Meliponicultura

Diagnóstico da Meliponicultura no Brasil

Rodolfo Jaffé1,2,3, Ulysses Madureira Maia2, Airton Torres Carvalho2, Vera Lucia Imperatriz-Fonseca1,2
1 Laboratório de Abelhas, Depto. de Ecologia, Instituto de Biociências, Universidade de São Paulo (USP). Rua do Matão 321, 05508-900, São Paulo-SP, Brasil.
2 Grupo de Pesquisa em Abelhas, Depto. de Ciências Animais, Universidade Federal Rural do Semi-Árido (UFERSA). Avenida Francisco Mota 572, 59625-900, Mossoró-RN, Brasil.
3 Email: rodolfo.jaffe@ufersa.edu.br

As abelhas sem ferrão (Apidae: Meliponini) formam um grupo diverso de abelhas sociais, amplamente distribuído em regiões tropicais e subtropicais (Roubik 1992; Silveira et al. 2002). As abelhas sem ferrão são consideradas espécies-chave, tendo uma grande importância biológica e comercial (Nogueira-Neto 1997; Cortopassi-Laurino et al. 2006; Slaa et al. 2006). Como polinizadores generalistas, ajudam a manter a biodiversidade de plantas nos ecossistemas naturais (Imperatriz-Fonseca et al. 2012). Como espécies comerciais, criadas racionalmente, muitas espécies são relevantes na produção de mel e na melhoria da produção agrícola através dos serviços de polinização que proporcionam (Cortopassi-Laurino et al. 2006; Slaa et al. 2006). Devido à sua relação com as plantas e ao seu comportamento social complexo, as abelhas sem ferrão são também organismos ideais para utilização em programas de educação ambiental.

Muitas espécies de abelhas sem ferrão podem ser criadas racionalmente em caixas (Figura 1) (Crane 1990; Cortopassi-Laurino et al. 2006). Chama-se meliponicultura a criação racional de abelhas sem ferrão, para diferencia-la da criação da abelha Italiana ou Africanizada (Apis mellifera), chamada apicultura. Além do mel, o principal produto explorado de maneira comercial, outros produtos aproveitados das abelhas sem ferrão são pólen (samburá), cerume e própolis (geoprópolis) (Nogueira-Neto 1997). Além disso, muitos meliponicultores dedicam-se exclusivamente à venda de colônias para outros criadores, pesquisadores ou pessoas aficionadas (Villas-Bôas 2012). Em muitas regiões do Brasil, a criação de abelhas nativas sem ferrão é uma prática tradicional, profundamente arraigada na cultura local (Nogueira-Neto 1997; Bruening 2006). Especialmente em localidades rurais do Brasil, a meliponicultura constitui uma fonte adicional de renda, sendo parte importante da agricultura familiar (Lobato e Venturieri 2010).

Embora a criação de abelhas nativas sem ferrão seja considerada como uma prática tradicional e amplamente espalhada no Brasil, a atividade é ainda fundamentalmente artesanal, muitas práticas são rudimentares e o conhecimento técnico dos meliponicultores é escasso (Cortopassi-Laurino et al. 2006; Gehrk 2010). A otimização e padronização das práticas de manejo na meliponicultura têm potencial para aumentar a produtividade e a renda dos criadores, fazendo da criação de abelhas sem ferrão uma prática mais sustentável e mais atrativa para novos empreendedores. Esta otimização da meliponicultura poderia transformar a atividade em uma ferramenta chave de desenvolvimento e conservação, uma vez que a geração de renda alternativa pode reduzir a necessidade de explorar outros recursos naturais, criando incentivos para proteger as plantas visitadas pelas abelhas, assegurando a produtividade das culturas, e mantendo a biodiversidade vegetal em ecossistemas naturais (Cortopassi-Laurino et al. 2006; Imperatriz-Fonseca et al. 2012).

Com o objetivo de subsidiar a otimização da meliponicultura no Brasil, propõe-se a realização de um diagnóstico aprofundado da meliponicultura brasileira. Para tanto, será utilizada a aplicação de um questionário a criadores das diferentes regiões do país. Embora censos tenham sido realizados anteriormente em algumas regiões do Brasil, nenhuma análise geral dos resultados foi divulgada. A grande diversidade de práticas de manejo nas diferentes regiões do Brasil (Nogueira-Neto 1997) (Figura 1), permite relacionar em larga escala o tipo de manejo com a produtividade e as rendas. A relação entre práticas de manejo e produtividade poderia revelar quais práticas são mais eficientes, e assim ajudar a aperfeiçoar e padronizar alguns tipos de manejo. Além disso, o monitoramento da situação da meliponicultura em diferentes regiões, como já é feito por organizações de apicultura, poderia também ajudar a identificar novos avanços e problemas, e manter assim um fluxo de informação entre pesquisadores e meliponicultores de diferentes regiões.

O questionário aqui proposto foi elaborado em parceria com pesquisadores e meliponicultores experientes na criação de abelhas sem ferrão. Foi testado em campo (Rio Grande do Norte), e uma análise preliminar dos dados foi realizada a fim de testar a eficácia do mesmo. As perguntas do questionário foram cuidadosamente escolhidas para coletar os dados mais importantes, que permitam relacionar práticas de manejo com produtividade, e também fazer um monitoramento da meliponicultura a longo prazo. A título de exemplo, a aplicação deste questionário a mais de 50 meliponicultores de Rio Grande do Norte revelou, entre outros resultados interessantes, que aqueles criadores que alimentam as suas colônias durante a seca conseguem multiplicar mais colônias e também as vendem por um preço maior. Futuros cursos técnicos de meliponicultura no estado poderão utilizar estes resultados para ajudar os criadores aumentarem as suas rendas. Uma análise geral de dados de vários estados do Brasil poderia gerar resultados ainda mais expressivos, e permitir comparar técnicas e indicadores de produtividade entre diferentes regiões. Inicialmente esta análise geral poderia estar baseada em uma amostra mínima de 20 questionários por região ou Estado, mas a mesma poderá ser ampliada na medida em que mais questionários sejam aplicados. Planeja-se desenvolver esse projeto entre 2013 e 2014.

Os passos para participar deste diagnóstico da meliponicultura no Brasil estão resumidos na Figura 2. O questionário têm dois formatos: em papel e online. O questionário em papel pode ser utilizado em campo por pesquisadores ou técnicos, para coletar dados durante entrevistas feitas aos meliponicultores. Uma vez coletados, os dados podem ser preenchidos pelos mesmos pesquisadores ou técnicos no questionário online. Meliponicultores com acesso à internet podem preencher diretamente o questionário online, sem pesquisadores ou técnicos de intermediários. Uma tabela com todos os dados coletados no Brasil será disponibilizada online. Informações como nomes dos meliponicultores e respectivos locais dos meliponários não serão divulgados, mantendo assim sua privacidade. Esta tabela formará uma base de dados pública, para que qualquer pessoa interessada possa acessar os dados e utiliza-los para palestras, relatórios, publicações, etc.

Contamos com a participação de meliponicultores e pesquisadores para tornar esse projeto um sucesso. Acreditamos que a ampla divulgação do mesmo e com o engajamento de todos os amantes das abelhas possa trazer melhorias reais à atividade. Dados gerados aqui poderão ser inclusive subsídios importantes para políticas públicas em Meliponicultura. O questionário (em papel e online) pode ser encontrado na página do Laboratório de Abelhas da Universidade de São Paulo: http://ecologia.ib.usp.br/beelab/meliponicultura/. A tabela de dados será publicada no mesmo site, após os primeiros dados tenham sido enviados pelo formulário online. Dúvidas, perguntas, críticas e sugestões podem ser enviadas para rodolfo.jaffe@ufersa.edu.br

Agradecimentos

Agradecemos aos meliponicultores e pesquisadores que ajudaram na elaboração do questionário, especialmente a Juan Manuel Rosso Londoño, Francisco Chagas, Paulo Menezes, Denise de Araújo Alves, Jerônimo Villas-Bôas, Dirk Koedam, Tertuliano Aires Neto, Ezequiel R. Medeiros de Macêdo e Paulo Cesar Fernandes. Agradecemos também à Sheina Koffler e ao Jerônimo Villas-Bôas pelas suas sugestões feitas durante a redação deste artigo. Este projeto é financiado por uma bolsa de pós-doutorado da FAPESP (RJ).

Referências

Bruening, H. (2006). Abelha Jandaíra, Natal, RN, SEBRAE/RN. 138 p.

Cortopassi-Laurino, M., V. L. Imperatriz-Fonseca, D. W. Roubik, A. Dollin, T. Heard, I. Ingrid Aguilar, G. C. Venturieri, C. Eardley e P. Nogueira-Neto (2006). "Global meliponiculture: challenges and opportunities." Apidologie 37(2): 275-292.

Crane, E. (1990). Bees and beekeeping: science, practice and world resources, Heinemann Newnes. ISBN: 0434902713

Gehrk, R. (2010). Meliponicultura: O caso dos criadores de abelhas nativas sem ferrão no Vale do Rio Rolante (RS), Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

Imperatriz-Fonseca, V. L., D. A. L. Canhos, D. A. Alves e A. M. Saraiva, Eds. (2012). Polinizadores no Brasil: Contribuição e perspectivas para a biodiversidade, uso sustentável, conservação e serviços ambientais. São Paulo, EDUSP.

Lobato, T. e G. C. Venturieri (2010). Aspectos econômicos da criação de abelhas indígenas sem ferrão (Apidae: Meliponini) no nordeste paraense. Belém, EMBRAPA Amazônia Oriental. 364.

Nogueira-Neto, P. (1997). Vida e Criação de Abelhas Indígenas Sem Ferrão, São Paulo, Editora Nogueirapis. ISBN: 8586525014

Roubik, D. W. (1992). Ecology and natural history of tropical bees, Cambridge University Press. ISBN: 0521429099

Silveira, F. A., G. A. R. Melo e E. A. B. Almeida (2002). Abelhas brasileiras: sistemática e identificação, Fernando A. Silveira. ISBN: 8590303411

Slaa, E. J., L. A. Sánchez-Chaves, K. S. Malagodi-Braga e F. E. Hofstede (2006). "Stingless bees in applied pollination: practice and perspectives." Apidologie 37(2): 293-315.

Villas-Bôas, J. K. (2012). Manual Tecnológico Mel de Abelhas sem Ferrão, Brasilia, Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN). ISBN: 978-85-63288-08-0

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