Artigo
 

COMO AS ABELHAS SE COMUNICAM ?

 

Lionel S. Gonçalves-FFCLRP-USP-Ribeirão Preto-SP


                              As abelhas são insetos que pertencem à ordem dos Himenóptera, tendo surgido na face da terra há mais de 50 milhões de anos (Figura 1) e sempre presentes em civilizações antigas como dos gregos e egipcios, há mais de cinco séculos (Figura 2). Existem abelhas solitárias, semi-sociais e sociais sendo a comunicação o principal fator que as distingue quanto a sua sociabilidade. A comunicação entre elas é tanto mais elaborada e complexa quanto mais evoluído e social for seu grupo. As abelhas sem ferrão (Meliponas) e as abelhas do mel, ou Apis mellifera são as mais evoluidas.

A comunicação é a troca ou transferência de mensagens ou informações entre dois ou mais seres vivos. Para que isso ocorra há a necessidade de um código prévio de sinais ou informações que constituirão a base da linguagem a ser usada na comunicação. Esses sinais podem ser físicos, químicos, biológicos ou uma combinação deles apresentados na forma de reações do organismo, movimentos, produção de substâncias (feromônios) etc. A comunicação pode apresentar tal complexidade que o próprio ser humano muitas vêzes é incapaz de interpretar o significado de certos sinais usados na linguagem dos animais.

Entre os diversos aspectos da vida dos animais talvez a comunicação seja o que mais fascina os cientistas. Neste aspecto destacamos o pesquisador austríaco Karl von Frisch, que após 50 anos de estudos sobre comunicação das abelhas, recebeu o Prêmio Nobel de Medicina e Fisiologia em 1973, pelas suas descobertas. A comunicação entre as abelhas pode ser através de sinais químicos ou cheiros, sons ou ruídos  e danças ou movimentos rítmicos os quais são usados para comunicarem a localização de alimentos, água, locais de nidificação, presença de inimigos, atração sexual, agregação, abandono do ninho etc. Portanto, as abelhas apresentam linguagem que lhes permitem não apenas se comunicarem entre si como também lhes garantem a sobrevivência da espécie.

As Apis mellifera ou abelhas de mel ou abelhas Europa são dotadas de um sistema de comunicação dos mais complexos e precisos entre os animais. Em 1788 o reverendo Ernst Spitzner já havia relatado a existência de movimentos especiais (danças) de algumas abelhas no favo, porém desconhecia o significado dessas danças. A explicação do significado da dança das abelhas deu-se somente a partir de 1920, em Luz am See, na Austria, por Karl von Frisch, que demonstrou, experimentalmente, que as abelhas campeiras, após localizarem uma fonte de alimento, retornam para casa (colmeia) e informam às companheiras, com grande precisão, onde se encontra a fonte de alimento. Estas informações são transmitidas por intermédio de danças especiais ( Figura 3) que indicam a direção e a distância onde se encontra a fonte de alimento (von Frisch, 1953).

Existem três tipos de danças: “dança em círculo”, “dança em foice” e “dança do requebrado” (Figura 4) (von Frisch & Lindauer, 1956) .Segundo esses mesmos autore existem inclusive dialetos na comunicação das abelhas . Quando a fonte de alimento se encontra a pequenas distâncias da colmeia é executada a dança em círculo. Quando a fonte se encontra a grandes distâncias é executada a dança do requebrado, e a distâncias intermediárias é executada a dança em foice. A abelha utiliza o sol como sua bússola, sendo extremamente importante sua localização para que seja informado o local da fonte de alimento (árvore com flores). As abelhas enxergam o sol mesmo através das nuvens (raios ultra-violetas). No entanto, não necessitam ver o sol enquanto dançam, podendo executar as danças mesmo no escuro, no interior da colmeia. Por outro lado, as abelhas são capazes de se orientar mesmo após o por do sol. Na “dança do requebrado” a abelha , após chegar da fonte de alimento, procura se comunicar com as companheiras no favo, inicialmente oferecendo alimento (trofalaxis) e a seguir executa movimentos rítmicos do abdomen. A direção em que a dança é feita no favo, em relação ao fio de prumo, fornece um ângulo que corresponde exatamente ao ângulo formado entre a fonte de alimento (árvore com flor), posição do sol e colmeia. À medida que o sol se movimenta a abelha corrige o ângulo correspondente. As abelhas operárias que assistem a dança, ao saírem da colmeia, localizam a fonte de alimento, tomando por base o ângulo informado na dança. Se o ângulo era 45 graus a direita do fio de prumo, se orientam com ângulo de 45 graus à direita do sol para localizar o alimento. A distância é informada pelo som produzidos pelas vibrações do abdômen. Ao se aproximarem da flor elas usam as células sensoriais (sensillas) localizadas nas suas antenas que captam os sinais químicos ou cheiros. Os olhos compostos (omatídeos) e olhos simples (ocelos ) auxiliam na localização exata da fonte de alimento.

Gonçalves (1969) comprovou experimentalmente que as abelhas Apis mellifera usam tanto o cheiro (67%) como a dança (33%) para se comunicar. As abelhas sem ferrão  não realizam danças, comunicando-se por sinais sonoros e sinais químicos (trilhas de cheiros) (Kerr, 1960; Kerr & Esch, 1965 e Lindauer & Kerr, 1960 ). As mamangavas (Bombus) não produzem sons nem danças, sendo as abelhas mais primitivas quanto a comunicação. Portanto, graças ao complexo sistema de órgãos sensoriais ( antenas, olhos ) e das danças,  as abelhas Apis mellifera apresentam um dos mais perfeitos sistemas de comunicação entre os animais. A vida das abelhas é tão fascinante que desde o início da civilização elas estavam presentes entre os povos de cultura , sendo consideradas pelos  gregos e egípcios, há mais de 500 anos antes de Cristo,  como o “ Símbolo do bem estar”. Mesmo hoje em qualquer parte do mundo, são encontrados estudiosos que procuram entender cada vez mais o maravilhoso mundo organizado desses importantes insetos que tantos benefícios trazem ao homem .

 


Figura 1: Fósseis de Abelhas. À esquerda o mais antigo fóssil do ancestral das abelhas, o “Electrapis” encontrado em âmbar (resina). À direita um fóssil de abelhas onde se vê claramente as partes do corpo da abelha e em destaque a corbícula (cesta onde se deposita o pólen) na pata (Fotos publicadas em Ruttner, 1992).         



Figura 2: Nessa figura são mostradas pinturas com motivos apícolas em peças encontradas no Egito e na Grécia, datadas de  540 a 600 anos antes de Cristo (Fotos publicadas em Renner, 1970)        



Figura 3: Dança do requebrado. À esquerda é mostrado o ângulo formado entre a colméia, o sol e a fonte de alimento (flôr). À direita  é visto um quadro no qual é mostrada a direção da dança executada pela abelha dançarina no favo, na posição vertical dentro da colmeia (figuras publicadas em Gonçalves, 1972).       



Figura 4: Tipos de danças das abelhas: 1-dança em círculo, 2-dança em foice, 3-dança do requebrado. A abelha executa a dança sobre o favo após retornar da fonte de alimento (flôr).  (Figuras publicadas em Gonçalves, 1972).                                                     

 

BIBLIOGRAFIA  

Frisch, K. von .1953. The dancing bees. Mathuen & Co. Ltda. London. 183p.  

Frisch, K. von & M. Lindauer. 1956. The language and orientation of the Honey Bee. Annual Review of Entomology. Vol. 1:45-58.  

Gonçalves, L.S. 1969. A Study of orientation information given by one trained bee by dancing. J.Apic.Res. 8(3):113-132.  

Gonçalves, L. S. 1972. Comunicação em Apis. Cap. II de Manual de Apicultura. Org. por João M.F. Camargo. Editora Ceres.Piracicaba: 32-57.  

Kerr, W.E. 1960. Evolution of communication in bees and its role in speciation. Evolution, 14(3):386-387.  

Kerr, W.E. & H. Esch. 1965. Comunicação entre abelhas sociais brasileiras e sua contribuição para o entendimento da sua evolução. Cienc. Cult. 17(4):529-538.  

Lindauer, M. 1956. Uber die Verstandigung be indischen Bienen. Z.vergl.Physiol. 38:521-557.  

Lindauer, M. & W.E.Kerr. 1960. Communication between the workers of stingless bees. Bee World, 41(2):29-41; 41(3):65-71.  

Renner, M. 1970. von Bienen und Honig. Bentrup Druck Bielefeld. 44p.  

Ruttner, F. 1992. Naturgeschichte der Honigbienen. Ehrenwirth Verlag. Munchen. 357p.  

Spitzner, E. 1788. Ausfurliche Beschreibung der Korbbienenzucht in Sachsischen Churkreise, ihrer Dauer und ihres Nutzens, ohne Kunstlich Vermehrung noch der Grundem der Naturgeschichte und noch eigener langer Erfahrung. 466p.      


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