Artigo

Preservação de abelhas nativas: a importância dos estudos comportamentais

Luis Henrique Soares Alves¹; Fábio Prezoto¹.
¹Laboratório de Ecologia Comportamental e Bioacústica, Instituto de Biologia. Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Bairro - Martelos, 36036-330, Juiz de Fora, MG, Brasil.

O comportamento animal pode ser definido como "todo e qualquer ato executado por um animal, perceptível ou não, ao universo sensorial humano" (Del-Claro & Prezoto, 2003). Estudos com comportamento animal procuram investigar, definir e descrever as ações dos animais em diferentes aspectos (Oliveira & Del-Claro, 2005; Del-Claro & Prezoto, 2003). E fornecem informações valiosas na compreensão da história evolutiva das espécies e da fauna regional, tentando construir um cenário evolutivo para as relações dos indivíduos dentro de seu habitat, já que este funciona como um filtro, selecionando determinados comportamentos e características fundamentais para sobrevivência de determinada espécies dentro de uma comunidade (Southwood, 1995).

Um exemplo da aplicação dos estudos de comportamento animal é o que avalia os efeitos dos fatores ambientais (temperatura, umidade, luminosidade e velocidade do vento) na atividade de forrageio das abelhas. Muitas vezes, eles são aplicados em atividades comerciais, para aumentar a produtividade através do aprimoramento de técnicas de manejo mais eficazes, que buscam diminuir os efeitos destas variáveis sobre o forrageio. Além disso, estudos comportamentais, como biologia de nidificação, horário de forrageamento, comunicação da fonte de alimento e tipo de recurso coletado podem expressar a funcionalidade das espécies de abelhas e suas adaptações ao habitat (Grime et al., 1997).

Nem sempre as agências de fomento à pesquisa e os próprios pesquisadores valorizam os trabalhos com comportamento animal. Isso se deve ao fato de que, na maioria das vezes, este tipo de estudo gera informações básicas e descritivas, bem diferente das pesquisas experimentais desenvolvidas por metodologias sofisticadas e com análises estatísticas complexas. Contudo, devemos lembrar que muitos estudos desse tipo foram marcantes para o desenvolvimento científico mundial e para a compreensão da biologia de algumas espécies. Entre esses, podemos destacar o estudo dirigido por Karl Von Frisch, que descreveu o comportamento da dança das abelhas, no qual as campeiras chegavam do campo e transmitiam as informações através de sinais químicos, sons e danças para as operárias da colméia, que assim são recrutadas para a coleta de recursos alimentares em uma determinada fonte de alimento sinalizada pela dança da abelha campeira. Essa descoberta permitiu entender que as abelhas apresentam linguagem que lhes permitem não apenas se comunicarem entre si, como também garantir a sobrevivência da espécie. Diante de tal importância, esta descoberta rendeu a Frisch o prêmio Nobel de Medicina e Fisiologia em 1973. Cabe ressaltar, que esta descoberta permanece autêntica mesmo após várias tentativas fracassadas de diversos pesquisadores em demonstrar a casualidade desta descoberta (Esch et al., 2001; Wenner & Wells, 1990).

Depois desta grande descoberta, a espécie Apis mellifera mellifera foi amplamente empregada em estudos comportamentais em diversas regiões do mundo. Até hoje ela é a espécie de abelha, senão a espécie animal, mais bem estudada, em parte pelo fato de ser facilmente encontrada por todas as regiões. No Brasil, esta espécie de abelha foi introduzida pelos portugueses durante o processo de colonização. Mais tarde, na década de 50, a espécie Apis mellifera andasoni (abelha africana) foi importada com objetivo de melhorar a produtividade das espécies europeias, aqui criadas, que passavam por doenças e apresentavam baixa produtividade. Mesmo estando sob supervisão de especialistas algumas colônias de abelhas africanas fugiram e iniciaram o processo de africanização, através do cruzamento com espécies européias. Esse novo híbrido apresentou alta resistência a doenças e alta produtividade, além de alta taxa de enxameação. Ao encontrar um ambiente favorável, ela começou a se espalhar por todo o continente e explorar os recursos alimentares, possivelmente competindo com as espécies nativas (Roubik, 1989).

Mesmo bem adaptadas a diferentes ecossistemas de diversas regiões do mundo, muitos cientistas vêm registrando, há décadas, o declínio da população de abelhas do gênero Apis, principal grupo de abelhas usado na polinização de diversas culturas agrícolas em todo o mundo. Porém, a partir de 2006, essas perdas foram mais marcantes devido ao surgimento do "Distúrbio do Colapso das Colônias", que é conhecido mundialmente como (CCD - Colony Collapse Disorder). Esse problema tem dizimado um grande número de colmeias de abelhas em diversos países. Na CCD, as abelhas campeiras que realizam o forrageamento não retornam do campo, abandonando a colônia com mel, pólen, abelhas novas e rainha.

O aparecimento da CCD foi o alerta vermelho para que as autoridades governamentais, agências de fomento e institutos de pesquisa juntassem esforços para identificar os motivos desse grande problema. Diversos estudos comportamentais foram e vêm sendo realizados com o objetivo de apontar as possíveis causas deste declínio, que afeta a produtividade agrícola e a estabilidade das comunidades biológicas. Esses estudos têm associado a CCD ao uso descontrolado de inseticidas à base de Neonicotinoides e atividades antrópicas como desmatamento, que favorece a perda de habitat (Biesmejer et al., 2006).

Apesar dos grandes prejuízos, esse problema pode ter um ponto positivo: as abelhas estão sendo reconhecidas mundialmente pelo seu papel como polinizadoras e com isso, há de se esperar novas medidas para proteger esses organismos fundamentais para a manutenção dos ecossistemas. Dentro destas medidas é preciso dar maior atenção às abelhas nativas, que no Brasil, apresentam mais de 3.000 espécies conhecidas. Pouco se fala sobre os efeitos da CCD sobre estas abelhas. Somente em 2013 foi que a União Europeia divulgou resultados dizendo que abelhas mamangavas (bumblebees), estavam sendo afetadas pelos neonicotinoides. Quase 10 anos se passaram, desde a descoberta da CCD, e as autoridades brasileiras ainda não se manifestaram sobre este enorme problema. Esse fato deve servir para alavancar os estudos comportamentais desses agentes, por meio de fomento a pesquisas destinadas a ampliar as perspectivas desse grupo potencial, uma vez que eles são fundamentais na estabilidade das comunidades biológicas e são os polinizadores de diversas atividades agrícolas.

Referências

Biesmeijer, J. C.; Roberts, S. P. M.; Reemer, M.; Ohlemuller, R.; Edwards, M.; Peeters, T.; Schaffers, A. P.; Potts, S. G.; Kleukers, R.; Thomas, C. D.; Settele, J.; Kuni, W. E. 2006. Parallel declines in pollinatorsand insect pollinated plants in Britain and the Netherlands. Science, v. 313, p. 351-354.

Del-Claro, K. & F. Prezoto, 2003. As distintas faces do comportamento animal. Sociedade Brasileira de Etologia & Livraria Conceito. Jundiaí, SP. 276p.

Esch, H. E.; Zhang, S.W.; Srinivasan, M.V.; Tautz, J. 2001. Honeybee dances communicate distances measured by optic flow. Nature 411:581-583.

Grime, J. P.; Thompson, K.; Hunt, R.; Hodgson, J. G. 1997. Integrated screening validates primary axes of specialization in plants. Oikos. 79 : 259 - 281.

Oliveira, P.S. & Del-Claro, K. 2005. Multitrophic interactions in the Brazilian savanna: Ant-homopteran systems, associated insect herbivores, and host plant. Pp. 414-438. In: D. Burslem, M. Pinard & S. Hartley (eds.). Biotic Interaction in the Tropics, Cambridge University Press, British Ecological Society, London. 564p.

Roubik, D. W. 1989. Ecology and natural history of tropicalbees. England: Cambridge University Press.

Southwood, T. R. E. 1995. Ecological methods: with particular reference to the study of insect 223 populations. 2ª ed. London: Chapman & Hall, 524p.

Wenner, A.M.; Wells, P. 1990. Anatomy of a Controversy. Columbia University Press, New York.


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