Artigo

Ausência de Toxicidade da Própolis

Joselito Nardy Ribeiro1* Tânia Toledo de Oliveira2 Tânus Jorge Nagem3 e Araceli Verônica Flores1*

1. Instituto de Química da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP)
2. Departamento de Bioquímica da Universidade Federal de Viçosa
3. Departamento de Química da Universidade Federal de Ouro Preto

* Autores para correspondência: Instituto de Química, lab B200­204, UNICAMP, Cidade Universitária Zeferino Vaz, Barão Geraldo, Campinas­SP, C.Postal 6154, Cep: 13083­970, e­mail: nariber@ig.com.br ou araceli@iqm.unicamp.br


Resumo

Vários artigos têm relatado as inúmeras propriedades farmacológicas da própolis. O seu uso já é bastante popular em várias partes do mundo. Sendo assim, tornam­se necessários estudos que visam avaliar seus possíveis efeitos indesejáveis. Neste trabalho, nós investigamos os possíveis efeitos colaterais, da própolis, sobre o peso corporal e sobre os metabolismos: protéico, lipídico, mineral e de carboidratos de coelhos saudáveis. Os resultados revelaram que, nas condições estudadas, a própolis não ocasionou mudanças significativas nos parâmetros avaliados. Isto nos permitiu concluir que esta substância não apresentou toxicidade para os animais utilizados neste ensaio biológico.

Introdução

Por centenas de anos, vários povos têm empregado a própolis para diversos fins terapêuticos [1,2]. Hoje, isso pode ser verificado através de diversos trabalhos científicos, que relatam as inúmeras propriedades farmacológicas, desta substância, como: efeito antibacteriano [3­5], antiviral [6,7], antiprotozoário [8,9], antitumoral [10,11], antiinflamatório [12], regenerador do tecido cartilaginoso [13], inibidor da formação de radicais livres [12,14], cicatrizante [15], redutor de inchaços [16], antidiabético [17] entre outros [2].

Os inúmeros efeitos terapêuticos da própolis fazem com que a mesma seja utilizada por grande parte da população mundial. Sendo assim, tornam­se necessários estudos que têm, por finalidade, investigar os possíveis efeitos colaterais desta substância. Apesar do grande número de trabalhos que relatam os efeitos benéficos da própolis, percebe­se, na literatura científica, uma carência de estudos sobre seus possíveis efeitos indesejáveis [18­20]. Neste trabalho, nós avaliamos os efeitos da própolis sobre o peso corporal e sobre os metabolismos mineral, protéico, lipídico e de carboidratos de coelhos saudáveis.

Material e métodos

Material: Foram utilizados coelhos machos albinos da raça Nova Zelândia com dois meses de idade, fornecidos pelo setor de cunicultura da Universidade Federal de Viçosa. A ração, utilizada para alimentar os animais, foi da marca Linha Natural da Purina para coelhos nas diversas fases da criação. A própolis em forma de pó foi obtida a partir da própolis bruta, coletada na cidade de Itapecerica­MG. A balança, utilizada para pesagem dos animais, foi da marca Digipeso DP 3000, com capacidade máxima de 15 Kg e mínima de 125 g com divisão de 5 g. Para a dosagem de constituintes, do sangue dos animais, foram utilizados Kits da marca BIOLAB e o aparelho de dosagens multiparamétrico Alizé.

Métodos: Os animais foram acondicionados em gaiolas individuais a temperatura ambiente, por cinco dias, para adaptação, recebendo 120 g de ração diariamente. Após este período, os mesmos foram divididos em dois grupos, cada um contendo seis animais. O grupo G1 recebeu apenas 120 g de ração diariamente e o grupo G2 recebeu, além de 120 g de ração, uma cápsula contendo 150 mg de própolis diariamente. A pesagem dos animais e a análise dos constituintes do sangue foram realizadas aos 0, 15 e 30 dias de tratamento com o objetivo de se verificar alguma modificação, nestes parâmetros, ocasionada pela administração da própolis. Foram dosados os seguintes constituintes: glicose, triacilgliceróis, colesterol total, colesterol­HDL, colesterol­LDL, proteína total, albumina, cálcio e fósforo.

Para a dosagem desses constituintes, retirou­se cerca de 2 mL de sangue, de cada animal, na região denominada "plexo venoso oftálmico" sem prejudicar a visão do animal. Este sangue foi centrifugado a 3.000 rpm por 15 minutos, à temperatura ambiente. Após a centrifugação, retiraram­se 500 mL do sobrenadante (soro) para leitura dos constituintes no aparelho Alizé. Através de kits BIOLAB pôde­se efetuar a quantificação desses constituintes, da seguinte maneira: triacilgliceróis, glicose, colesterol total, colesterol­HDL, colesterol­LDL foram transformados em cromogênio, cuja leitura de absorbância foi realizada a 505 nm. A proteína total foi dosada, colorimetricamente, pelo método Biureto com leitura em 545 nm. A albumina foi complexada com verde­de­bromocresol e quantificada através de leitura de absorbância em 630 nm. O cálcio foi determinado pela presença do indicador azul­de­metiltimol. O fósforo foi determinado pela sua reação com molibidato de amônia onde houve formação do complexo fosfomolíbdico, cuja absorbância ocorre a 340 nm e é proporcional á concentração de íons fosfatos nas amostras de soro.

Todos os dados, obtidos, receberam tratamento estatístico, onde os grupos G1 e G2 foram comparados entre si através do teste de Dunnett a 5% de probabilidade.

Resultados e discussão

Alguns autores relatam que efeitos indesejáveis, decorrentes do uso da própolis, só são observados em indivíduos que ingerem superdosagens desta substância [21­25]. Tem­se observado que a própolis contém alguns compostos que podem ocasionar dermatite alérgica [18,19]. No entanto, os efeitos indesejáveis podem ser evitados com utilização de dosagens controladas e sem exageros [18,19,26,27]. Alguns trabalhos têm demonstrado que a própolis não apresenta toxicidade. Experimentos com ratos, monitorados durante 48 horas, demonstraram que uma alta dosagem de própolis (700 mg/Kg) não foi capaz de causar efeitos indesejáveis nesses animais [28]. O mesmo resultado foi observado por pesquisadores russos que demonstraram que uma dosagem de 350 mg/Kg administrada em camundongos, não foi capaz de causar efeitos tóxicos. A dose letal (DL50) para camundongos só foi observada com a ingestão de uma quantidade superior a 7.340 mg/Kg [1].

Efeitos sobre o peso corporal e metabolismo de carboidratos

Neste trabalho, observou­se que o grupo G2, que recebeu própolis, não apresentou alteração significativa em seu peso corporal, em relação ao grupo controle G1, que recebeu apenas ração (Tabela 1).

A perda de peso pode ser decorrente de vários distúrbios metabólicos como: elevados níveis de glicose no sangue [29,30], deficiência de vitamina B12 e desidratação [31]. Isso leva a crer que a própolis, na dosagem utilizada, não provocou nenhum distúrbio metabólico relacionado à perda de peso. O ganho de peso, observado nos dois grupos, foi conseqüência normal da ingestão diária de ração.

A hiperglicemia pode ocorrer na diabete, assim como no hipertireoidismo, em pancreatite aguda, etc. Já a hipoglicemia pode ser observada em hipotireoidismo, distúrbios de absorção intestinal, anorexia nervosa entre outros. Além disso, indivíduos hipoglicêmicos podem apresentar fome exagerada, nervosismo, desmaios e convulsões [30]. Em nosso estudo, pôde­se concluir que a própolis não provocou nenhum distúrbio no metabolismo de carboidratos dos animais, já que não se observaram alterações que pudessem ocasionar hiper ou hipoglicemia. Quando se comparou, através do teste de Dunnett (P<0,05), G2 com G1, percebeu­se que os níveis normais de glicose não foram alterados significativamente pela própolis (Tabela 1).


Efeitos sobre o metabolismo lipídico

A Tabela 2 demonstra que, aos 15 dias de tratamento, foi observada uma redução de 18,09%, no teor de colesterol total de G2 em relação a G1. Aos 30 dias, essa redução foi de 17,38%. No entanto, do ponto de vista estatístico, tais diminuições podem ser consideradas irrelevantes. O mesmo se aplica em relação ao colesterol­HDL, LDL e triacilgliceróis.

Alterações bruscas nos níveis de colesterol podem ocorrer em vários processos patológicos. A hipercolesterolemia, por exemplo, pode ser decorrente de moléstias do trato biliar e também de xantomatoses, xantelasma, xantoma diabético, xantoma tuberoso etc [32]. Já a hipocolesterolemia ocorre em hipertireoidismo, anemia perniciosa, hepatite tóxica etc. A hipertrigliceridemia é observada em males como: diabete, síndrome nefrótica, pancreatite, aterosclerose e em doenças coronarianas [30,33]. Em nosso trabalho, a própolis não apresentou toxicidade, para os animais, a ponto de causar patologias características de excesso ou falta de colesterol e triacilgliceróis.


Efeitos da própolis sobre o metabolismo protéico

Cerca de 7%, do plasma sangüíneo, é constituído de proteínas como albumina, globulinas (a1, a2, b1, b2, g) e fibrinogênio. Outras proteínas em microquantidades são os anticorpos, enzimas e certos tipos de hormônios. As g­globulinas são produzidas pelos linfócitos e pelas células plasmáticas. Essas proteínas são denominadas imunoglobulinas. As imunoglobulinas são classificadas em IgM, IgG, IgA, IgD, e IgE, sendo IgG a mais abundante nos animais saudáveis. A IgE é produzida por animais que estão enfrentando processos alérgicos diversos. Dessa forma, num processo alérgico, ocorre aumento de proteína total no plasma, incrementado pela IgE [31].

A albumina plasmática é formada no fígado e a síntese destas proteínas é reduzida significativamente nas lesões hepáticas graves ou deficiências prolongadas de proteínas na dieta [31]. Os resultados obtidos, neste ensaio biológico, indicam que a própolis não alterou significativamente os níveis normais de proteína total e de albumina (Tabela 3), levando a crer que estas substâncias não ocasionaram danos ao organismo desses animais a ponto de alterar os níveis de proteínas no plasma sangüíneo dos mesmos.


Efeitos da própolis sobre o metabolismo mineral

O fósforo é, possivelmente, o elemento que desempenha o papel mais variado na química dos organismos vivos [34]. As funções, desse elemento, são mais conhecidas do que as de qualquer outro mineral, nos seres vivos. Ele combina, por exemplo, com o cálcio e carbonato para formar compostos que proporcionam rigidez aos ossos e dentes, tem função vital em muitos processos metabólicos, inclusive naqueles relacionados aos tampões nos líquidos corporais [31], além disso é parte indispensável da molécula que governa a vida (DNA) [35]. Um excesso relativo de fósforo em relação ao cálcio pode resultar em algumas situações bastante danosas. A ingestão desse elemento duas ou três vezes mais que a necessidade por longos períodos causará problemas severos, em razão das modificações no metabolismo do cálcio [34]. Níveis elevados de fósforo, no soro, são observados em: insuficiência renal, hipoparatiroidismo, raquitismo, síndrome de má absorção, ingestão de antiácidos (que ligam o fosfato ao intestino) e alcoolismo crônico (especialmente com doença hepática) etc [36].

Neste trabalho, nós conseguimos verificar que a própolis, na dosagem estudada, não alterou os níveis normais de fósforo no plasma dos animais (Tabela 4). Assim, pode­se afirmar, com segurança, que a própolis não ocasionou danos, ao organismo desses animais, que pudessem alterar a concentração de fósforo dos mesmos.

Mais de 40 a 50% do cálcio plasmático está sob a forma solúvel, ionizada, ao passo que 40 a 45% dele está ligado à proteína, principalmente em albumina e outras proteínas plasmáticas. O restante, 5%, forma complexo com elementos inorgânicos não ionizados, de acordo com o pH do sangue. O cálcio plasmático é fundamental para a coagulação sanguínea. Ele também é necessário, para a permeabilidade de membranas, a excitabilidade neuromuscular, a transmissão dos impulsos nervosos e a ativação de determinados sistemas enzimáticos. A redução, do cálcio sanguíneo, aumenta a irritabilidade do tecido nervoso. A hipocalcemia pode causar fraqueza cardíaca. A hipercalcemia diminui a atividade cardíaca gerando insuficiência da mesma [31].


A Tabela 4 demonstra que os níveis normais, de cálcio, não foram alterados em decorrência da administração da própolis. As alterações apresentadas não se mostraram significativas pelo Teste de Dunnett (P<0,05). Além disso, a diferença nos níveis de cálcio, entre G1 e G2, já existia antes mesmo da administração da própolis.

Conclusão

Neste estudo, foi possível constatar que, nas condições testadas, a própolis não afetou o ganho de massa corporal e nem os metabolismos: mineral, lipídico, protéico e de carboidratos de coelhos saudáveis. Sendo assim, conclui­se que esta substância não apresentou toxicidade para os animais utilizados nesse estudo.

Agradecimentos

Agradecemos à CAPES pelo financiamento, a Adomar Jesus de Carvalho, pelo fornecimento da própolis, ao Professor Dejair Message, pelas sugestões ao trabalho, aos médicos veterinários Alexandre e Graciela, pela inestimável ajuda e especialmente à Universidade Federal de Viçosa por tornar possível a realização deste estudo.

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