Artigo

Análise polínica de mel: avaliação de dados e seu significado.

Ortrud Monika Barth
Laboratório de Palynologia, Departamento de Botânica, Instituto de Biologia, Universidade Federal do Rio de Janeiro e Laboratório de Ultra-estrutura Viral, Departamento de Virologia, Instituto Oswaldo Cruz, Fundação Oswaldo Cruz, Avenida Brasil 4365, 21040-900 Rio de Janeiro. E-mail: barth@ioc.fiocruz.br


Resumo:

É proposto no presente trabalho um modelo de avaliação de mel através dos espectros polínicos de suas amostras. Baseia-se na interpretação das contagens de grãos de pólen contidos no mel. Em primeiro lugar deverão ser agrupados quantitativamente os grãos de pólen das espécies nectaríferas por subtração do pólen das plantas anemófilas e poliníferas. Sobre este total de pólen nectarífero são calculados os respectivos percentuais de cada táxon nectarífero. Em seguida são levadas em consideração as características de sub- e super-representação destas plantas nectaríferas. A demais, caso houver alta incidência de uma espécie polinífera (acima de 98% do total de grãos de pólen contados) a produção de néctar destas plantas deverá ser considerada como mel monofloral.

Palavras chave: mel, pólen, espécies nectaríferas, espécies anemófilas, espécies poliníferas

Há milênios (Crane 2004), o mel tem sido alimento saudável para o homem. Durante muito tempo foi utilizado como importante fonte de açúcar. Suas características são variáveis e dependem de muitos fatores, tanto físicos, quanto químicos, em decorrência dos tipos de vegetação da região de sua procedência.

As levas dos primeiros imigrantes ao Brasil, no século dezenove, principalmente alemães, trouxeram consigo as abelhas, vulgarmente chamadas de "européias" (Apis) e a cultura de manipular e de tratá-las. Entretanto, o pasto para as abelhas aqui era diferente do da Europa. Ambos, o homem e as abelhas tiveram de adaptar-se às novas condições de vida. Fizeram-no muito bem, de modo que estamos vivendo uma crescente atividade apícola em todo país atualmente.

Com o aumento da produção de derivados apícolas, cresceu também o interesse pela sua qualidade. Esta é referente tanto ao mel, quanto aos demais produtos apícolas, como própolis, geopropolis, geléia real, pólen, cera e apitoxina. A seguir, serão apresentadas considerações sobre a avaliação de mel, baseado em análises polínicas.

A qualidade do mel depende de um lado de sua composição química, principalmente quanto aos diferentes tipos de açúcares, sais minerais, proteínas e água. De outro lado, fazem parte do mel os grãos de pólen provenientes, na sua maior parte, das plantas fornecedoras de néctar, as chamadas plantas nectaríferas. Uma certa percentagem do pólen no mel pode ainda ser proveniente de plantas anemófilas, isto é, cujas flores não produzem néctar, somente pólen, disperso pelo vento, mas que pode ser de interesse para as abelhas como fonte de proteínas. Há ainda uma terceira categoria de plantas, as chamadas plantas poliníferas que, além de pouco néctar, fornecem bastante pólen.

É evidente que as plantas nectaríferas são de maior importância na produção de mel. Compreendem um grande número de espécies variando de região para região (Barth1989, 2004). No Sudeste brasileiro salientam-se para a produção de mel as flores das plantas cítricas (Citrus sp.), tais como laranjeiras, bem como as de eucalipto, de numerosas espécies de asteráceas, entre as quais o assa-peixe, de abacateiros, brassicáceas (couves, mostarda), amor-agarradinho (Polygonaceae) e muitas outras (Barros 1962, Barth 1989, Cortopassi-Laurino & Ramalho 1988, Moreti et al. 2002).

Características físico-químicas constantes tais como consistência, cor, odor, sabor e aromas, ocorrem somente em méis chamados monoflorais ou uniflorais, isto é, aqueles procedentes do néctar de uma só espécie vegetal, por exemplo, mel de laranjeiras, mel de eucalipto, etc. Estes méis são cada vez mais procurados pelo consumidor. De outro lado estão os méis multiflorais ou pluriflorais ou heteroflorais, também chamados de silvestres, cuja composição e cujas características variam de acordo com as floradas, não sendo constantes as suas características; são menos apreciados pelos consumidores.

Além de análises químicas, é necessário realizar a análise polínica dos méis monoflorais, a fim de poder definir e garantir a sua origem botânica e as suas propriedades. Esta análise constitui-se em reconhecer os tipos polínicos encontrados nas amostras de mel e a partir deles chegar às espécies vegetais que os produziram, bem como à vegetação de interesse apícola ao redor de um apiário.

Diversos laboratórios no país realizam hoje em dia análises polínicas de mel. Uma revisão da literatura foi realizada recentemente por Barth (2004).

De um modo geral, os métodos de preparo das amostras, usando ou não o método da acetólise para eliminar o conteúdo dos grãos de pólen e assim torna-los mais transparentes, seguem um mesmo padrão, sendo comparáveis entre si em cada categoria.

Entretanto, a avaliação dos dados obtidos, ainda necessita de aprimoramento. Não basta realizar uma simples repartição dos tipos de grãos de pólen encontrados nas amostras de mel em classes de freqüência (Zander 1924, Barth 1989). É necessário avaliar e ponderar estas categorias e relacioná-las às propriedades e características das plantas que os produziram.

Em parte, até empírico, é o nosso conhecimento sobre plantas que produzem mais ou menos néctar, mais ou menos pólen, bem como plantas que são de maior ou menor interesse para as abelhas. Este interesse pode variar de região para região. Por exemplo, Dombeya wallichii (astrapéia), é de bom interesse para as abelhas no Estado do Rio de Janeiro (região Sudeste), entretanto é de desinteresse no Estado de Santa Catarina (região Sul) devido ao elevado teor de água em seu néctar nesta região.

A fim de conseguir realizar uma avaliação objetiva quanto à procedência/origem botânica de amostras de mel, propõe-se uma seqüência de considerações sobre os dados obtidos pela simples contagem dos grãos de pólen em amostras de mel, apresentada a seguir.

Em primeiro lugar é necessário considerar a produção nectarífera das espécies/taxa vegetais. As que produzem muito néctar e pouco pólen, as nectaríferas, são sub-representadas nos espectros polínicos. Entre as mais freqüentes na região Sul-Sudeste estão as Rutaceae produtoras de frutas cítricas (Citrus sp.), Lamiaceae (Salvia sp., Hyptis sp. e espécies cultivadas para temperos culinários), Sterculiaceae (Dombeya sp.). Em outras regiões do Brasil este quadro se modifica (Barth 1989, 2004).

Entre as poliníferas, isto é, plantas que produzem muito pólen e relativamente pouco néctar, super-representadas nos espectros polínicos, ocorrem nas região Sul-Sudeste principalmente diversas espécies do gênero Mimosa.

Espécies do gênero Eucalyptus, amplamente cultivadas no Brasil a partir do início do século XX, têm produção variável de pólen, de modo que ora se enquadram como nectaríferas, ora como poliníferas.

Há ainda as plantas anemófilas, que não produzem néctar e cujo pólen só ocasionalmente entra na composição do espectro polínico de méis monoflorais, pois é coletado e armazenado nos alvéolos das colméias separadamente do néctar, como fonte de proteína, o "pão das abelhas". Entre estas espécies, na região Sul-Sudeste, ocorrem em maior freqüência várias espécies de Cecropia e de Poaceae, entre as quais o milho.

Levando em consideração estes conhecimentos, pode-se realizar a avaliação final da origem botânica de uma amostra de mel. Do total de pólen contado por amostra (= soma polínica devento compreender mais de 300 grãos de pólen contados) subtrai-se o número de grãos de pólen de plantas anemófilas e de plantas poliníferas, chegando-se às plantas nectaríferas que, então, passam a constituir o segundo total (100%) ou total nectarífero. Em relação a este total calcula-se o percentual contribuinte pelas diversas plantas nectaríferas identificadas pelo pólen. Tendo este resultado à mão, é necessário passar a considerar as propriedades das espécies nectaríferas, anteriormente apresentadas, quanto à sua sub- ou super-representação em grãos de pólen.

Quando uma amostra de mel contem mais de 98% (em relação à soma polínica) de pólen de uma planta polinífera, o mel derivado desta planta deve ser considerado monofloral.

Dois exemplos de interpretação e avaliação polínica de espectros polínicos de amostras de mel certamente ilustrarão melhor esta metodologia.

Tabela 1
Comentário: Já que a participação do pólen anemófilo e polinífero não é grande (9,91% da soma polínica),
a melhora obtida pelo presente cálculo para Eucalyptus passa de 84,05% da soma polínica para 93,30% do pólen nectarífero,
portanto, aumenta sua contribuição em néctar.
Tabela 2
Comentário: Sabe-se que o gênero Croton é extremamente sub-representado pelo seu pólen no mel;
é uma planta altamente nectarífera. Caso não fossem considerados os cálculos acima, dominaria o pólen de
plantas anemófilas, no caso uma Poaceae (contribuindo com 840 grãos de pólen). Mesmo excluindo esta
possibilidade, permaneceria uma igual contribuição de Croton e Solanum. Empiricamente, sabe-se que Solanum
contribui com mais pólen do que Croton, de modo que a quantidade de néctar atribuída a este táxon é
bem mais elevada.


Em resumo, levando-se em consideração na análise polínica de amostras de mel a participação de pólen anemófilo e polinífero, bem como a relação quantitativa entre o pólen das plantas nectaríferas e suas propriedades de sub- e super-representação, obtem-se um diagnóstico mais próximo à verdadeira procedência do mel.



Referências

Barros MB 1962. Apicultura. Instituto de Zootecnia, D.N.P.A., Ministério da Agricultura, Série Monografias no 3. 257p.

Barth OM 1989. O pólen no mel Brasileiro. Gráfica Luxor, Rio de Janeiro. 151p.

Barth OM 2004. Melissopalynology in Brazil: a review of pollen analysis of honeys, propolis and pollen loads of bees. Scientia Agrícola 61: 342-350.

Cortopassi-Laurino M, Ramalho M 1988. Pollen harvest by africanized Apis mellifera and Trigona spinipes in São Paulo: botanical and ecological views. Apidologie19: 1-24.

Crane E 2004. A short history of knowledge about honey bees (Apis) up to 1800. Bee World 85: 6-11.

Moreti ACCC, Marchini LC, Souza VC, Rodrigues RR 2002. Atlas do pólen de plantas apícolas. Papel Virtual Editora, Rio de Janeiro. 89p.

Zander E 1924. Beiträge zur Herkunftsbestimmung bei Honig. Vol. 1. Verlag der Reichsfachgruppe Imker e.V., Berlin. 343p.

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