Artigo
 

FRACIONAMENTO E CARACTERIZAÇÃO DA APITOXINA

 

Amazile B.R.A. Maia (1,2) & Maria Patrícia S. Rocha (1)
(1) Engenheira química (2) Mestre em Alimentos, Doutora em Bioquímica
LABM Pesquisa e Consultoria - Belo Horizonte, MG (labm@labm.com.br).
Apoio financeiro: CNPq/RHAE e LABM


RESUMO

A apitoxina é um produto de extrema importância para a terapia da artrite e de grande valor no mercado internacional. Contudo, o produto brasileiro ainda tem uma participação restrita neste mercado, devido à carência de protocolos analíticos para atestar sua pureza e alergenicidade. Procurando suprir esta deficiência, caracterizou-se o perfil por cromatografia em coluna de quatro amostras de procedência conhecida (duas do Paraná, uma de Santa Catarina e uma de Minas Gerais). Alíquotas de 150 mg foram fracionadas em coluna de gel de Sephadex G-50 fine, recolhendo-se cerca de 300 frações cujas absorbâncias foram lidas em 280 nm. Três amostras apresentaram perfis praticamente idênticos, formados por dois picos pequenos e um terceiro bastante acentuado. No perfil da quarta amostra, os dois primeiros picos foram semelhantes às demais, mas o terceiro foi menos acentuado e apareceu ainda um quarto pico. Nesta amostra, determinaram-se o teor de proteínas solúveis e a faixa de pesos moleculares nos pool's das frações correspondentes a cada pico. Evidenciou-se que os componentes alergênicos foram recolhidos no primeiro (hialuronidase) e segundo (fosfolipase A2) picos; a melitina (principal agente terapêutico) concentrou-se no terceiro pico, que continha cerca de 50% das proteínas totais. O quarto pico continha parte dos componentes de menor peso molecular do terceiro. O fracionamento mostrou-se um recurso simples e potencialmente aplicável tanto para aferir a ausência de adulterantes como para obter frações da apitoxina com potencial alergênico atenuado.

Palavras-chave: apitoxina, veneno de abelha, fracionamento em gel, alergenicidade

1) INTRODUÇÃO

A apitoxina (veneno da abelha Apis mellifera) é uma mistura complexa de compostos orgânicos, incluindo enzimas, proteínas, peptídeos e aminoácidos isolados, que correspondem a mais de 90% do seu peso seco. A parte restante compõe-se de carboidratos e fosfolípides, em geral ligados quimicamente aos compostos nitrogenados. Quando fresca, contém 80 a 85% de água. (3, 15, 16). Suas propriedades anti-artríticas são historicamente reconhecidas. Sabe-se que Hipócrates (460 A.C.) já empregava ferroadas de abelha em seus procedimentos terapêuticos. Carlos Magno, no século VIII de nossa era, foi tratado com ferroadas de abelha para combater inflamações nas juntas (4).

A artrite é uma doença das juntas que causa dor intensa, restringe o movimento e até deforma o paciente. Não tem cura, sendo usualmente controlada por meio de drogas esteróides (cortisona, prednisona e dexametasona...), que são fortemente irritantes do sistema gástrico. Além disso, seu uso prolongado está relacionado a sérias complicações nas glândulas adrenal e pituitária, podendo ainda causar edema, queda da resposta imunológica, crescimento excessivo dos cabelos, irregularidades cardíacas e impotência (4, 7).

Ao longo da segunda metade do século XX, estudos científicos comprovaram as propriedades terapêuticas da apitoxina (4, 5, 20, 21, 22 entre outros). Em 1992, por exemplo, após acompanhar o tratamento com veneno de abelha em 108 pacientes artríticos que não tinham obtido sucesso nas terapias tradicionais, KIM (11) concluiu que, desde que o paciente não seja alérgico, a terapia do veneno é segura e altamente efetiva, sendo isenta de efeitos colaterais.

Os efeitos terapêuticos são atribuídos principalmente à melitina, peptídeo de peso molecular 2.846 D, que corresponde a cerca de 50% do peso seco da apitoxina (14, 18). As reações alérgicas, que atingem cerca de 1-2% da população, são atribuídas, principalmente, às enzimas fosfolipase A2 e hialuronidase. No veneno de abelhas, a primeira tem peso molecular em torno de 11.000 (1, 2, 9) e a segunda em torno de 40.000 D (6, 8, 10, 13).

No mercado internacional, a apitoxina chega a atingir 300 dólares o grama (17). Contudo, a participação neste mercado depende acentuadamente de garantias de pureza e qualidade. O objetivo deste trabalho foi testar a aplicação do Sephadex G-50 fine como recurso: (a) para se aferir a pureza da apitoxina bruta, mediante caracterização do perfil cromatográfico; (b) para se obter frações da apitoxina que associem ação terapêutica com alergenicidade reduzida.


2) MATERIAL E MÉTODOS

Foram fracionadas quatro amostras de apitoxina, fornecidas pela CONAP (Cooperativa Nacional de Apicultores - Belo Horizonte), sendo uma de Minas Gerais, uma de Santa Catarina e duas de diferentes regiões do Paraná (Paraná "1" e "2"). A coluna cromatográfica (vidro transparente, diâmetro interno 14,5 mm e altura 1950 mm) foi previamente testada com resinas de Sephadex G-25 medium e G-50 medium e fine, utilizando alíquotas de uma das amostras. Pelos resultados preliminares selecionou-se a resina de Sephadex G-50 fine. Para cada fracionamento, uma alíquota de 150 mg do veneno foi diluída duas vezes em 1,0 mL de solução tampão de formiato de amônio (pH 4,5) e centrifugada (10.000 rpm/5 min.). Reuniram-se os sobrenadantes, eluindo a mistura com a solução tampão, à vazão de 7,8 mL/h. Foram recolhidas cerca de 300 frações, a intervalos de 10 minutos, medindo-se as respectivas absorbâncias em 280 nm. Pelo gráfico dos resultados (Figura 1) foram caracterizados os perfis cromatográficos das amostras. Em uma delas (Paraná-2) as frações correspondentes aos picos foram reunidas em pool's, nos quais foram determinados os teores de proteínas solúveis, conforme LOWRY et al. (12). Os pool's foram então liofilizados e pesados, sendo redissolvidos em volumes definidos de solução tampão de formiato de amônio 1 mM, para serem dialisados em membrana Spectra Por (porosidade 2000 D) e submetidos a eletroforese em placa de SDS PAGE 17,5%. Após revelação por coloração Prata (19), os pesos moleculares das bandas evidenciadas foram estimados mediante comparação com padrões de peso molecular conhecido na faixa de 2.520 (mioglobina) a 66.000 (albumina bovina).

3) RESULTADOS E DISCUSSÃO

3.1- Perfis cromatográficos


Na Figura 1(a) encontram-se os perfis cromatográficos de três amostras (Minas Gerais, Santa Catarina e Paraná-1). Observa-se que os resultados foram praticamente idênticos, consistindo de dois picos iniciais, de menor tamanho, e um terceiro bastante acentuado. Em (b) apresentam-se os perfis de duas amostras do mesmo Estado (Paraná-1 e Paraná-2). À diferença das demais, observa-se que, na amostra Paraná-2, o terceiro pico foi de menor tamanho, sendo que ocorreu ainda um quarto pico. Esta amostra foi selecionada para os testes subseqüentes.

(a)
(b)

Figura 1 - Perfis cromatográficos em gel de Sephadex G-50 fine de amostras de apitoxina brasileira bruta de diferentes procedências


3.2- Caracterização dos picos

Além dos pool's correspondentes aos quatro picos evidenciados pela amostra Paraná-2, foi constituído um quinto pool com 50 tubos posteriores ao último pico, que mostraram absorbâncias entre 0,05 e 0,22. As leituras abaixo de 0,05 foram desprezadas. Na Tabela 1, apresentam-se os teores de proteínas de cada pool.

 

Tabela 1

Teores de proteínas nas frações da apitoxina bruta (amostra Paraná-2)


Pool

Proteínas
mg
%
1
9,4
6,3
2
35,5
23,7
3
70,4
46,9
4
12,5
8,3
5
22,2
14,8
Total
150,0
100,0

Na Tabela 2, encontram-se as faixas de peso molecular das bandas evidenciadas pelos pool's no teste de eletroforese. O pool 5 não apresentou bandas, indicando que a maior parte de seus componentes tinha peso molecular abaixo de 2.000 D, sendo, por este motivo, removidos juntamente com os sais, durante a diálise.

Tabela 2

Faixas de pesos moleculares da apitoxina (Paraná-2)

Pool

Peso molecular (D)
Faixa (aprox.)
Predominância
1
> 24.000 - 70.000
30.000
2
6.500 - 24.000
6.500 - 14.000
3
2.000 - 7.000
2.500 - 4.000
4
2.000 - 2.500
2.500
5
...
< 2.000 (*)

(*) presumida face à ausência de bandas na eletroforece

Juntos, os pool's 3 e 4 da apitoxina Paraná-2 continham acima de 50% dos componentes nitrogenados (Tabela 1) com pesos moleculares entre 2 e 7 mil daltons (Tabela 2). Nas demais amostras fracionadas (Figura 1-a) não ocorreu um quarto pico. Nelas, porém, a área do terceiro pico foi acentuadamente superior à da amostra caracterizada. Assim, pode-se inferir que seus teores de peptídeos na faixa de baixo peso molecular eram equivalentes ou até mesmo superiores aos da amostra Paraná-2. Nesta última, pode-se considerar a ocorrência do pico 4 como um desdobramento ocasional do pico 3, correspondente à sua faixa inferior de peso molecular. Observando as faixas de pesos moleculares correspondentes aos picos iniciais (Tabela 2), pode-se inferir que os alergênicos hialuronidase e a fosfolipase A2 foram recolhidos, respectivamente, no primeiro e segundo picos.


4) CONCLUSÃO


O fracionamento em coluna de Sephadex G-50 fine permitiu tipificar o perfil cromatográfico da apitoxina bruta e isenta de contaminantes, que está relacionado às proporções específicas de seus componentes nitrogenados nas diversas faixas de peso molecular. A aplicação deste procedimento a amostras de procedência desconhecida constitui um primeiro recurso para aferição de sua pureza. Ocorrendo divergência do padrão esperado, deve-se efetuar a dosagem de proteínas em cada pico e verificar as faixas de peso molecular correspondentes. A cromatografia em coluna associa simplicidade operacional com baixo custo, podendo ser empregada em grande número de laboratórios. Com isso, espera-se contribuir para reforçar a credibilidade do produto nos mercados interno e internacional, resgatando seu importante e talvez insubstituível papel na terapia da artrite.


5) REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1- AMERATUNGA R. V. et al. A high efficiency method for purification and assay of bee venom phospholipase A2. Pathology, 27 (2): 157-60. 1995,
2- BLASER, K. et al. Determinants and mechanisms of human immune responses to bee venom phospholipase A2. Int. Arch. Allergy Immunol., 117 (1): 1-10. 1998.
3- BLUM, M. S. Chemical defenses in arthropods. New York, Academic Press, 1981.
4- BROADMAN, J. Bee Venom - The Natural Curative for Arthritis and Rheumatism. New York: Putnam and Sons. 1962. 224 p.
5- CHANG,Y.H & BLIVEN,M.L. Anti-arthritic effect of bee venom, Agents Actions, 9: 205-11. 1979.
6- COTTRELL, R.C. Phospholipase A2 from bee venom. Methods Enzymol., 71: 698-702. 1981.
7- COUTINHO, A.C. Dicionário Enciclopédico de Medicina. Rio de Janeiro, Livr. Luso-Espanhola e Brasileira, 1980. 4 v.
8- DENNIS, E.A. The Enzymes, 3 ed. (Boyer, P.D., ed.), 16; 307-53. 1983.
9- DHILLON, M et al. Mapping human T cell epitopes on phospholipase A2: the major bee-venom allergen. J. Allergy Clin. Immunol., 90 (1): 42-51. 1992.
10- GMACHL, M. & KREIL, G. Bee venom hyaluronidase is homologous to a membrane protein of mammalian sperm. Proc. Natl. Acad. Sci. USA, 90 (8): 3569-73. 1993.
11- KIM, C.M.M. Bee venom therapy and bee acupuncture therapy (Medical textbook for physicians and acupuncturists. Seul, South Korean Ed., 1992. 550 p.
12- LOWRY, O.H. et al. Protein measurememt with the folin phenol reagent. J. Biol. Chem., 193: 265-75. 1951.
13- ORLOV,B. N. et al. Sur quelques propriétés du venin d'abeille. XXVIII Apimondia Congress, Acapulco, México, p.472 (abstract).
14- SAINI,S.S. et al. Melittin binds to secretory phospholipase A2 and inhibits its enzymatic activity. Biochem. Biophys. Res. Commun., 238 (2): 436-42. 1997.
15- SCHMIDT, J. O. In: PIEK, T. Ed. Venoms of the hymenoptera. London. .Academic Press, 1986. p. 425-508.
16- SCHMIDT, P. J. et al. The detoxification of ant (Pogonomyrmex) venom by a blood factor in horned lizards (Phrynosoma). Copeia 19: 603-7. 1989.
17- SIMICS, M. (Canada). Bee Venom Therapy and Multiple Sclerosis. A Bibliography, Reference and Research Guide. Apitronic Services, comp, 1998. 40 p.
18- SZOKAN., G.Y. et al. Liquid chromatographic analysis and separation of polypeptide components from honey bee venoms. J. Liquid Chromatog.,17(16): 3333-49. 1994.
19 - SWITZER, R.C. et al. Anal. Biochem., 98: 231-5. 1979.
20- VICK,J.A. & SHIPMAN,W.H. Effects of whole bee venom and its fractions apamin and melittin) on plasma cortisol levels in the dog. Toxicon, 10: 377-80. 1972.
21- VICK, J.A. et al. Effect of bee venom and melittin on plasma cortisol in the unanesthetized monkey. Toxicon, 10:.581-6. 1972.
22- VICK,J.A. & BROOKS R. B. JR. Pharmacological studies of the major fractions of bee venom. American Bee .J.: 288-9. 1978.


  Retorna à página anterior