Homenagem

MONSENHOR HUBERTO BRUENING - 100 ANOS

Paulo Menezes - Meliponicultor
Email: probertodemenezes@gmail.com

Se vivo fosse, o Monsenhor Huberto Bruening, teria completando 100 anos no dia 30 de março do corrente ano. De ascendência alemã, foi pároco na cidade de Mossoró durante 48 anos, onde honrou a Igreja durante todo esse tempo. Natural de São Ludgero - SC., dedicou grande parte de sua vida à cidade de Mossoró com quem tive a felicidade de conviver uma quadra importante da minha vida. Foi pároco durante 48 anos e paralelamente às suas atividades na diocese de Mossoró, foi na região, um pioneiro no estudo e na preservação da abelha jandaíra.

Para o grande ambientalista Dr. Paulo Nogueira-Neto, o Monsenhor Bruening é considerado "verdadeiramente, entre outras coisas, o grande protetor da abelha JANDAÍRA. Impediu que ela estivesse hoje na lista das espécies ameaçadas de extinção". Para o renomado geneticista Dr. Warwick Estevam Keer ele era o maior meliponicultor do mundo. Isso porque tomou conhecimento que já àquela época ele pintava suas caixas de cores variadas, para evitar erro de direção e entradas das jandaíras em caixas erradas.

Com ele dei os primeiros passos no mundo fascinante das abelhas. Aprendi o pouco do que sei, recebendo frequentemente dele os ensinamentos que sua sabedoria transmitia com a experiência de 30 anos de estudo, pesquisa e preservação dos mais úteis dos insetos.

Referência nacional em todos os Congressos de Meliponicultura através desse imenso país pela sua importância na área, foi além de tudo um homem muito modesto, querido e de uma personalidade marcante. Dele guardo muitas recordações de um passado distante, de um convívio agradável. Minha aproximação com o Padre Bruening se deu em função de um presente que me foi ofertado pelo insigne sacerdote de uma caixinha com um enxame de jandaíra. Durante o tempo em que manejou com maestria o inseto, fazia questão de divulgar entre todos, a importância da abelha ao meio ambiente, por se tratar de um agente polinizador essencial da vegetação nativa.

O mel por ele colhido era envasado em embalagens de vidro de 20 ml e, ao vender, gostava de enfatizar que aquilo era um remédio da natureza. Quando lhe perguntavam qual era o mel medicinal, se o da abelha italiana ou o da jandaíra ele respondia com outra indagação: -"pergunte a seus pais, seus avós e venha me dizer o que eles acham". Ora, no tempo dos nossos antepassados, não existia ainda na região a abelha Apis, portanto... Raríssimo era o sermão em que do seu púlpito não fizesse alguma analogia entre a sociedade organizada das abelhas e a desorganização da sociedade humana.

Em 1988, após 48 anos e 3 meses residindo em Mossoró, de intenso trabalho na diocese e muita dedicação à meliponicultura, voltou ao seu torrão natal com algumas abelhas do seu meliponário Santo Huberto, deixando comigo duas estantes com aproximadamente 60 enxames de jandaíra.

Seu amor era tão grande às princesas aladas que ao se despedir de mim por ocasião de sua partida assim se pronunciou e que até hoje guardo com emoção suas palavras: "- sei que você dará ao meliponário o mesmo tratamento que dei ao longo de todos esses anos, por isso vou em paz." Só que a saudade da terra quente e salina o trouxe novamente para o chão de Mossoró, aqui permanecendo até o último suspiro.

Ao chegar, quando de nosso primeiro encontro foi logo dizendo: - "quando parti deixei com você minha abelhas pois achava que não voltava mais. Como regressei, agora você é que vai me dar uma parte de suas jandaíras, pois não sei mais viver sem esses anjos terrestres".

Tendo sido seu discípulo desde 1983, voltei então ao convívio agradável do manejo da jandaíra em sua companhia, onde semanalmente visitávamos o meliponário da Escola Superior de Agricultura (ESAM), doado por ele àquela instituição e, vez por outra, o meu meliponário era visitado pelo sacerdote, onde juntos fazíamos a revisão dos enxames e multiplicação de colônias. Era um trabalho muito prazeroso, pois ao mesmo tempo em que executava o mister, ouvia dele seus comentários cheios de sabedoria a respeito de tudo, principalmente dos mistérios da natureza.

Costumava afirmar, observando a perfeição da sociedade das abelhas, que tal comportamento o aproximava de Deus. Gostava também de dizer que procurássemos sempre passar nosso conhecimento aos que nos rodeiam a fim de que a chama nunca se apague, que nossas jandaíras nunca desapareçam.

Dele recebi as primeiras sementes da trepadeira melífera Antigonon leptopus (amor agarradinho), até então por mim desconhecida. Perguntando se eu gostava de caminhar, mediante minha afirmação, me aconselhou: - O amor agarradinho fornece néctar o dia todo e como é uma planta muito bonita faça o seguinte, no período das chuvas quando sair para sua caminhada, leve algumas sementes e saia jogando a esmo nas calçadas, muros e jardins e no ano seguinte você verá o resultado.

Como a planta é altamente decorativa, (suas folhas têm o formato de um coração e suas flores são rosas, vermelhas e brancas), os brotos se espalhavam pelos muros e quintais e logo eram adotados pelos residentes presenteados.

Ainda hoje, nas minhas caminhadas matinais, lembro sempre com alegria o mestre, quando vejo as trepadeiras em sua floração intensa fornecendo o néctar precioso para uma grande variedade de abelhas, tudo isso graças ao sábio conselho do Mons. Huberto. Por ter estudado sistematicamente a abelha jandaíra por mais de trinta anos e ter sido um ferrenho defensor da caatinga com preciosas anotações para a comunidade científica, é que acho que a história da meliponicultura em Mossoró pode ser dividida em antes e depois do Padre Bruening.

Assim era esse fantástico sacerdote, um verdadeiro sábio que deixou um grande legado para seus seguidores incluindo aí muitos conselhos aos criadores de jandaíra e considerações filosóficas sobre o relacionamento do homem com a natureza, a quem presto esta singela homenagem pela passagem do centenário do seu nascimento.

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