar um Congresso em 1970, o 1º Congresso Brasileiro de Apicultura. O tema principal deste evento foi a elevada capacidade de defesa das abelhas Africanizadas e como ela poderia ser controlada. Muito coisa mudou obviamente após aquele primeiro congresso. O comportamento defensivo das abelhas não é mais tão preocupante. Outros temas tem sido mais enfatizados.

Como tem ocorrido na maioria dos congressos no Brasil, o evento de 2000 em Florianópolis foi marcado por diversas surpresas. Quando eu perguntei sobre os Anais, um CD-ROM me foi dado. Isto porque se tornou muito caro imprimir as volumosas edições em papel que resumem todos os posters e apresentações orais feitas durante o congresso.

De agora em diante os Anais em formato digital será a única forma disponível. Ao mesmo tempo eu fui também informado que um outro tipo de atividade com abelhas (meliponicultura) estava rapidamente ganhando terreno no Brasil, sendo caracterizada pelo uso de abelhas nativas sem ferrão, um grupo de insetos da ordem dos Hymenoptera (que compre-ende formigas, vespas e abelhas) a família melipo-nidae. Assim, não foi surpresa alguma para mim quando da minha última presença num congresso de apicultura tivesse sido realizado conjuntamente com o primeiro Congresso de Meliponicultura.

Abfiteatro mostrando o público presente
ao 15º Congresso Brasileiro de Apicultura
realizado em maio/2004 em Natal-RN



O tema do 15º Con-gresso Brasileiro de Api-cultura, em conjunto com o 1º Congresso Brasileiro de Meliponicultura e que incluiu a 1ª Feira Internacional do Mel, realizados de 18 a 21 de maio de 2004 em Natal, capital do estado do Rio Grande do Norte, foi o melhoramento da qualidade dos produtos apícolas como um todo além dos equi-pamentos apícolas. De uma maneira realista, isso representa uma virada na apicultura brasileira em direção a uma "era de profissionalismo" na apicultura. Isso significa para o mundo apícola que o Brasil está a ponto de se tornar uma grande força no mercado internacional de mel. Muitas coisas ocorreram juntamente para causar isto. A primeira é a fenomenal produtividade das abelhas Africanizadas, que é tolerante ( resistente ) ao ácaro Varroa destructor, o que as tornam livres de tratamentos químicos. Em segundo lugar, houve uma explosão de estudos científicos e conhecimentos sobre como manejar estas abelhas e , para finalizar, o governo brasileiro visualizou as possibilidades de desenvolvimento da apicultura e direcionou recursos substanciais em direção a este objetivo. Esta série de artigos vai mostrar mais de perto o que aconteceu neste meio, proporcionando aos leitores um entendimento básico sobre a história da apicultura brasileira e seu provável futuro.

História da Apicultura Brasileira

No Congresso de Natal, Dr. Lionel Segui Gonçalves apresentou a história da expansão da apicultura no Brasil e suas perspectivas globais. Isso remonta a década de 1830, quando as primeiras abelhas melíferas foram importadas da Europa (Apis mellifera mellifera) por imigrantes do Velho Mundo. Esta foi a mesma abelha introduzida nos Estado Unidos, freqüentemente chamadas de abelhas alemãs ou abelhas pretas. Como na maioria dos outros lugares do Novo Mundo, esta introdução foi seguida das abelhas carniolas (Apis mellifera carnica) e logo das abelhas italianas (Apis mellifera ligustica). Naquele tempo a apicultura era uma atividade sedentária e de pouca importância, sendo principalmente uma atividade religiosa (a cera das abelhas é usada na produção de velas) e/ou um hobby. A produção de mel era menor que 4000 toneladas por ano.

Em 1956, o Dr. Warwick Kerr introduziu as abelhas Africanas no Brasil. Originalmente identificadas como Apis mellifera adansonii elas foram reclassificadas como Apis mellifera scutellata. De qualquer modo , elas apre-sentam características diferentes das abelhas Européias, especialmente no tocante ao comportamento defensivo. A historia é bem conhecida sobre o escape das abelhas para a natureza, onde elas se tornaram bem estabelecidas como um polihibrido selvagem, de características e comportamento tipicamente Africanos.

Dr.Lionel Segui Gonçalves, conferencista
no 15º Congresso Brasileiro de Apicultura
Dr. Gonçalves é do departamento de biologia
da FFCLRP Universidade de São Paulo
- Ribeirão Preto-SP



De acordo com o Dr. Gonçalves, as décadas de 1960 e 1970 corresponderam a um período de caos para a apicultura brasileira. Muitos apicultores abandonaram suas atividades frente às dificuldades de manejo destes insetos. Muito pouco era sabido sobre sua biologia. Em adição, as abelhas se tornaram conhecidas e ainda são consideradas como "abelhas assassinas" pela grande maioria das pessoas, ajudadas pelo sensacionalismo da mídia. Também conhecidas como "abelhas brasileiras" ou " abelhas assassinas"os brasileiros conseguiram, após árduo trabalho, substituir essa nomenclatura por uma mais neutra, abelhas Africanizadas.

O ano de 1970 foi um ano diferencial, com a realização do 1º Congresso Brasileiro de Apicultura em Florianópolis. Desde então, lentamente, mas com firmeza, ao longo dos anos a apicultura brasileira vem despontando, como uma fênix renascendo das cinzas, segundo o Dr. Gonçalves. Assim, nos 20 anos seguintes ocorreu uma explosão de atividades cientificas e apícolas em direção ao entendimento das abelhas Africanizadas que se estabeleceram e passaram a ocupar todo o território brasileiro.

O campus da Uni-versidade de São Paulo em Ribeirão Preto, onde trabalha o Dr. Gonçalves, se tornou um centro de referência de estudos científicos sobre abelhas. Mais de 200 teses de mestrado e doutorado já foram ali concluídas. A Universidade contratou um antigo inspetor apícola de Nova York, o cientista norte-americano, Dr. David De Jong, que foi orientado pelo Dr. Roger Morse. Existem hoje 11 professores trabalhando com abelhas neste campus, provavelmente a maior concentração de especialistas no mundo. Curiosamente nenhum deles se considera especialista em apicultura propriamente dita pois, utilizam as abelhas como material biológico de pesquisa. Assim, numerosos artigos científicos continuam a ser produzidos no Campus de Ribeirão Preto bem como reuniões científicas (En-contros). O VI Encontro sobre Abelhas será realizado no Hotel JP2, de 6 a 10 de setembro de 2004 3. Espera-se que este seja um encontro extraordinário, tendo a língua inglesa como língua oficial. É esperado um significativo número de pesquisadores especialistas de todo o mundo, muito dos quais dos Estados Unidos. Este evento será realizado em conjunto com o " 8th Internationa Bee Research Association (IBRA) International Conference on Tropical Bees." O Dr. Gonçalves comentou, em sua apresentação, que já existem vários pesquisadores e técnicos treinados em Ribeirão Preto e atualmente contratados na Argentina, Uruguay, Chile, Colômbia, Venezuela, Costa Rica, México, Alemãnha, França e Áustria.

Vários estudantes provenientes de outras universidades brasileiras e que estudaram também por Ribeirão Preto, geralmente orientados por pesquisadores deste campus, também afloram por todo o país, como pode ser visto em qualquer congresso. No congresso de Natal foram apresentados mais de 100 posters de diversos assuntos, a maioria por estudantes de várias instituições. Além disso, 55 conferencistas, incluindo cientistas dos Estados Unidos como a Drª Marla Spivak e da Suíça como o Dr. Stefan Bogdanov, os quais fizeram conferências sobre os mais variados temas, de polinização a produção (coleta) de pólen. Um compêndio com resumos de um considerável número de publicações sobre abelhas, produzidas entre os anos de 1960 e 1991 foi publicado em homenagem ao Dr. Kerr em 1992. Entitulado "Pesquisas com Abelhas no Brasil", o livro tem mais de 600 paginas em português com resumos em inglês e caracterizado na introdução como, "...um recurso para apicultores, professores, estudantes e pesquisadores no Brasil e no resto do mundo." Outras fontes de publicações também existem. Um CD Rom, produzido pelo Departamento de Patologia de Plantas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, coordenados pelo Prof. Aroni Sattler, contém os Anais de todos os congressos de apicultura e seminários realizados no Brasil desde 1980.5

Durante as últimas duas décadas, diz Dr. Gonçalves, houve também um grande crescimento em produtos e equipamentos apícolas no país. Assim, o Brasil não só se tornou auto-suficiente, mas também um exportador de extratores de aço inoxidável, desoper-culadores, moldes para cera alveolada e outros itens. Além disso, houve uma proliferação de parafernálias, de grandes fumegadores a roupas es-paciais para apicultores. Produtos apícolas desde méis especiais, própolis e pólen para cosméticos e produtos medicinais continuam a ser desenvolvidos. A Expoapis (área de exposição) em Natal foi caracterizada por mais de 100 stands de expositores, apresentando todo tipo de produto imaginável. Finalmente, houve um grande aumento no número e atividades das associações apícolas brasileiras. Por exemplo, a Associação Paulista de Apicultores Criadores de Abelhas Melíferas Européias (APACAME) está celebrando o seu 25o. aniversário. Ela publica 5000 cópias impressas de uma revista chamada Mensagem Doce, que tem como lema: "Nós não somos ricos, nós somos organizados."6 No Congresso de Natal evidenciava-se no plenário uma saudável, mas intensa competição entre as várias associações, freqüentemente uniformizadas com coloridas camisetas características de cada associação, sendo cada associação coordenadas nas suas atividades apícolas como também nas danças e musicas que eram excutadas pelos seus integrantes, dando um colorido especial ao evento. Mais uma vez, a maior parte destas atividades apícolas recentes são ba-seadas nas abelhas Africanizadas, de acordo com o Dr. Gonçalves. Os brasileiros passaram a preferir esta abelha devido a sua ca-pacidade de se adaptar aos diversos ecossistemas encontrados no país e sua inerente tolerância aos pa-rasitas e doenças. Isso continua a confundir muitas pessoas em diversos lugares e, ao mesmo tempo, agrada aos brasileiros o fato de que o ácaro Varroa (Varroa destructor),embora universalmente presente, não resulte em morte de colônias no Brasil. Como resultado, não existe a necessidade de se tratar quimicamente as colméias

É notável que somente no final da década de 1970 é que a apicultura penetrou no nordeste do Brasil. Como eu escrevi em minha reportagem sobre o 11º Congresso em Teresina: "O nordeste do Brasil, como a floresta amazônica, é uma das últimas fronteiras deste enorme país. Durante a Segunda Guerra Mundial, era um importante ponto de parada de muitos vôos, em uma tentativa de encontrar a rota mais curta sobre a água para suprir as tropas no Norte da África e outros lugares. Assim, Natal, Recife e outras cidades costeiras do nordeste do Brasil se tornaram bem conhecidas nos tempos antigos da aviação e con-tinuam a ser destino de turistas atualmente. Esta é a região mais pobre do Brasil, devido principalmente às condições ambientais de seu interior, uma vasta região chamada o sertão. Por causa da extrema aridez e inacessibilidade geral, foi considerada agriculturalmente inútil por muitos anos. Aqueles que possuíam terras no sertão, abandonavam ou vendiam suas áreas sempre que possível. Entretanto, a região está sendo submetida a um renascimento de oportunidades, e há um aumento de atividades econômicas de todos os tipos, incluindo a apicultura. Quando a chuva chega no sertão, ela inunda esta parte do Brasil com grandes quantidades de água por meses. Uma vez que as inundações param, a terra se torna ressecada novamente. A maioria das plantas e animais que habitam a área se desenvolvem durante o período úmido e fisiologicamente sobrevivem até as próximas chuvas, freqüentemente mais de meio ano depois. A abelhas do sertão não são exceção a este padrão. Com o aparecimento das primeiras gotas de chuva, estes insetos parecem surgir do nada e tiram vantagem da abundancia de pólen e néctar produzidos por uma ampla variedade de plantas na associação vegetativa predominante chamada de caatinga.

"O sertão é um local perfeito para as abelhas Africanizadas. São bem adaptadas a produzir os enxames migratórios e reprodutivos requeridos por este inóspito ambiente. A região também é perfeita para um grande número de abelhas sem ferrão que produzem quantidades menores de um mel qualitativamente diferente do mel das abelhas Apis. Embora não tão eficientes em coletar e processar o néctar, as nativas abelhas sem ferrão são importantes para a ecologia da região e expansão da sua economia."

"Os irmãos Arlindo e Arnaldo Wenzel, vindos do estado de São Paulo e Américo Bende do estado do Piauí se juntaram para trazer as primeiras colméias modelo Langstroth para o sertão em dezembro de 1977, quando introduziram 300 colônias de abelhas do gênero Apis. Os resultados foram nada menos que espetaculares. Em três meses, eles produziram a mesma quantidade de mel produzida durante um ano inteiro no estado de São Paulo. Desde então, os Wenzel produzem mais de 200 toneladas de mel por ano com 5000 colônias, atingindo sua mais alta marca em 1988 com 375 tons."

A apicultura continua a se espalhar pelo nordeste, especialmente nos estados do Ceará e Rio Grande do Norte, que tem maiores densidades populacionais e são mais próximos a portos do que a maior parte do Piauí. Isto aponta para um grande crescimento na região, especialmente no mercado exportador. A conclusão de quase todos que olham para a industria apícola nesta parte do mundo só pode ser concluída com uma frase: Atenção mundo, aí vem o Brasil.

Referências:

1 - M. T. Sanford, Apis mewsletter, IFAS University of Florida, Julho e Agosto 1989 http://apis.ifas.ufl.edu/apis89/apjul89.http://apis.ifas.ufl.edu/apis89/apaug89.htm, acessado em 19 Julho de 2004.
2 - Home Page Hotel JP. www.hoteljp.com.br Acessado em 19 de Julho de 2004.
3 - Home Page VI Encontro Sobre Abelhas. www.rge.fmrp.usp.br/abelhudo Acessado em 19 de Julho de 2004.
4 - Home Page International Bee Research Association. www.ibra.org.uk Acessado em 19 de Julho de 2004.
5 - Para mais informações, mande um e-mail para aronisattler@yahoo.com.br
6 - Home Page www.apacame.org.br Acessado em 19 de Julho de 2004.

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