Resumo
Vários artigos têm relatado as inúmeras propriedades farmacológicas
da própolis. O seu uso já é bastante popular em várias partes do
mundo. Sendo assim, tornamse necessários estudos que visam avaliar
seus possíveis efeitos indesejáveis. Neste trabalho, nós
investigamos os possíveis efeitos colaterais, da própolis, sobre o
peso corporal e sobre os metabolismos: protéico, lipídico, mineral
e de carboidratos de coelhos saudáveis. Os resultados revelaram
que, nas condições estudadas, a própolis não ocasionou mudanças
significativas nos parâmetros avaliados. Isto nos permitiu concluir
que esta substância não apresentou toxicidade para os animais
utilizados neste ensaio biológico.
Introdução
Por centenas de anos, vários povos têm empregado a própolis para
diversos fins terapêuticos [1,2]. Hoje, isso pode ser verificado
através de diversos trabalhos científicos, que relatam as inúmeras
propriedades farmacológicas, desta substância, como: efeito
antibacteriano [35], antiviral [6,7], antiprotozoário [8,9],
antitumoral [10,11], antiinflamatório [12], regenerador do tecido
cartilaginoso [13], inibidor da formação de radicais livres
[12,14], cicatrizante [15], redutor de inchaços [16], antidiabético
[17] entre outros [2].
Os inúmeros efeitos terapêuticos da própolis fazem com que a mesma
seja utilizada por grande parte da população mundial. Sendo assim,
tornamse necessários estudos que têm, por finalidade, investigar
os possíveis efeitos colaterais desta substância. Apesar do grande
número de trabalhos que relatam os efeitos benéficos da própolis,
percebese, na literatura científica, uma carência de estudos sobre
seus possíveis efeitos indesejáveis [1820]. Neste trabalho, nós
avaliamos os efeitos da própolis sobre o peso corporal e sobre os
metabolismos mineral, protéico, lipídico e de carboidratos de
coelhos saudáveis.
Material e métodos
Material: Foram utilizados coelhos machos albinos da raça
Nova Zelândia com dois meses de idade, fornecidos pelo setor de
cunicultura da Universidade Federal de Viçosa. A ração, utilizada
para alimentar os animais, foi da marca Linha Natural da Purina
para coelhos nas diversas fases da criação. A própolis em forma de
pó foi obtida a partir da própolis bruta, coletada na cidade de
ItapecericaMG. A balança, utilizada para pesagem dos animais, foi
da marca Digipeso DP 3000, com capacidade máxima de 15 Kg e mínima
de 125 g com divisão de 5 g. Para a dosagem de constituintes, do
sangue dos animais, foram utilizados Kits da marca BIOLAB e o
aparelho de dosagens multiparamétrico Alizé.
Métodos: Os animais foram acondicionados em gaiolas
individuais a temperatura ambiente, por cinco dias, para adaptação,
recebendo 120 g de ração diariamente. Após este período, os mesmos
foram divididos em dois grupos, cada um contendo seis animais. O
grupo G1 recebeu apenas 120 g de ração diariamente e o grupo G2
recebeu, além de 120 g de ração, uma cápsula contendo 150 mg de
própolis diariamente. A pesagem dos animais e a análise dos
constituintes do sangue foram realizadas aos 0, 15 e 30 dias de
tratamento com o objetivo de se verificar alguma modificação,
nestes parâmetros, ocasionada pela administração da própolis. Foram
dosados os seguintes constituintes: glicose, triacilgliceróis,
colesterol total, colesterolHDL, colesterolLDL, proteína total,
albumina, cálcio e fósforo.
Para a dosagem desses constituintes, retirouse cerca de 2 mL de
sangue, de cada animal, na região denominada "plexo venoso
oftálmico" sem prejudicar a visão do animal. Este sangue foi
centrifugado a 3.000 rpm por 15 minutos, à temperatura ambiente.
Após a centrifugação, retiraramse 500 mL do sobrenadante (soro)
para leitura dos constituintes no aparelho Alizé. Através de kits
BIOLAB pôdese efetuar a quantificação desses constituintes, da
seguinte maneira: triacilgliceróis, glicose, colesterol total,
colesterolHDL, colesterolLDL foram transformados em cromogênio,
cuja leitura de absorbância foi realizada a 505 nm. A proteína
total foi dosada, colorimetricamente, pelo método Biureto com
leitura em 545 nm. A albumina foi complexada com
verdedebromocresol e quantificada através de leitura de
absorbância em 630 nm. O cálcio foi determinado pela presença do
indicador azuldemetiltimol. O fósforo foi determinado pela sua
reação com molibidato de amônia onde houve formação do complexo
fosfomolíbdico, cuja absorbância ocorre a 340 nm e é proporcional á
concentração de íons fosfatos nas amostras de soro.
Todos os dados, obtidos, receberam tratamento estatístico, onde os
grupos G1 e G2 foram comparados entre si através do teste de
Dunnett a 5% de probabilidade.
Resultados e discussão
Alguns autores relatam que efeitos indesejáveis, decorrentes do uso
da própolis, só são observados em indivíduos que ingerem
superdosagens desta substância [2125]. Temse observado que a
própolis contém alguns compostos que podem ocasionar dermatite
alérgica [18,19]. No entanto, os efeitos indesejáveis podem ser
evitados com utilização de dosagens controladas e sem exageros
[18,19,26,27]. Alguns trabalhos têm demonstrado que a própolis não
apresenta toxicidade. Experimentos com ratos, monitorados durante
48 horas, demonstraram que uma alta dosagem de própolis (700 mg/Kg)
não foi capaz de causar efeitos indesejáveis nesses animais [28]. O
mesmo resultado foi observado por pesquisadores russos que
demonstraram que uma dosagem de 350 mg/Kg administrada em
camundongos, não foi capaz de causar efeitos tóxicos. A dose letal
(DL50) para camundongos só foi observada com a ingestão de uma
quantidade superior a 7.340 mg/Kg [1].
Efeitos sobre o peso corporal e metabolismo de carboidratos
Neste trabalho, observouse que o grupo G2, que recebeu própolis,
não apresentou alteração significativa em seu peso corporal, em
relação ao grupo controle G1, que recebeu apenas ração (Tabela
1).
A perda de peso pode ser decorrente de vários distúrbios
metabólicos como: elevados níveis de glicose no sangue [29,30],
deficiência de vitamina B12 e desidratação [31]. Isso leva a crer
que a própolis, na dosagem utilizada, não provocou nenhum distúrbio
metabólico relacionado à perda de peso. O ganho de peso, observado
nos dois grupos, foi conseqüência normal da ingestão diária de
ração.
A hiperglicemia pode ocorrer na diabete, assim como no
hipertireoidismo, em pancreatite aguda, etc. Já a hipoglicemia pode
ser observada em hipotireoidismo, distúrbios de absorção
intestinal, anorexia nervosa entre outros. Além disso, indivíduos
hipoglicêmicos podem apresentar fome exagerada, nervosismo,
desmaios e convulsões [30]. Em nosso estudo, pôdese concluir que a
própolis não provocou nenhum distúrbio no metabolismo de
carboidratos dos animais, já que não se observaram alterações que
pudessem ocasionar hiper ou hipoglicemia. Quando se comparou,
através do teste de Dunnett (P<0,05), G2 com G1, percebeuse que
os níveis normais de glicose não foram alterados significativamente
pela própolis (Tabela 1).
Efeitos sobre o metabolismo lipídico
A Tabela 2 demonstra que, aos 15 dias de tratamento, foi observada
uma redução de 18,09%, no teor de colesterol total de G2 em relação
a G1. Aos 30 dias, essa redução foi de 17,38%. No entanto, do ponto
de vista estatístico, tais diminuições podem ser consideradas
irrelevantes. O mesmo se aplica em relação ao colesterolHDL, LDL e
triacilgliceróis.
Alterações bruscas nos níveis de colesterol podem ocorrer em vários
processos patológicos. A hipercolesterolemia, por exemplo, pode ser
decorrente de moléstias do trato biliar e também de xantomatoses,
xantelasma, xantoma diabético, xantoma tuberoso etc [32]. Já a
hipocolesterolemia ocorre em hipertireoidismo, anemia perniciosa,
hepatite tóxica etc. A hipertrigliceridemia é observada em males
como: diabete, síndrome nefrótica, pancreatite, aterosclerose e em
doenças coronarianas [30,33]. Em nosso trabalho, a própolis não
apresentou toxicidade, para os animais, a ponto de causar
patologias características de excesso ou falta de colesterol e
triacilgliceróis.
Efeitos da própolis sobre o metabolismo protéico
Cerca de 7%, do plasma sangüíneo, é constituído de proteínas como
albumina, globulinas (a
1, a
2, b
1,
b
2, g) e fibrinogênio. Outras proteínas em
microquantidades são os anticorpos, enzimas e certos tipos de
hormônios. As gglobulinas são produzidas pelos linfócitos e pelas
células plasmáticas. Essas proteínas são denominadas
imunoglobulinas. As imunoglobulinas são classificadas em IgM, IgG,
IgA, IgD, e IgE, sendo IgG a mais abundante nos animais saudáveis.
A IgE é produzida por animais que estão enfrentando processos
alérgicos diversos. Dessa forma, num processo alérgico, ocorre
aumento de proteína total no plasma, incrementado pela IgE
[31].
A albumina plasmática é formada no fígado e a síntese destas
proteínas é reduzida significativamente nas lesões hepáticas graves
ou deficiências prolongadas de proteínas na dieta [31]. Os
resultados obtidos, neste ensaio biológico, indicam que a própolis
não alterou significativamente os níveis normais de proteína total
e de albumina (Tabela 3), levando a crer que estas substâncias não
ocasionaram danos ao organismo desses animais a ponto de alterar os
níveis de proteínas no plasma sangüíneo dos mesmos.
Efeitos da própolis sobre o metabolismo mineral
O fósforo é, possivelmente, o elemento que desempenha o papel mais
variado na química dos organismos vivos [34]. As funções, desse
elemento, são mais conhecidas do que as de qualquer outro mineral,
nos seres vivos. Ele combina, por exemplo, com o cálcio e carbonato
para formar compostos que proporcionam rigidez aos ossos e dentes,
tem função vital em muitos processos metabólicos, inclusive
naqueles relacionados aos tampões nos líquidos corporais [31], além
disso é parte indispensável da molécula que governa a vida (DNA)
[35]. Um excesso relativo de fósforo em relação ao cálcio pode
resultar em algumas situações bastante danosas. A ingestão desse
elemento duas ou três vezes mais que a necessidade por longos
períodos causará problemas severos, em razão das modificações no
metabolismo do cálcio [34]. Níveis elevados de fósforo, no soro,
são observados em: insuficiência renal, hipoparatiroidismo,
raquitismo, síndrome de má absorção, ingestão de antiácidos (que
ligam o fosfato ao intestino) e alcoolismo crônico (especialmente
com doença hepática) etc [36].
Neste trabalho, nós conseguimos verificar que a própolis, na
dosagem estudada, não alterou os níveis normais de fósforo no
plasma dos animais (Tabela 4). Assim, podese afirmar, com
segurança, que a própolis não ocasionou danos, ao organismo desses
animais, que pudessem alterar a concentração de fósforo dos
mesmos.
Mais de 40 a 50% do cálcio plasmático está sob a forma solúvel,
ionizada, ao passo que 40 a 45% dele está ligado à proteína,
principalmente em albumina e outras proteínas plasmáticas. O
restante, 5%, forma complexo com elementos inorgânicos não
ionizados, de acordo com o pH do sangue. O cálcio plasmático é
fundamental para a coagulação sanguínea. Ele também é necessário,
para a permeabilidade de membranas, a excitabilidade neuromuscular,
a transmissão dos impulsos nervosos e a ativação de determinados
sistemas enzimáticos. A redução, do cálcio sanguíneo, aumenta a
irritabilidade do tecido nervoso. A hipocalcemia pode causar
fraqueza cardíaca. A hipercalcemia diminui a atividade cardíaca
gerando insuficiência da mesma [31].
A Tabela 4 demonstra que os níveis normais, de cálcio, não foram
alterados em decorrência da administração da própolis. As
alterações apresentadas não se mostraram significativas pelo Teste
de Dunnett (P<0,05). Além disso, a diferença nos níveis de
cálcio, entre G1 e G2, já existia antes mesmo da administração da
própolis.
Conclusão
Neste estudo, foi possível constatar que, nas condições testadas, a
própolis não afetou o ganho de massa corporal e nem os
metabolismos: mineral, lipídico, protéico e de carboidratos de
coelhos saudáveis. Sendo assim, concluise que esta substância não
apresentou toxicidade para os animais utilizados nesse estudo.
Agradecimentos
Agradecemos à CAPES pelo financiamento, a Adomar Jesus de Carvalho,
pelo fornecimento da própolis, ao Professor Dejair Message, pelas
sugestões ao trabalho, aos médicos veterinários Alexandre e
Graciela, pela inestimável ajuda e especialmente à Universidade
Federal de Viçosa por tornar possível a realização deste
estudo.
Referências
[1].Ghisalberti, E.L. Bee World, v.60, p.59, 1979.
[2].Pereira, A.S; Seixas, F.R.M.S; Neto, F.R.A. Quim. Nova, v.25,
n.2, p.321, 2002.
[3].Granje, J.M; Davey, R.W. J. R. Soc. Méd., v.83, p.159,
1990.
[4].Shub, T.A; Kagramanova, K.A; Voropeava, S.D; Kivman, G.Y.
Antibiotiki, v.26, p.268, 1981.
[5].Szeweczak, E.H; Godoy, G.F; Chociae, J.G. Aerosol Cosmet., v.6,
p.12, 1984.
[6].Amoros, M; Sauvager, F; Girre, L; Cormier, M. Apidologie, v.23,
p.231, 1992.
[7].Debiaggi, M; Tateo, F; Pagani, L; Luini, M; Romero, E.
Microbiologica, v.13, p.207, 1990.
[8].Starzyk, J; Acheller, S; Szaflarski, J; Moskwa, M; Stojko, A.
ArzneimForsch/Drug Res., v.27, n.1, p.1198, 1997.
[9].Metzner, J; Bekemeier, H; Schneidewind, E; Schwaibwerger, R.
Pharmazie, v.30, p.799, 1975.
[10].Frenkel, K; Wei, H; Brimani, R; Ye, J; Zadunaisky, V.A; Huang,
M; Ferraro, T; Conney, A.H; Grumberger, D. Cancer Res., v.53,
p.1255, 1993.
[11].Simuth, J; Trnovsky, J; Jelokova, J. Pharmazie, v.41, p.131,
1986.
[12].Volpert, R; Elstner, E.F; ArzneimForsch/Drug Res., v.46,
p.47, 1996.
[13].Scheller, S; Szaflarski, J; Tustanowski, E; Nolewajka, E;
Stojka, A. ArzneimForsch/Drug Res.,v.27, p.2138, 1977.
[14].Scheller, S; Gazda, G; Krol, W; Czuba, Z; Zajuzz, A; Gabys, J;
Shani, J. Z. Naturforsch., v.44c, p.1049, 1989.
[15].Marcucci, M.C. Quim. Nova, v.19, p.529, 1996.
[16].Ioirish, N. As Abelhas: Farmacêuticas com Asas, Editora Mir.
Moscou, 1982.
[17].Ribeiro, J.N. Efeitos de Própolis, Antocianina e Naringenina
em Coelhos Normais e Diabéticos. Viçosa, MG: UFV, 2001. 111p. Tese
(Mestrado em Agroquímica) - Universidade Federal de Viçosa,
2001.
[18].Hausen, B.M; Wollenweber, E; Senff, H; Post, B. Contact
Dermatiitis, v.17, p.163, 1987a.
[19].Hausen, B.M; Wollenweber, E; Senff, H; Post, B. Contact
Dermatiitis, v.17, p.171, 1987b.
[20].Marcucci, M.C. Apidologie, v.26, p.83, 1995.
[21].Monti, M; Berti, E; Carminatti, G; Cusini, M. Contact
Dermatitis, v.9, p.163, 1983.
[22]. MachackovaTodorova, V; Manolova, N; Gegova, G. Acta
Microbiol. Bulg., v.17, p.79, 1985.
[23].Tosti, A; Caponeri, G.M; Bardazzi, F; Melino, M; Veronesi, S.
Contact Dermatitis, v.12, p.227, 1985.
[24].Young, E. Contact Dermatitis, v.16, p.49, 1987.
[25].Hay, K.D; Greig, D.E. Oral Surg. Oral Med. Oral Phatol., v.70,
p.584, 1990.
[26].Angelini, G; Vena, G.A; Meneghini, C.L. Contact Dermatitis,
v.17, p.251, 1987.
[27].Kleinhans, D. Contact Dermatitis, v.17, p.187, 1987.
[28].Dobowolsky, J.W; Vohora, S.B; Sharma, K; Shah, S.A; Naqvi,
S.A.H; Dandiya, P.C. Ethnopharmacol., v.35, p.77, 1991.
[29].Odetti, P.R; Borgoglio, A; Pascale, A; Rolandi, R; Adezati, L.
Diabetes, v.39, n.7, p.796, 1990.
[30].Osol, A. Dicionário Médico Blakiston. 2.ed. São Paulo:
Organização Andrei Editora LTDA. [s.d.].
[31].Swenson, M.J. DUKES - Fisiologia dos Animais Domésticos. Rio
de Janeiro: Guanabara Koogan, 1988.
[32].Stryer, L. Bioquímica. 4.ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan,
1996.
[33].Lima, L.R.P. Efeitos farmacológico, toxicológico e mecanismo
de ação dos flavonóides e corantes naturais no metabolismo lipídico
de coelhos. Viçosa, MG: UFV, 2000. 115p. Tese (Mestrado em
Agroquímica) - Universidade Federal de Viçosa, 2000.
[34].Nunes, J.I. Nutrição Animal Básica. 1.ed. Belo Horizonte:
Copiadora Breder LTDA, 1995.
[35].Lehninger, A.L. Princípios de Bioquímica. 2.ed. São Paulo:
Sarvier, 2000.
[36].Murray, R.K; Granner, D.K; Mayes, P.A; Rodwell, V.W. Harper:
Bioquímica. 7.ed. São Paulo: Atheneu Editora São Paulo,
1994.