ABELHAS

CRIAÇÃO DE ABELHAS MAMANGAVAS (Xylocopa spp.)
PARA POLINIZAÇÃO DO MARACUJÁ AMARELO
(Passiflora edulis f. flavicarpa)

Breno Magalhães Freitas e José Hugo de Oliveira Filho
Departamento de Zootecnia - CCA, Universidade Federal do Ceará, C.P. 12168 Campus do Pici, CEP 60.021-970, Fortaleza - CE, e-mail: freitas@ufc.br , www.abelhas.ufc.br

Maracujá é o nome comum dado à grande maioria das 530 espécies originárias das América Tropical pertencentes ao gênero Passiflora (Família Passifloraceae). Mais de 150 dessas espécies de maracujá são nativas do Brasil, mas apenas três delas possuem atualmente algum valor comercial (P. edulis, P. edulis f. flavicarpa e P. alata) e mais de 95% das plantações brasileiras são de P. edulis f. flavicarpa, o maracujá amarelo (BRAGA e JUNQUEIRA, 2000; CANÇADO JÚNIOR et al., 2000).

O Brasil lidera a produção e comercialização mundial de maracujá, possuindo uma área plantada de 35.500 ha e produzindo 478.600 toneladas de frutos por ano (MINISTÉRIO DA AGRICULTURA, 2004). Embora a produtividade média dos plantios comerciais de maracujá do Brasil tenha aumentado de 9.000kg/ha em 1998 para 13.465 kg/ha em 2004, ela ainda está bem abaixo da produtividade potencial estimada de 40.000 a 45.000 kg/ha quando níveis adequados de polinização e irrigação são alcançados (RUGGIERO, 2000).

A perda de produtividade em áreas agrícolas devido a níveis inadequados de polinização tem se tornado um fenômeno mundial tão sério que levou a Convenção sobre Diversidade Biológica e a Organização para Alimentação e Agricultura das Nações Unidas (FAO) a estabelecerem uma iniciativa internacional para conservação e uso sustentável de polinizadores (FAO, 2004).

No caso particular do maracujá, uma variedade de visitantes florais tem sido apresentada na literatura como potenciais polinizadores, principalmente insetos da ordem Hymenoptera e os gêneros Xylocopa, Epicharis, Polybia, Nannotrigona, Apis, Bombus, Polistes, Oxaea e Trigona. Várias espécies de beija-flores e borboletas também têm sido observadas visitando flores de maracujá (CAMILLO, 1978; SAZIMA e SAZIMA, 1989). Contudo, vespas dos gêneros Polybia e Polistes são encontradas em flores caçando outros insetos e não polinizam as flores do maracujá. Outros visitantes florais pertencentes aos gêneros de abelhas Apis, Trigona e Nannotrigona e muitas espécies de borboletas possuem tamanho reduzido em relação à flor e apesar de tocarem nos estames ou estigmas, não conseguem transferir pólen entre eles. Abelhas de grande porte, como aquelas dos gêneros Epicharis, Bombus e Oxaea e beija-flores podem potencialmente polinizar as flores do maracujá, mas seus números nos plantios são tão reduzidos que elas não desempenham nenhum papel importante do ponto de vista comercial, onde a maioria das flores deve ser polinizada para tornar o cultivo do maracujá economicamente viável (FREITAS e OLIVEIRA-FILHO, 2001).

Entre todos os visitantes florais do maracujá, apenas as mamangavas de pau (Xylocopa spp.) demonstram as características e comportamento necessários para serem consideradas polinizadores eficientes dos plantios comerciais de maracujá (RUGGIERO, 1973; CAMILLO, 1978; FREITAS e OLIVEIRA-FILHO, 2003). A eficiência polinizadora destas abelhas e carência de polinização do maracujá no Brasil são tamanhas que CAMILLO (1996 a,b) relata 700% de aumento na produtividade de frutos após introduzir 39 ninhos de X. frontalis e X. grisescens em um plantio de 1,5 ha em Holambra, no Estado de São Paulo. É importante ressaltar que este resultado representou um incremento de 3,2% para 25,0% no vingamento de flores.

Uma série de problemas tem reduzido a presença espontânea de abelhas mamangavas nas plantações de maracujá, forçando os produtores a usarem de artifícios como a polinização manual, o que encarece consideravelmente os custos de produção e reduz a margem de lucro da cultura. Aspectos como a rápida redução das matas nativas nas proximidades dos plantios, aumento do número de plantios próximos, aumento no tamanho individual das áreas cultivadas (terra contínua), uso de defensivos agrícolas e herbicidas, competição com outros visitantes florais como Apis mellifera (Figura 1) e baixo nível de socialidade das mamangavas de pau que demanda grande número de ninhos por área são algumas das razões apontadas para a acentuada redução no número de mamangavas nos plantios comerciais (FREITAS e OLIVEIRA-FILHO, 2001).

flor de maracujá amarelo
Figura 1 -
Uma típica flor de maracujá amarelo (Passiflora
edulis f. flavicarpa) tendo seu pólen removido por
Apis mellifera, que não consegue polinizá-la.


Alternativas de locais de nidificação e fontes de alimentos usados na intenção de aumentar o número de mamangavas nos plantios, tais como mourões de madeira para confeccionar as espaldeiras, plantio de outras espécies vegetais para atrair as abelhas e a introdução nos pomares de troncos de madeira contendo ninhos silvestres de mamangavas não têm sido suficientes para recuperar e manter níveis de polinização ao longo dos anos. Um grande problema destas técnicas é que elas não permitem o criatório racional das mamangavas. O produtor não possui meios de controlar o número de abelhas na área nem pode inspecionar o interior dos ninhos, acompanhar o desenvolvimento das larvas, combater doenças, predadores e parasitas, nem identificar rapidamente as condições do grupo de abelhas que habita um determinado ninho. Isto é importante para assegurar que a população de mamangavas esteja adequada às necessidades de polinização da cultura e da área em questão.

Visando contornar estas dificuldades, FREITAS e OLIVEIRA-FILHO (2001; 2003) propuseram um modelo de ninho racional para o criatório de abelhas mamangavas (Figura 2).

Ninhos para o criatório
Figura 2 -
Ninhos para o criatório racional de abelhas mamangavas
(Xylocopa spp.) segundo FREITAS e OLIVEIRA-FILHO (2001).


Apesar das óbvias diferenças na biologia de nidificação entre as abelhas do gênero Apis e as mamangavas do gênero Xylocopa, a colméia racional para mamangavas baseia-se no modelo das colméias para A. mellifera, contendo uma caixa-ninho, quadros e tampa semelhantes àquelas usadas na apicultura. A diferença primordial está nos quadros, que enquanto lá são aparelhados com arame e cera alveolada, aqui são mais espessos e montados com uma placa de madeira sólida no lugar da lâmina de cera alveolada. A idéia é simples: se as abelhas Apis usam cera para construir seus ninhos, e conseguiu-se desenvolver uma colméia que comprovadamente possibilita o seu criatório racional montando-se a cera em quadros móveis dentro de uma caixa de medidas adequadas à biologia do inseto, o mesmo pode ser feito com as mamangavas trocando-se a cera, matéria-prima para a confecção dos ninhos de Apis, por madeira, que é o substrato para a construção dos ninhos de mamangavas.

Até o mesmo princípio usado nas colméias para A. mellifera, o espaço-abelha, é usado na colméia racional para mamangavas. A diferença aqui é que, enquanto nas colméias para Apis o espaço-abelha refere-se à distância entre dois favos (de cera) vizinhos e paralelos, na colméia para mamangavas esse conceito está associado à espessura mínima da madeira necessária para que a fêmea aceite escavar o seu ninho, de forma que as laterais dos túneis fiquem abertas permitindo a visualização do seu interior através de placas de vidro colocadas nas duas faces de cada quadro (Figura 3).

Ninho racional para o criatório de mamangavas
Figura 3 -
Ninho racional para o criatório de mamangavas
(Xylocopa spp.) povoado, sendo visíveis duas
abelhas fêmeas adultas, uma pupa e duas larvas.


A semelhança da colméia para mamangavas com a de A. mellifera não é coincidência. Na verdade, ao se verificar a possibilidade de criar as mamangavas em tabuas de madeira prensadas entre lâminas de vidro, FREITAS e OLIVEIRA FILHO (2001; 2003) procuraram adaptar essa realidade o máximo possível a uma colméia-padrão usada na apicultura. A intenção com isso foi não causar grandes impactos nos criadores e agricultores, os quais já possuem seus conceitos de colméias com caixas retangulares com quadros e abelhas no seu interior, fechadas na sua parte superior por uma tampa. Além disso, uma colméia para mamangavas que fosse semelhante às demais que o apicultor já possui, inclusive feita do mesmo material, possibilitaria o uso das mesmas caixas e tampas no criatório de ambas as espécies, apenas os quadros sendo diferentes. Essa similaridade pode permitir a confecção das novas colméias pela indústria sem maiores investimentos e riscos, alem de facilitar para o criador a aquisição de material compatível com as Xylocopa. Espera-se que todos esses fatores estimulem um número maior de criadores a também adotarem as mamangavas.

Porém, apesar das semelhanças, é bom lembrar que na colméia racional para mamangavas cada quadro constitui na realidade um ninho, e o conjunto de quadros colocados lado a lado da caixa de madeira correspondente ao ninho nas colméias para apicultura, constitui uma pequena comunidade de mamangavas. Os resultados altamente satisfatórios tanto na aceitação dos ninhos quanto na adequação à biologia reprodutiva das abelhas foram demonstrados por OLIVEIRA-FILHO e FREITAS (2003), e o uso de 25 ninhos/ha (cada ninho corresponde a um quadro, havendo nove quadros por caixa) nas áreas comerciais (Figura 4) têm levado a incrementos de 505% na presença de mamangavas, 25% no vingamento das flores produzidas e 92,3% no vingamento inicial de frutos (FREITAS e OLIVEIRA-FILHO, 2003). Infelizmente não é possível nos estendermos muito sobre aspectos importantes como o povoamento dos ninhos, multiplicação das abelhas, manejo para polinização, etc. neste artigo. Porém, o leitor interessado pode obter mais informações a respeito nas consultando diretamente as publicações citadas no artigo.

Ninhos racionais para o criatório de mamangavas
Figura 4 -
Ninhos racionais para o criatório de mamangavas
(Xylocopa spp.) instalados em plantio comercial
de maracujá amarelo (Passiflora edulis f. flavicarpa).


O criatório racional de mamangavas é apenas uma das muitas medidas necessárias para que se possa elevar os níveis de polinização na cultura de maracujá no Brasil a índices adequados para atender o potencial de 40.000 a 45.000 kg/ha. Além disto, e da óbvia atenção aos aspectos agronômicos, também serão necessários esforços no sentido de conservar e restaurar formações vegetais nos arredores dos plantios para manter e estimular os ninhos silvestres de mamangavas, além de racionalizar o uso de agroquímicos na cultura.

Finalmente, é importante ressaltar que as mamangavas não polinizam apenas o maracujazeiro, exemplo usado neste artigo. Uma série de outras espécies vegetais de flores grandes, sejam elas cultivadas ou silvestres, dependem das mamangavas para reproduzirem e/ou apresentarem produtividade que tornem suas explorações agrícolas viáveis.

Alguns exemplos importantes são a castanha do Pará (Bertholletia excelsa), a abóbora (Curcubita moschata), o algodão (Gossypium spp.), a mucuna preta (Stizolobium doeringianum), o urucum (Bixa orellana), entre muitas outras.

Referências

BRAGA, M.F.; JUNQUEIRA, N.T.V. Uso potencial de outras espécies do gênero Passiflora. Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.21, n. 206, p. 72-75, set/out. 2000.

CAMILLO, E. Polinização do maracujazeiro. In: SIMPÓSIO SOBRE A CULTURA DO MARACUJAZEIRO, 2, 1978, Jaboticabal. Anais... Jaboticabal:UNESP, 1978. p. 32-39.

CAMILLO, E. Utilização de espécies de Xylocopa (Hymenoptera, Anthophoridae) na polinização do maracujá amarelo. In: ENCONTRO SOBRE ABELHAS, 2, 1996, Ribeirão Preto. Anais... Ribeirão Preto: Universidade de São Paulo, Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de Ribeirão Preto, 1996a. p. 141-146.

CAMILLO, E. Utilização de espécies de Xylocopa (Hymenoptera, Anthophoridae) na polinização do maracujá amarelo. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE APICULTURA, 11,: 1996, Teresina. Anais... Teresina: Confederação Brasileira de Apicultura, 1996b. p. 317-321.

CANÇADO JÚNIOR, F.L. et al. Aspectos econômicos da cultura do maracujá. Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v.21, n. 206, p. 10-17, set/out. 2000.

FAO 2004. FAO Conservation and management of pollinators for sustainable agriculture - the international response. In: Freitas, B.M.; Pereira, J.O.P. (eds.) Solitary bees: conservation, rearing and management for pollination. Imprensa Universitária. Fortaleza, Brasil. p. 19-25.

FREITAS, B. M.; OLIVEIRA-FILHO, J. H. Criação racional de mamangavas para polinização em áreas agrícolas. 2001. 96p.: il. Fortaleza: Banco do Nordeste, 2001.

FREITAS, B.M.; OLIVEIRA-FILHO, J.H. Ninhos racionais para mamangava (Xylocopa frontalis) na polinização do maracujá-amarelo (Passiflora edulis). Ciência Rural, v.33, n.6, p.1135-1139. 2003.

MINISTÉRIO DE AGRICULTURA 2004 (www.agricultura.gov.br).
OLIVEIRA-FILHO, J.H.; FREITAS, B.M. Colonização e biologia reprodutiva de mamangavas (Xylocopa frontalis) em um modelo de ninho racional. Ciência Rural, v.33, n.4, p.693-697. 2003.

RUGGIERO, C. Estudos sobre floração e polinização do maracujá amarelo (Passiflora edulis f. flavicarpa Deg.). 1973. 92f. Jaboticabal: Faculdade de Medicina Veterinária e Agronomia de Jaboticabal, 1973. (Tese de Doutorado em Ciências).

RUGGIERO, C. Situação da cultura do maracujazeiro no Brasil. Informe Agropecuário, Belo Horizonte, v. 21, n. 206, p. 5-9, set/out. 2000.

SAZIMA, I.; SAZIMA, M. Mamangavas e irapuás (Hymenoptera, Apoidea): visitas, interações e conseqüências para polinização do maracujá (Passifloraceae). Revista Brasileira de Entomologia, São Paulo, v. 33, n. 1, p. 109-118, 1989.


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