Tecnologia Apícola


APICULTURA MAIS ECOLÓGICA

Etelvina Conceição Almeida da Silva e Ronaldo Mário Barbosa da Silva
Pesquisadores do Centro de Apicultura Tropical do Instituto de Zootecnia

Todos que militam na apicultura sabem que esta é uma atividade "ecológica": não agride o meio-ambiente, não gera resíduos tóxicos, não veicula germes patogênicos para a espécie humana, não consome recursos naturais não renováveis etc. No fundo, entretanto, não deixa de ser uma intervenção humana sobre a natureza e, como tal, pode causar desequilíbrios indesejáveis. Este risco aliás, tende a aumentar, na medida em que tornamos esta atividade mais intensiva, mais industrializada.
A simples concentração de dezenas de colônias em um mesmo local (apiário) já cria um ambiente não-natural para as abelhas e demais seres vivos que habitem a área, tais como as formigas; outros desvios das condições naturais são, a reciclagem dos favos e da própria cera, transformada em cera alveolada, as dietas artificiais, os produtos utilizados no combate ou isolamento contra formigas, os acaricidas, fungicidas e outros produtos químicos utilizados no combate às pragas e doenças das abelhas, pinturas ou tratamentos das colmeias, aplicação de fumaça durante as manipulações e muitos outros.
Estas considerações justificam a preocupação de minimizar-se estas pressões sobre o meio-ambiente, tornando a apicultura cada vez mais "ecológica", na busca do ideal de um perfeito casamento da atividade econômica com a natureza.
Um dos problemas mais constantes e disseminados, que aflige apicultores de todos os climas e regiões do planeta é o ataque dos favos pelas traças. Traça é o nome atribuído à várias espécies de insetos de hábitos noturnos (mariposas), cujas formas jovens, ovos, larvas e pupas se desenvolvem nos favos. Neste processo elas não somente se alimentam do pólen, exúvias de abelhas e da própria cera mas, também danificam o que não consomem, construindo numerosas galerias, estendendo sua seda no interior e na superfície e disseminando grande quantidade de fezes nos favos, o que os inutiliza totalmente. As mais importantes são a Achroia grisella ("traça pequena") e Galleria mellonella ("traça grande"). Estas mariposas são tão disseminadas no ambiente que se pode afirmar que não existe favo ou colmeia alguma que não esteja por elas infestada. A infestação ocorre tanto pela invasão das colônias por mariposas adultas, que efetuam a postura dos ovos sobre os favos, como pela coleta de pólen com ovos. Sob condições normais das colmeias - isto é, enquanto estão juntos ou cobertos de abelhas - os favos parecem não ser atacados, porque as guardas repelem as mariposas e, mesmo quando alguns ovos das traças eclodem, as operárias prontamente limpam o favo, impedindo seu desenvolvimento. Nos casos, entretanto de ocorrerem colmeias fracas, sem abelhas em número suficiente para protegerem todos os favos, ou se o apicultor reservar favos fora das colmeias, para uso futuro, o ataque fatalmente ocorrerá, levando à perda deste seu inestimável patrimônio. A solução para o primeiro caso é simples, residindo essencialmente no manejo, que mantenha em cada colmeia um número adequado de favos, de acordo com a população e a estação do ano. Já para a segunda situação, as soluções preconizadas nos manuais de apicultura envolvem a aplicação de algum produto venenoso para as traças, geralmente também tóxico para as abelhas e o homem. O menos nocivo é o enxofre; porém outros muito mais perigosos são recomendados, tais como o brometo de metila, a fosfina, o ácido cianídrico e o paradiclorobenzeno. Uma alternativa satisfatória, porém geralmente inviável pela dificuldade de execução, particularmente quando se necessita reservar grande quantidade de favos, é o seu armazenamento individual, em local altamente arejado, como um galpão sem paredes.
Outro problema muito disseminado entre os apiários em todo o mundo é a nosemose, justamente considerada a mais importante doença da fase adulta das abelhas. É caracterizada por um entumescimento do abdômen das abelhas, acompanhado de dificuldade para voar. Na fase posterior nota-se diarréia generalizada, evidenciada por grande número de manchas de fezes, no alvado, sobre e ao redor da colmeia, impossibilidade de vôo e mortandade das abelhas. A nosemose é causada por um protozoário, o Nosema apis, que parasita o estômago das abelhas, onde se multiplica e destroi as células digestivas, interferindo totalmente com os processos digestivos e assimiladores da abelha. As soluções disponíveis incluem medidas de manejo, de aplicação onerosa e nem sempre possíveis, tais como a destruição de fontes de água poluída ao alcance das abelhas, troca de favos por cera alveolada e o tratamento das colônias com o antibiótico fumagilina, princípio ativo do único produto comercial desenvolvido para este fim, o Fumidil B®, que normalmente não está disponível no mercado brasileiro. Afortunadamente para os apicultores brasileiros, as abelhas africanizadas são normalmente resistentes ao N. apis, não desenvolvendo sintomas da doença; entretanto, é um risco potencial, que pode se apresentar quando as condições do ambiente são desfavoráveis e, maior ainda para aqueles que optarem por criar abelhas de raças européias, que são altamente susceptíveis a este patógeno.
A boa notícia é que, a prevenção, tanto da nosemose como e principalmente, das traças, pode ser feita com um simples tratamento físico, sem despesas, riscos para a saúde e sem deixar qualquer espécie de resíduo. Consiste em submeter os favos, tanto no processo de reciclagem (mudança de uma para outra colmeia) como durante o armazenamento, a um tratamento de calor por via seca. Para isto pode-se adquirir uma estufa (uma incubadora de ovos serve perfeitamente), de capacidade adequada à quantidade de favos que temos que tratar; podemos também fazer uma, com Madeirit® forrado com Isopor® ou aproveitando uma velha geladeira, adquirida em qualquer ferro-velho.
As condições do tratamento são as seguintes:

ObjetivoTemperaturaTempo
Traças49º C40 min.
Nosemose49º C24 hs.

Deve-se ter clareza de que não se trata de uma esterilização dos favos. A esterilização pelo calor exigiria temperatura muito mais elevada, acima de 100º C o que, naturalmente, destruiria os favos. O importante porém, para este objetivo, de controle da nosemose e das traças é que estas condições de temperatura e tempo são suficientes para matar as larvas e ovos de traças e os esporos do nosema, sem afetar a cera dos favos.


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