Artigo


TRANSPORTE DE COLÔNIAS DE MELIPONÍNEOS PARA CURTAS DISTÂNCIAS E SUA RELAÇÃO COM A PERDA DE CAMPEIRAS (HYMENOPTERA, APIDAE, MELIPONINAE)

AIDAR, D.S.; ROSSINE, J.F.
Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia-INPA, Av. André Araújo, 1756, Petrópolis, 69083-000, Manaus, AM.
 

ABSTRACT

Transfer of Melipona colonies to a short distance and its relationship with the lost of workers bees (Hymenoptera, Apidae, Meliponinae)

    During the transference of stingless bees colonies, is necessary to respect the distance of the workers flight, that is the minimum distance to move the hives without workers returning to the original place. If the hives are changed to a short distance, the workers return to the original place of the hive in great numbers. The moved colony can die due to the workers loss. The number of workers that came back to the original place of the hive during the transference of colonies to a short distances was estimated to Melipona seminigra merrillae, Melipona rufiventris e Melipona compressipes manaosensis. Melipona seminigra merrillae colonies loose 261,33 workers when their colonies were moved to 25 m from its the original place and 53,66 workers were lost when it was moved to 150 m. This shows a difference of 207,67 workers (or 79,46%) and is evident that larger the distance less workers return. Considering the number of workers in the three species above like 800, 1.600 and 2.000 and a change from the original place of the hive to 25 m, the lost of workers represented 4,34%, 6,75% and 13,06% of the total field bees in the colonies, respectively.

1. Introdução

    A transferência de colônias de meliponínios deve seguir cuidados básicos para não haver morte de abelhas, imagos, larvas novas e crias em fase de ovo. Em Southwick (1992) foram discutidos a flexibilidade e os limites da capacidade que as abelhas têm de alterar o ambiente interno das colmeias, proporcionando condições ideais para o desenvolvimento das crias e trabalho dos indivíduos da colônia. O alimento larval é líquido e os ovos são postos pela rainha fisogástrica de maneira a ficarem na posição vertical sobre o alimento (Figura 1). Após a eclosão, a larva deita-se sobre o alimento, iniciando a sua alimentação (Rossini, 1989). Permanece nesta posição até a fase pré-defecante, adquirindo a posição vertical. Durante o transporte de colônias, os solavancos fazem com que a maioria dos ovos tombe sobre o alimento, ocasionando a morte do embrião por asfixia. Quando o embrião morre, as células dos favos são destruídas pelas operárias para realizarem a limpeza e reutilizarem a cera e o alimento contido na célula. Os favos com embriões mortos são desmanchados para a construção de novas células de crias. Isto significa um prejuízo enorme para a colônia, que disponibilizará energia para os reparos dos danos causados pelo transporte mal orientado, interrompendo o desenvolvimento da colônia. Para colônias iniciais, isto significa um atraso considerável no seu desenvolvimento, podendo até causar a morte da colônia por falta de crias ou por ataque de forídeos devido ao cheiro do alimento larval exposto pela destruição das células de crias pelas operárias. Muitas vezes o meliponicultor perde colônias inteiras dias após o transporte, sem conhecer ao certo a causa das mortes que, popularmente, é atribuída à fuga das abelhas. Isto não ocorre porque a rainha fisogástrica dos meliponineos não pode voar por apresentar o abdome muito pesado.
 
 


Figura 1. Vista superior do favo de crias de Melipona seminigra merrilae, evidenciando uma célula aberta com alimento larval (a) e um ovo (o) posto pela rainha fisogástrica que aparece como um ponto branco ao centro da célula.

    Qualquer movimentação estranha no exterior da colmeia, provocando barulho ou cheiros adversos, desencadeia um comportamento de defesa pelas operárias. Ocorre então, a saída de operárias guardas para defenderem o ninho de qualquer predador ou intempérie ambiental que exista. Estes fatos podem ser simulados quando a colmeia é deslocada ou manipulada pelo meliponicultor. Assim, antes de transportar as colmeias, suas entradas devem ser vedadas com tela para que haja ventilação e evitar a saída de campeiras que se perderão durante o transporte. Estas telas devem ser de metal, pois existem espécies que possuem mandíbulas fortes e em poucas horas cortam as telas de material plástico, como é o caso da jupará (Melipona compressipes manaosensis) e sanharão (Trigona truculenta) (Figura 2). Estas espécies cortam as telas plásticas em menos de 12 horas.
 
 


Figura 2. Espécies de meliponíneo que cortam telas plásticas quando colocadas na entrada da caixa para serem transportadas. A) Vista frontal da entrada de ninho de jupará (Melipona compressipes manaosensis); B) Operárias de sanharão (Trigona truculenta) coletando resina do tronco de árvore.

    A distância do raio de ação das campeiras indica o quão longe podem voar para coletar alimento. Esta distância é uma indicação da distância mínima para levar as colmeias sem que haja retorno de campeiras para o local de origem e é específica para cada espécie de abelha. Frish (1984) estudou o sistema de orientação e vôo das abelhas mostrando que elas têm memorizado o local de sua colmeia considerando vários fatores como o sol, a paisagem próxima á colmeia, bem como objetos que se situam próximos a colmeia. Campeiras adultas, dificilmente aprendem novas informações caso não haja um número considerável de repetições no aprendizado. Pessotti (1972 e 1981) estudou em laboratório o condicionamento de campeiras de uruçu-amarelo de Brasília, DF (Melipona rufiventris) para coleta de alimento e mostrou ser esta espécie mais fácil de ser condicionada.

    Diante destas informações alguns procedimentos devem ser obrigatoriamente seguidos para evitar o retorno de campeiras para o local de origem quando se mudam as colmeias de lugar. Para transferência da colmeia a distâncias inferiores ao raio máximo de ação das operárias, deve-se muda-la de local gradativamente, de metro em metro, até o local definitivo para que as campeiras sejam condicionadas às novas mudanças ou simplesmente levar as colônias para distâncias maiores do que o raio de vôo das abelhas da espécie em questão, deixando-as neste local por 20 a 30 dias e depois poderão ser levadas para o local desejado, próximo ao local de origem. Isto promove o descondicionamento e uma nova aprendizagem ou permite a morte por envelhecimento daquelas campeiras que tinham a memória associada ao local original da colmeia.

2. Objetivos

    Quantificar o número de campeiras que se perde ao transferir colônias de meliponínios para distâncias inferiores ao raio de ação das campeiras.

    Estudar a capacidade de orientação das abelhas Melipona seminigra merrillae, Melipona rufiventris e Melipona compressipes manaosensis com relação à localização da colônia.

3. Material e Métodos

    Os experimentos foram realizados no meliponário do INPA-Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia, Av. André Araújo, 1756, Petrópolis, Manaus, AM e no Meliponário Sant’Ana, Rodovia Cacau-Pereira/Manacapuru, Km 58, AM. Quatro colônias de cada uma das espécies Melipona seminigra merrillae, Melipona rufiventris e Melipona compressipes manaosensis, foram levadas para 25m, outras 4 de cada uma dessas espécies foram levadas para 150m distante do local de origem. As colônias estudadas apresentavam notas acima de 6,0 (Aidar, 1995 e 1996). Foram fechadas no final do dia e transportadas. Para cada colônia transferida, caixas reservas foram numeradas com identificação referente às colônias transferidas e colocadas no local original para receber as campeiras que retornaram no outro dia. Ao anoitecer deste dia, as caixas receptoras das campeiras foram fechadas e levadas para um freezer a ± 4ºC a fim de imobilizar as campeiras. Estas foram contadas e deixadas à temperatura ambiente para que abelhas retornassem às colmeias de origem, que foram novamente colocadas no seu local original após a contagem das abelhas.

4. Resultados e Discussão

    O número de abelhas que retornaram ao local de origem da colmeia após esta ter sido deslocada 25m e 150m encontra-se na Tabela 1 e Figura 4. Nota-se que a média de abelhas que retornaram, para cada espécie estudada, está relacionada ao número total de abelhas na colônia, respectivo à espécie. Para as abelhas jupará, que têm menos indivíduos por colônia (em média, 800 abelhas/colônia, Kerr & Aidar c.p.) o número relativo foi menor e o oposto para uruçu-boca-de-renda, que tem maior população. Esta relação varia conforme a população total da espécie estudada.
 
 
 

Espécie M. s. merrillae Melipona rufiventris M. c. manaosensis
  Colônia
Nº abelhas
% na colônia (2)
Nºabelhas
% na colônia (2)
Nºabelhas
% na colônia (2)
 
1
265
13,25%
102
6,38%
47
5,88%
 
2
184
9,20%
110
6,88%
43
5,38%
Distância
3
278
13,90%
98
6,13%
11
1,38%
25m
4
300
15,00%
117
7,31%
38
4,75%
 
5
266
13,30%
113
7,06%
41
5,13%
 
6
275
13,75%
108
6,75%
40
5,00%
Total  
1568
 
648
 
220
 
Média
261,33
13,07%
108,00
6,75%
36,67
4,58%
Desvio Padrão 
15,07
0,75%
10,04
0,63%
5,91
0,74%
Coefic. de Var.  C.V
6%
6%
9%
9%
16%
16%
                   
Nº abelhas/colônia 
2000
   
1600
   
800
   
  
7
45
2,25%
27
1,69%
21
2,63%
  
8
60
3,00%
40
2,50%
15
1,88%
Distância
9
56
2,80%
36
2,25%
12
1,50%
150 m
10
50
2,50%
33
2,06%
10
1,25%
  
11
57
2,85%
39
2,44%
16
2,00%
  
12
54
2,70%
36
2,25%
15
1,88%
Total   
322
 
211
  
89
  
Média   
53,67
2,68%
35,17
2,20%
14,83
1,85%
Desvio Padrão   
7,23
0,36%
5,86
0,37%
3,82
0,48%
Coefic. de Var.  C.V
13%
13%
17%
17%
26%
26%
                     
Nº abelhas/colônia 
2000
  
1600
 
 800
  
(1) Valor Estimado (Kerr & Aidar c.p.)          
(2) Porcentagem de retorno relativo ao total (1) estimado        
Tabela 1. Porcentagens, médias, desvio padrão e coeficiente de variância do número de abelhas campeiras que retornaram ao local de origem quando deslocada à distâncias de 25 e 150m.
Figura 4. Representação gráfica do número de abelhas que retornaram quando as colmeias foram deslocadas para distâncias de 25 e 150m para as espécies Melipona seminigra merrillae (1), Melipona rufiventris (2) e Melipona compressipes manaosensis (3).

    Cem abelhas de meliponíneos representam 1 a 2 dias de postura da rainha fecundada, o que induz a um desgaste energético considerável para a colônia e para a rainha fisogástrica. Para colônias fracas isto pode representar sua morte, pois fica susceptível aos predadores quando perde grande número de campeiras.

    Colônias de Uruçu-boca-de-renda perderam 261,33 campeiras quando deslocadas para 25 m do local onde estavam e 53,66 campeiras quando deslocadas para 150 m. Isto mostra uma diferença de 207,67 campeiras a menos ou 79,46%, indicando que quanto maior a distância, menos campeiras são perdidas. Sabemos que a distância mínima recomendada está em torno de 1.500 m (Aidar, 1996 e Kerr c.p.).

    Considerando o número de abelhas numa colônia de jupará, uruçu-amarelo e uruçu-boca-de-renda igual a 800, 1.600 e 2.000 (Kerr & Aidar c.p.), então para um deslocamento de 25m, a perda de campeiras representa 4,34%, 6,75% e 13,06% do total de abelhas da colônia, respectivamente. Nota-se que a espécie jupará é a que menos perde campeiras, proporcionalmente às outras duas espécies e quase não visita o alimentador coletivo quando este é colocado próximo ao meliponário. Este comportamento diferenciado deve ser mais bem estudado para esclarecer mais sobre o mecanismo de orientação das abelhas jupará.

5. Conclusões

    Existe relação inversa entre a proporção do número de abelhas que retornam com a distância que se desloca a colmeia. Para Melipona seminigra merrilae, aumentando em 6 vezes (25 para 150m) a distância, ocorre uma diminuição de 5 vezes (256,75 para 52,75 abelhas) no número de abelhas que retornam; Melipona rufiventris, 7,46 vezes menos (35,10 para 4,7) campeiras e 3,94 (14,83 para 3,76) para Melipona compressipes manaosensis.

    Quanto mais longe é o deslocamento da colméia, menor é o número de abelhas que retornam ao local de origem. Caso esta distância atinja o limite do raio de vôo da espécie estudada, nenhuma campeira retorna ao local de origem. Para evitar a perda de abelhas quando as colmeias são transferidas de local, deve-se deslocá-las de 0,5m em 0,5m, de hora em hora, até o local desejado ou levá-la de uma só vez para uma distância superior a 2.500m, que corresponde à aproximadamente o raio de ação dos meliponíneos estudados neste experimento.

Agradecimentos

    Agradecemos ao CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) e ao INPA (Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia) pelo apoio financeiro. Ao Dr. Warwick Estevam Kerr pelas informações sobre biologia das abelhas da Amazônia e sugestões, que enriqueceram o conteúdo deste trabalho.

6. Bibliografia

AIDAR, D.S. (1995). Multiplicação Artificial e Manejo de Colônias de Melipona quadrifasciata Lep. (Hymenoptera, Apidae, Meliponinae). Tese, Universidade Federal de Viçosa, MG, 85p.

AIDAR, D.S. (1996). A Mandaçaia: Biologia de abelhas, manejo e multiplicação artificial de colônias de Melipona quadrifasciata Lep. (Hymenoptera, Apidae, Meliponinae). Bras. Journ. Genet., Série Monografias 4, 103p.

FRISCH, K.V. (1984). La vida de las abejas. 4ª ed. Editorial Labor, S.A., Barcelona, Espanha, 127-149pp.

PESSOTTI, I. (1972). Discrimination with stimuli and lever pressing response in Melipona rufiventris Lepeletier. J. Apic. Res. 11(2):89-93.

PESSOTTI, I. (1981). Aprendizagem em abelhas VI. Discriminação condicional em Melipona rufiventris. Rev. Bras. Biol. 41(4):681-693.

ROSSINI, S.A. (1989). Caracterização das mudas ontogenéticas e biometria dos corpora allata de Melipona quadrifasciata anthidioides Lep. (Hymenoptera, Apidae). Tese, Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Rio Claro, SP, 82pp.

SOUTHWICK, E.E. (1992). Physiology and social physiology of the honey bee. In: The hive and the honey bee 5:171-193. Ed. Dadant & Sons, Hamilton, Illinois.

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