ABELHAS

Abelhas: por quê manejá-las para a polinização?

(Kátia Sampaio Malagodi-Braga)

As flores são os órgãos reprodutivos das plantas, cujo objetivo é desenvolver as sementes que darão início a uma nova geração de plantas. Quando os óvulos presentes nas flores são fecundados, ou seja, quando a eles se unem as células masculinas, substâncias químicas são liberadas para estimular o crescimento do fruto e das sementes. Como a polinização é uma etapa anterior à fecundação, sem a primeira não há a possibilidade da segunda e, nem tampouco, do desenvolvimento de frutos e sementes. Você já imaginou como seria a nossa alimentação sem a produção agrícola de frutos e sementes?

A polinização é, portanto, um momento crítico na reprodução sexual das plantas. Mas afinal, o que é a polinização? A polinização nada mais é que a transferência do pólen da estrutura reprodutiva masculina de uma flor (estame), para a estrutura reprodutiva feminina (o pistilo) da mesma flor ou de outras flores.

A transferência do pólen da antera para o estigma poderá ocorrer pela ação da gravidade, do vento, da água ou de animais. Os animais que realizam essa transferência são conhecidos como polinizadores e podem ser insetos (abelhas, besouros, moscas, borboletas, vespas, mariposas), aves (beija-flores e periquitos) e mamíferos de pequeno porte (morcegos, roedores, marsupiais). Dentro todos esses animais, as abelhas merecem destaque como polinizadoras porque como dependem das plantas para a alimentação tanto de seus adultos quanto das crias, elas visitam constantemente as flores; elas possuem pilosidade por todo o corpo, o que facilita a aderência e o transporte de grãos de pólen; e apresentam uma enorme diversidade de espécies. É interessante notar que o ser humano também pode contribuir com a polinização das plantas cultivadas voluntariamente, quando realiza a polinização manual, com ou sem auxílio de equipamentos especiais e, involuntariamente, quando ao cuidar da sua plantação, balança as flores, provocando a queda do pólen sobre o estigma das mesmas.

A polinização ainda pode ser de dois tipos: autopolinização e polinização cruzada. A autopolinização ocorre quando uma flor recebe o seu próprio pólen ou o pólen de outras flores da mesma planta. Já a polinização cruzada irá ocorrer quando os grãos de pólen vierem de flores de outras plantas da mesma espécie.

Flores de espécies diferentes não aceitam o pólen uma da outra, isto é, o pólen de uma espécie qualquer não consegue fecundar o óvulo de uma outra espécie. Mas certas plantas também não aceitam o seu próprio pólen (autoincompatibilidade) ou apresentam mecanismos que dificultam a ocorrência da autopolinização.

Para impedir a autopolinização as plantas apresentam diversos mecanismos como a separação espacial das estruturas reprodutivas, masculinas e femininas, que pode ocorre na própria flor, na mesma planta ou em plantas diferentes, e/ou o amadurecimento dessas estruturas em momentos distintos, ou seja, a antera libera o pólen quando o estigma ainda não está maduro (receptivo) ou vice-versa.

Plantas que impedem a autopolinização são totalmente dependentes dos polinizadores para produzirem seus frutos, ou seja, sem polinizador não há sementes nem frutos. Isso ocorre no maracujá, no pepino e no mamoeiro, por exemplo. Já as plantas que dificultam a ocorrência desse tipo de polinização são beneficiadas com a visita de seus polinizadores, como a soja, a laranjeira, a tangerina, o feijão, o café, o melão e o morangueiro. Esse benefício, geralmente, se traduz em um maior vigor e maior número de sementes, e em maior tamanho e peso dos frutos (uma reserva maior de nutrientes para as sementes). Também existem plantas que necessitam do polinizador para a remoção mecânica de uma maior quantidade de grãos de pólen, como ocorre no tomateiro e em outras solanáceas, cuja polinização é feita, normalmente, por abelhas que são capazes de vibrar as anteras da flor (buzz pollination), como as espécies do gênero Bombus. Outras culturas, porém, não necessitam e nem se beneficiam com a presença desses agentes da polinização, como o trigo, o milho e a cana-de-açúcar.

As plantas quando bem polinizadas produzem frutos de maior valor comercial por apresentarem uma qualidade superior, ou seja, amadurecem mais uniformemente, não apresentam deformações e suas características organolépticas estão dentro ou acima dos padrões exigidos pelo mercado, além do tamanho e do peso geralmente maiores.

A melhora na polinização, portanto, pode afetar diversos componentes da produção agrícola como o número de sementes, a qualidade da semente (teor de óleos), o tamanho e o peso dos frutos, a qualidade do fruto (acidez, teor de açúcares, volume de suco) e o formato dos mesmos.

Em diversas plantas frutíferas o tamanho dos frutos e o seu formato depende diretamente do número de sementes, como na melancia, no pepino, na maçã e no morango.

É preciso lembrar que mesmo entre as variedades e os cultivares de uma mesma espécie de planta utilizada na agricultura também existem diferenças quanto ao grau de dependência aos polinizadores. Um estudo recente (Malagodi-Braga, 2002) revelou que dois cultivares de morango, Sweet Charlie e Oso Grande, cultivados lado a lado, apresentaram diferentes necessidades de polinização: as flores do primeiro cultivar necessitavam receber um maior número de visitas por parte das abelhas que as flores do segundo, de modo que a população desses polinizadores, no mesmo local, foi suficiente para a polinização do cultivar Oso Grande e insuficiente para o Sweet Charlie.

Segundo McGregor (1976), a produção de 2/3 da alimentação humana depende, direta ou indiretamente da polinização por insetos e, de acordo com estimativas feitas em 1998, pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), há no mundo uma perda de U$54 bilhões devido a deficiência na polinização das plantas cultivadas.

Mas se a polinização é tão importante para a produção das plantas cultivadas porque, no Brasil, a atenção dos agricultores e de profissionais relacionados à essa atividade não está voltada para ela?

Porque, de um modo geral, os agricultores ainda se beneficiam acidentalmente da ação de polinizadores silvestres, particularmente das abelhas, nativas ou não, e/ou porque desconhecem os benefícios da polinização e as necessidades de polinização de suas culturas. Adquirindo esse conhecimento o agricultor poderá buscar a espécie ou espécies de abelhas mais indicadas para a polinização de suas culturas e as técnicas para manejar os esses ninhos. Esse conhecimento também levará a uma modificação nas características utilizadas para a seleção de plantas a serem cultivadas, acrescentando-se àquelas consideradas usuais - resistência à doenças e pragas, o tamanho da planta e a sua produtividade - a atratividade ao polinizador. Como ainda não existe essa preocupação as espécies silvestres de plantas, geralmente, atraem mais as abelhas que as plantas cultivadas.

Além disso, é importante ressaltar que a polinização torna-se particularmente importante quando o cultivo envolve uma espécie exótica, pois seu polinizador pode não estar presente no local onde será estabelecida a nova cultura e pode não haver outros agentes de polinização capazes de assumir esta função no local. A introdução de um polinizador exótico pode ser a solução para o agricultor nessas circunstâncias, porém, este polinizador poderá tornar-se um grande problema ambiental.

As abelhas cujo manejo para a polinização é comum em boa parte do mundo são: as abelhas de mel (Apis mellifera) nas mais diversas culturas; as mamangavas (especialmente Bombus terrestris) manejadas, de modo particular, no cultivo de solanáceas, e, em especial, em plantações de tomate; as abelhas carpinteiras (Xylocopa sp), no maracujá; diversas espécies do gênero Osmia, em plantações de maçã e outras frutíferas; e Megachile rotundata na polinização de alfafa.

Recentemente vem crescendo o número de trabalhos sobre a utilização dos meliponíneos ou abelhas sem ferrão na polinização de diversas culturas, particularmente, em estufas. No Japão, Maeta e colaboradores (1992) e Kakutani e colaboradores (1993) verificaram que Nannotrigona testaceicornis (iraí) e Trigona minangkabau, respectivamente, foram polinizadoras efetivas das flores do morangueiro cultivado em estufas. No México, Cauich e colaboradores (2004) verificaram que Nannotrigona perilampoides pode ser uma alternativa ao uso de Apis mellifera e de Bombus spp na polinização do tomateiro cultivado em estufas. No Brasil, Malagodi-Braga e Kleinert (2004), concluíram que Tetragonisca angustula (jataí) foi efetiva na polinização de dois cultivares de morango sob cultivo fechado.

Em nosso país além do morangueiro, outras culturas também vêm sendo estudadas quanto à polinização em estufas: Cruz e colaboradores (2004) obtiveram bons resultados utilizando Melipona subnitida (jandaíra) na polinização de pimentão; Santos e colaboradores (2004) e Del Sarto e colaboradores (2004) verificaram que Melipona quadrifasciata (mandaçaia) foi capaz de se adaptar ao forrageamento em cultivos de tomate.

As mudanças que o homem têm imposto ao seu ambiente vem reduzindo a abundância de abelhas silvestres, colocando em risco a produção de alimentos e a preservação de muitos ambientes naturais e das espécies que neles habitam. É urgente que se reconheça as abelhas e outros animais polinizadores como essenciais para a sustentabilidade da produção mundial de alimentos.


Referências Bibliográficas

Cauich O., J.J.G. Quezada-Euán, J. O. Macias-Macias, V. Reyes-Oregel, S. Medina-Peralta, and V. Parra-Tabla. 2004. Behavior and pollination efficiency of Nannotrigona perilampoides (Hymenoptera: Meliponini) on greenhouse tomatoes (Lycopersicum esculentum) in Subtropical México. Horticultural Entomology 97(2): 475-481.

Cruz D de O, Freitas BM, Silva LA da, Silva SEM da, Bomfim IGA 2004 Use of the stingless bee Melipona subnitida to pollinate sweet pepper (Capsicum annuum L.) flowers in greenhouse. Proceedings of the 8th IBRA International Conference on Tropical Bees and VI Encontro sobre Abelhas, p.661.

Del Sarto MCL, Peruquetti RC, Campos LAO 2004 The neotropical stingless bee Melipona quadrifasciata (Hymenoptera: Apidae) as pollinator of plastic house tomatoes. Proceedings of the 8th IBRA International Conference on Tropical Bees and VI Encontro sobre Abelhas, p. 664

Kakutani T, Inoue T, Tezuka T, Maeta Y 1993 Pollination of strawberry by the stingless bee, Trigona minangkabau, and the honey bee, Apis mellifera: an experimental study of fertilization efficiency. Rev. Popul. Ecol. 35: 95-111.

Maeta Y, Tezuka T, Nadano H, Suzuki K 1992 Utilization of the Brazilian stingless bee, Nannotrigona testaceicornis, as a pollinator of strawberries. Honeybee Sci. 13: 71-78.

Malagodi-Braga KS 2002 Estudo de agentes polinizadores em cultura de morango (Fragaria x ananassa Duchesne - Rosaceae). Thesis (PhD). Instituto de Biociências, Universidade de São Paulo, São Paulo, 102p.

Malagodi-Braga KS & Kleinert AMP 2004 Could Tetragonisca angustula Latreille (Apinae, Meliponini) be used as strawberry pollinator in greenhouses? Aust. J. of Agric. Res. 55 (7): 771-773.

McGregor, 1976 Insect pollination of cultivated crop plants. Agric.Res.United States Dept. of Agric., 411p. Santos SAB dos, Bego LR, Roselino AC 2004 Pollination in tomatoes, Lycopersicon esculentum, by Melipona quadrifasciata anthidioides and Apis mellifera (Hymenoptera, Apinae). Proceedings of the 8th IBRA International Conference on Tropical Bees and VI Encontro sobre Abelhas, p. 688.


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