Artigo
 
 

NOVAS FRONTEIRAS PARA A PRÓPOLIS

"A PRÓPOLIS NA NUTRIÇÃO DE RUMINANTES"

DEOLINDO STRADIOTTI JÚNIOR, AUGUSTO CÉSAR DE QUEIROZ , ROGÉRIO DE PAULA LANA,
POLIANA MARY MAGALHÃES NUNES E MARCUS VINICIUS MORAIS DE OLIVEIRA
Universidade Federal de Viçosa – UFV, Departamento de Zootecnia, CEP 36571-000, Viçosa – MG,


    1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS

    Encontra-se em andamento na Universidade Federal de Viçosa (UFV-MG), pesquisas para estudar a aplicabilidade da própolis como aditivo nutricional para ruminantes1. Os primeiros resultados mostram-se favoráveis à continuação dos estudos, podendo a própolis vir a ser requisitada em grande escala para esse fim. Ademais, já fora apresentada, por outros artigos nesta mesma revista, a importância da própolis brasileira no contexto mundial, quanto ao seu valor terapêutico.

    Abaixo, segue texto explicativo, procurando elucidar o por que do possível uso da própolis na nutrição de ruminantes, assim como a exposição parcial dos primeiros resultados das pesquisas realizadas com própolis no Departamento de Zootecnia da UFV.

    1.1  Os ruminantes e suas particularidades digestivas

    Os ruminantes são considerados animais "gastricamente evoluídos" por conterem um estômago com quatro compartimentos, sendo o primeiro destes compartimentos, o rúmen, o responsável por esta classificação. Ocorre que a existência do rúmen permite a ingestão e digestão parcial de carboidratos estruturais, principalmente da celulose, material abundante na face da terra, porém sem utilização direta pelo homem. Esta digestão diferenciada explica-se pela presença, no rúmen, de uma fauna e flora microbiana constituída de bactérias, protozoários e fungos que convivem em simbiose com o animal.

    Dentre os microrganismos presentes, as bactérias desempenham papel fundamental na digestão dos alimentos ingeridos pelo animal, pois através de fermentação ruminal dos carboidratos produzem ácidos graxos voláteis2 , principal fonte de energia para os ruminantes. Também através da hidrólise e desaminação de proteínas e por intermédio da hidrólise de lipídios, esses microrganismos produzem energia. Ainda, sintetizam aminoácidos e vitaminas, essenciais ao animal hospedeiro.

    "POTENCIALIZAR ESSA SIMBIOSE ATRAVES DE MANIPULAÇÕES RUMINAIS, OBJETIVANDO OBTER MELHOR DESEMPENHO ANIMAL (PRINCIPALMENTE PRODUÇÃO DE LEITE E CARNE) É UMA DAS PRINCIPAIS TAREFAS DO NUTRICIONISTA DE RUMINANTES."

    1.2    Como manipular

    Um dos caminhos encontrado para melhorar o desempenho animal, através da manipulação dos microrganismos, é o de inibir o crescimento de bactérias gram-positivas responsáveis por alguns processos de fermentação ruminal considerados ineficientes ou mesmo prejudiciais. Dentre esses processos que devem ser minimizados, inclui-se a degradação da proteína do alimento. É importante que a maior parte dessa proteína, na forma de proteína verdadeira (que não seja nitrogênio não protéico), uma vez ingerida, escape à digestão no rúmen, devida ao ataque dos microrganismos, e seja aproveitada pelo último saco gástrico (abomaso), onde ocorre a digestão enzimática do alimento (digestão semelhante à que ocorre com humanos e outros monogástricos). O escape dessa proteína verdadeira ao ataque de microrganismos têm dupla finalidade: diminuir os custos de produção pelo aumento da eficiência do uso do nutriente mais caro da alimentação desses animais (a proteína) e a segunda finalidade, sendo consequência da primeira, que é a diminuição da contaminação do solo e cursos d’água e de plantas pela diminuição da excreção de uréia na urina dos animais.

    A inibição dessas bactérias gram-positivas causa um outro efeito benéfico, tanto ao desempenho do animal quanto à poluição ambiental que é a diminuição da produção de metano (gás responsável pela destruição da camada de ozônio). Para se ter uma idéia, um bovino adulto chega a produzir mais de 400 litros de gás por dia ( metano + dióxido de carbono), liberado no meio, principalmente por eructação. Hoje, o rebanho bovino mundial é de mais de 1 bilhão de cabeças. Alguns pesquisadores alertam para o fato dos ruminantes serem os animais que mais contribuem para a emissão de metano na atmosfera, na proporção de 27%.

    1.2.1 Os antibióticos e a inibição das bactérias gram-positivas no rúmen

    Dentre as alternativas para se manipular o rúmen com vistas a controlar a atividade e o crescimento das bactérias gram-positivas, a utilização de antibióticos ionóforos (principalmente monensina e lasalocida) têm se mostrado eficiente. Ocorre que os mercados consumidores (principalmente os grandes mercados importadores) têm expressado intolerância a produtos de origem animal originados de animais alimentados com aditivos dessa natureza. E esta mostra-se uma tendência determinista no sucesso da comercialização desses produtos.

    1.2.3    A própolis como aditivo natural para ruminantes

    A atividade antimicrobiana da própolis ocorre pela inibição de bactérias classificadas como gram-positivas (GHISALBERTI,1979; VARGAS et al.,1994; GOULART,1995; PARK et al.,1998; PARK et al., 2000), tendo sido constatada recentemente a inibição, tanto "in vitro" ( VARGAS et al., 1994), quanto "in vivo" (PINTO, 2000) do crescimento de bactérias gram-positivas, responsáveis pela incidência de mastite em bovinos leiteiros. Entretanto, não há relatos da aplicabilidade da própolis como aditivo nutricional para ruminantes e de seus efeitos sobre a população microbiana ruminal. Se a própolis atua sobre as bactérias gram-positivas ruminais, espera-se que sua adição à ração e em cultivos de microrganismos "in vitro", assim como ocorre com os ionóforos, iniba o crescimento de bactérias proteolíticas e, consequentemente, a desaminação e a proteólise (iniba a digestão da proteína verdadeira no rúmen). Espera-se ainda que ocorra a inibição de bactérias produtoras de lactato, o que permitiria ao nutricionista explorar o vigor produtivo dos animais através do aumento da quantidade de concentrado na ração, sem riscos de ocorrência de acidose lática (disturbio bastante comum, principalmente em vacas leiteiras de alta produção). Por fim, espera-se uma inibição direta ou indireta da produção de metano, com conseqüente economia de energia no processo digestivo do animal, além da diminuição da poluição ambiental.

2.     Algumas considerações sobre os resultados3 dos primeiros ensaios realizados com a própolis em nutrição de bovinos na UFV-MG

 
 
AÇÃO DA PRÓPOLIS SOBRE MICRORGANISMOS RUMINAIS DESAMINADORES DE AMINOÁCIDOS E SOBRE ALGUNS PARÂMETROS DE FERMENTAÇÃO NO RÚMEN

DEOLINDO STRADIOTTI JÚNIOR, AUGUSTO CÉSAR DE QUEIROZ , ROGÉRIO DE PAULA LANA ,
POLIANA MARY MAGALHÃES NUNES, MARCUS VINICIUS MORAIS DE OLIVEIRA



    2.1 Objetivos

    Objetivou-se, através deste trabalho, determinar a ação da própolis sobre microrganismos ruminais, quanto às suas atividades de desaminação "in vitro" de aminoácidos e quanto a fermentação ruminal em bovinos recebendo dieta contendo 35% de concentrado.

    2.2    Metodologia para obtenção do extrato de própolis

    Na obtenção do extrato de própolis (solução estoque), utilizou-se 30 g de própolis bruta triturada em 100 ml de solução alcoólica (70 ou 99,5% de etanol em água), por um período de dez dias, seguido de filtragem em papel de filtro. Foram feitas diluições da solução estoque utilizando-se 0,0, 16,7, 33,3, 50,0, 66,7, 83,3 e 100,0% da mesma, completando-se os 100% com a respectiva solução alcoólica.

    Obs.: As diluições acima se eqüivalem a 0,5/10 – 1,0/10 – 1,5/10 – 2,0/10 – 2,5/10 e 3,0/10 P/V, respectivamente.

    Medições "in vitro" e no animal

    Obs.: outros passos metodológicos para a realização dos experimentos "in vitro" (laboratório) e "in vivo" (com animais) , vide trabalho original4

    3.0  Resultados do experimento "in vitro" (em laboratório) quanto à potencialidade das diferentes concentrações de própolis e tipo de extração em inibir o crescimento bacteriano do rúmen

    Os extratos de própolis obtidos por ambas as técnicas (extração em etanol e etanol hidratado) foram eficientes em reduzir a AEPA pela população microbiana ruminal (Figura 1).

     A extração com 70% de etanol foi mais eficiente, pois mesmo quando diluída a 33,3% (eqüivale ao extrato 1/10 p/v) causou os maiores valores de inibição (78%). PARK e colaboradores (1998) também observaram maior porcentagem de inibição do crescimento microbiano, proporcionado pelos extratos etanólicos de própolis a 60, 70 e 80% ( extratos hidratados ), com decréscimos nesta atividade nas porcentagens mais altas de etanol (90 e 95%). Segundo WOISKY e SALATINO (1998) e PARK e colaboradores (1998) a técnica do etanol hidratado tem apresentado maior poder de extração dos compostos terapêuticos da própolis.

    3.1 Comparando os resultados de inibição "in vitro" da própolis com os resultados de estudos "in vitro" com o antibiótico monensina

    Em trabalhos "in vitro", a monensina (5 micro molares) diminuiu de 33% a 36% a AEPA pela população microbiana, quando incubada num meio contendo 15 g/L de caseína hidrolisada (CHEN e RUSSELL, 1991; YANG e RUSSELL, 1993a). Esses valores mostram-se inferiores aos observados com a própolis no presente trabalho (Figura 1), indicando que a própolis tem potencial para reduzir a atividade de desaminação ruminal.

    4.    Síntese dos Resultados "in vivo"

    A própolis inibiu (P<0,001) a AEPA pelos microrganismos ruminais, indicando que, apesar de não ter reduzido o nível ruminal de amônia, há o potencial deste efeito ocorrer em outras situações e a própolis vir a ser utilizada em dietas contendo alta taxa de proteína degradável/carboidrato fermentescível, como no caso de animais em pastagens novas de gramíneas , pastagens de gramíneas consorciadas com leguminosas ou suplementados à pasto.

CONCLUSÃO

    A própolis foi eficiente em inibir a atividade de desaminação de aminoácidos "in vitro" e "in vivo" pelos microrganismos ruminais.

    Encontram-se em andamento no Departamento de Zootecnia da UFV, Novas pesquisas para verificar o efeito da própolis sobre outros parâmetros da fermentação ruminal e sobre o desempenho dos animais. Em se confirmando a aplicabilidade da própolis na nutrição bovina (ruminantes), um novo e promissor mercado para esse subproduto da apicultura deverá se definir num futuro próximo.
 
 

Figura 1 – Efeito de níveis de solução estoque contendo extrato de própolis, em diluição com o mesmo álcool usado na extração, sobre a atividade específica de produção de amônia (AEPA) ou atividade de desaminação, em nmol NH3/mg de proteína microbiana/minuto de incubação, por microrganismos ruminais incubados anaerobicamente a 39oC em meio contendo 15 g/L de caseína hidrolisada (trypticase).
 

TABELA 1 - Efeito da adição de extrato de própolis sobre o consumo de matéria seca (CMS), pH, concentrações de amônia (NH3) e proteína microbiana (PM) no líquido ruminal e atividade específica de produção de amônia (AEPA) por microrganismos ruminais, em novilhos


 
  
Tratamentos
     
Parâmetros
Controle
Própolis
EPM
P <
CMS (kg/animal/dia)
10,88
10,52
1,487
0,87
pH ruminal
6,36
6,52
0,105
0,31
NH3 ruminal (mM)
4,89
5,56
0,343
0,22
Proteína microbiana (PM) (mg/l) 2997,2 3076,2 194,029
0,78
AEPA (nmol/mg PM/minuto) 11,65 8,10
0,373
0,001
EPM = erro padrão da média; P = significância estatística.

1 Principais Ruminantes Domésticos – Bovinos, Caprinos e Ovinos
2 Principais Ácidos Graxos Voláteis- AGV (fórmico, acético, propiônico, butírico, lático e succínico)
3 Alguns termos e forma de enfatizar os resultados estão, propositadamente, modificados em relação ao trabalho original , pelo fato de objetivar-se facilitar o entendimento às pessoas de outras áreas profissionais;
4 Trabalho original : contactar


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


 
 
CHANEY, A.L., MARBACH, E.P. 1962. Modified reagents for determination of urea and ammonia. Clin. Chem., 8:130-132.

CHEN, G., RUSSELL, J.B. 1991. Effect of monensin and a protonophore on protein degradation, peptide accumulation, and deamination by mixed ruminal microorganisms in vitro. J. Anim. Sci., 69:2196-2203.

GHISALBERTI. E.L. 1979. Propolis; a review. Bee World, 60:59-84.

GOULART, C.S. Estudos preliminares sobre atividade "in vitro" do extrato etanólico de própolis (EEP) no combate a bactérias isoladas de processos infecciosos de animais. Salvador, BA: UFBA, 1995. 18p. Monografia - Escola de Medicina Veterinária - Universidade Federal da Bahia, 1995.

LOWRY, O.H., ROSEBROUGH, N.J., FARR, A.L. et al. 1951. Protein measurement with the Folin phenol reagent. J. Biol. Chem., 193:265-275.

PARK, Y.K., KOO, H, IKEGAKI, M. et al. 1998. Effect of propolis on Streptococcus mutans, Actinomyces naeslundii and Staphylococcus aureus. Rev. Microbiol., 29:143-148.

PARK, Y.K., IKEGAKI, M., ALENCAR, S.M. 2000. Classificação das própolis brasileira a partir de suas características físico-químicas e propriedades biológicas. Mensagem Doce, 58(9):02-07.

PINTO, M.S. Efeito antimicrobiano de própolis verde do Estado de Minas Gerais sobre bactérias isoladas do leite de vacas com mastite. Viçosa, MG: UFV, 2000. 92p. Dissertação (Mestrado em Medicina Veterinária) - Universidade Federal de Viçosa, 2000

VARGAS, A.C., POCAI, E.A., FONTANA, F.Z. et al. Dados parciais do teste "in vitro" da atividade antibacteriana da própolis. In: CONGRESSO DE MEDICINA VETERINÁRIA DO CONE SUL, I & CONGRESSO ESTADUAL DE MEDICINA VETERINÁRIA, XII. Anais... Porto Alegre: SOVERGS. 160p.1994.

WOISKY, R.G., SALATINO, A. 1998. Analysis of propolis: some parameters and procedures for chemical quality control. Journal of Apicultural Research, 37:99-105.

YANG, C.-M.J., RUSSELL, J.B. 1993. Effect of monensin on the specific activity of ammonia production by ruminal bacteria and disappearance of amino nitrogen from the rumen. Appl. Environ. Microbiol., 59:3250-3254.

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