Artigo

CONSUMO DE BARBATIMÃO E MICOTOXINAS EM COLMEIAS AFETADAS PELA CRIA ENSACADA BRASILEIRA

Marta Rodrigues Pacheco1, Ortrud Monika Barth2, Glória Maria Direito3, Maria Cristina Affonso Lorenzon4
1 Médica Veterinária, Rio de Janeiro, RJ. E-mail: martarpacheco@hotmail.com
2 Professora Colaboradora, Depto de Botânica e de Geologia, Palinologia, UFRJ
3 Professora Adjunta, Depto de Microbiologia e Imunologia Veterinária, UFRRJ
4 Professora Adjunta, Depto de Produção Animal, Instituto de Zootecnia, UFRRJ

RESUMO

A crescente perda de colmeias pela doença cria ensacada brasileira (CEB) em diferentes épocas e regiões do estado do Rio de Janeiro, associada à dificuldade de encontrar árvores de barbatimão nas proximidades dos apiários afetados, permite sugerir a hipótese de que a CEB não é causada pelo consumo de barbatimão neste estado. Para testar esta hipótese, objetivou-se comparar a distribuição geográfica da CEB com a do barbatimão, verificar a presença deste pólen na alimentação das larvas doentes em condições naturais e realizar investigações micotoxicológicas. Houve pouca sobreposição geográfica entre as ocorrências de CEB e as de barbatimão no estado do Rio de Janeiro e também não foi observado pólen de barbatimão na alimentação natural das colmeias afetadas, indicando que a CEB que ocorre neste estado pode não ser causada pelo consumo de barbatimão. Aflatoxinas B1 e G1 estiveram presentes em amostras pesquisadas.

Figura 1 - Sinais da CEB no favo de cria

INTRODUÇÃO

Cria ensacada brasileira (CEB) é uma doença descrita no Brasil que cursa com alta e rápida mortalidade de larvas pré-pupas constituindo um grave problema para a apicultura.

Os sintomas da CEB são muito semelhantes aos da cria ensacada européia, virose de abelhas com extensa distribuição mundial e sem diagnóstico no Brasil. A larva pré-pupa acumula líquido ecdisial abaixo da cutícula, não realiza a muda para o estágio pupal e ocorre escurecimento da região cefálica e depois de todo o seu corpo. Durante a revisão, o apicultor observa favo falhado, cria fechada morta, opérculos perfurados (Figura 1), fartura de alimento e, em estágios mais avançados, abandono da colmeia e ataque de forídeos ou formigas (PACHECO, 2007).

Algumas espécies arbóreas ricas em taninos e conhecidas vulgarmente pelo nome de barbatimão, como Stryphnodendron polyphyllum e S. adstringens, foram responsabilizadas pelas ocorrências de CEB no estado de Minas Gerais (CARVALHO, 1998; CASTAGNINO, 2002).

Apesar de estar comprovada a toxidez de S. polyphyllum e S. adstringens para as larvas de abelhas, levanta-se a hipótese de que estas espécies florais não estejam envolvidas na etiologia da CEB no estado do Rio de Janeiro, pois a doença parece estar ocorrendo em regiões onde a presença do barbatimão é insignificante para provocar tão alta mortalidade. Devemos atentar para o fato de que encontrar um composto tóxico no néctar ou no pólen de uma planta, não é necessariamente prova de que causa intoxicação nas abelhas. A intoxicação experimental também é uma prova isolada de que a mortalidade de abelhas está acontecendo devido à espécie floral testada. Para um diagnóstico seguro, faz-se necessário verificar se a planta suspeita existe no local das ocorrências e se é realmente forrageada pelas abelhas (TOKARNIA et al., 2000).

Objetiva-se neste estudo: 1) confrontar a distribuição geográfica da CEB com a distribuição geográfica do barbatimão no estado do Rio de Janeiro; 2) identificar os tipos polínicos consumidos pelas abelhas nas colmeias sujeitas à CEB, com especial atenção para os grãos de pólen de barbatimão 3) investigar a ocorrência de micotoxinas na alimentação das larvas afetadas pela CEB.

MATERIAL E MÉTODOS

A presença de CEB em locais próximos às plantas tóxicas foi verificada por comparação entre os municípios de ocorrências da CEB e os municípios de distribuição das árvores incriminadas pela mortalidade de abelhas. O zoneamento da CEB foi realizado por pesquisa nos questionários sobre doenças, anexos ao censo apícola de 2006 do estado do Rio de Janeiro. O zoneamento de S. polyphyllum e S. adstringens foi feito por consulta ao acervo de exsicatas pertencente ao herbário da Fundação Jardim Botânico do Rio de Janeiro e por revisão de literatura.

O consumo de barbatimão pelas abelhas, em condições naturais, foi verificado por amostragem de pólen apícola e pão de abelhas em sete apiários sujeitos à CEB no estado do Rio de Janeiro. As amostras foram coletadas um mês antes e durante o período da doença e encaminhadas ao laboratório de Palinologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) para a identificação dos tipos polínicos presentes na alimentação natural das colmeias.

As micotoxinas foram investigadas por amostragem de pólen apícola e pão de abelhas coletados nas colmeias afetadas pela CEB nos sete apiários estudados. As análises foram realizadas nos laboratórios de Microbiologia da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ).

RESULTADOS E DISCUSSÃO

A CEB prevaleceu durante as estações da primavera e verão, no período compreendido entre outubro e março. Os questionários sobre a CEB foram obtidos em 14 municípios: Carmo, Cachoeiras de Macacu, Itaboraí, Itaguaí, Magé, Mendes, Niterói, Paraíba do Sul, Petrópolis, Piraí, Rio Bonito, Sapucaia, Tanguá, e Teresópolis (Figura 2).

Stryphnodendron pollyphyllum é a única espécie do gênero encontrada no estado do Rio de Janeiro (OCCHIONI MARTINS, 1990) e foi observada em 14 exsicatas, provenientes da coleta em oito municípios: Itatiaia, Macaé, Nova Iguaçu, Nova Friburgo, Santa Maria Madalena, Silva Jardim, Paraty e Teresópolis (Figura 2).

Figura 2 - Distribuição da CEB (O) e do Barbatimão
(triângulo) no ERJ

Confrontando os dados dos questionários com os das exsicatas, verifica-se que Teresópolis foi o único município que apresentou coincidência entre as ocorrências de CEB informadas nos questionários e as ocorrências de S. polyphyllum reveladas pelas exsicatas.

Os resultados indicam que há pouca sobreposição geográfica entre S. polyphyllum e a CEB no estado do Rio de Janeiro e que S. adstringens não pode estar envolvida na etiologia da CEB porque esta espécie arbórea não existe no Rio.

Para verificar se há consumo de pólen tóxico em condições naturais, a análise palinológica é um instrumento útil porque identifica os tipos polínicos que estão sendo utilizados como recurso floral na colmeia e, portanto, permite orientar se há alguma planta tóxica na dieta.

Os tipos polínicos Leguminosae, Euphorbiaceae, Asteraceae, Poaceae e Myrtaceae representaram boas fontes de pólen para as abelhas estudadas. Essa diversidade trófica está de acordo com outros estudos (RAMALHO et al., 1990) e reforça a variação da preferência de Apis mellifera por alimento. Anadenanthera foi o principal pólen apícola coletado antes da ocorrência de CEB e também o mais freqüentemente encontrado no pão de abelhas dos favos que apresentaram sintomas de CEB. O pólen de Stryphnodendron spp não foi observado em qualquer das amostras realizadas sugerindo que não foi consumido pelas larvas doentes nos apiários pesquisados.

Pelo fato do pólen de barbatimão não estar presente na alimentação das larvas que apresentaram sintomas de CEB, não é possível indicá-lo como o agente causador da intoxicação e conseqüente mortalidade na cria.

Foram identificadas aflatoxinas B1 e G1 em amostras provenientes das colmeias afetadas pela CEB (Figura 3) e também fungos potencialmente produtores de micotoxinas, como Aspergillus flavus, A. parasiticus e A. niger.

Figura 3 - Aflatoxinas B1 e G1 - P = Padrão
A= Amostra

A infestação do pólen apícola e do pão de abelhas com micotoxinas resulta em contaminação do alimento da larva. Certas micotoxinas provocam mortalidade em abelhas (BURNSIDE, 1930) e isto também foi referenciado por FOOTE (1966) em relação às aflatoxinas. Quando aflatoxinas foram incorporadas à dieta de abelhas adultas, provocaram a morte das abelhas mesmo em pequenas concentrações. A sensibilidade das abelhas foi maior à aflatoxina B1, que causou mortalidade sempre que esteve presente nas colmeias Apis (HILLDRUP & LLEWELLYN, 1979). O pólen mostrou-se altamente eficiente para estimular a produção de ochratoxina A em meio de cultura (MEDINA et al., 2004) demonstrando ser um excelente substrato para a produção de micotoxinas por fungos (GONZALEZ et al., 2005) no ambiente ou na colmeia.

CONCLUSÃO

Stryphnodendron polyphyllum é a única espécie de barbatimão existente no estado do Rio de Janeiro. A comparação entre a distribuição geográfica da CEB e a de S. polyphyllum revela sobreposição de dados apenas para o município de Teresópolis.

O tipo polínico Stryphnodendron spp não está presente nas amostras analisadas e, portanto, a CEB pode não ser causada pelo consumo de barbatimão nos apiários pesquisados.

Há ocorrência de fungos potencialmente toxígenos e micotoxinas na alimentação das larvas afetadas pela CEB.

Faz-se necessário realizar mais estudos para afirmar a etiologia da crescente mortalidade de abelhas observada no estado do Rio de Janeiro.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BURNSIDE, C. E. Fungous disease of the honeybee. U. S. Department of Agriculture. Technical Bulletin, v.149, p.1-43, 1930.

CARVALHO, A. C. P. Pólen de Stryphnodendron polyphyllum como agente causador da cria ensacada brasileira em Apis mellifera L. 1998. 60f. Dissertação (Mestrado em Entomologia) - Universidade Federal de Viçosa, Viçosa, 1998.

CASTAGNINO, G. L. B. Efeito do fornecimento de substituto de pólen na redução da mortalidade de Apis mellifera L, causada pela cria ensacada brasileira. 2002. 63f. Dissertação (Mestrado em Ciência Florestal) - Universidade Federal de Viçosa, Viçosa, 2002.

FOOTE, H. L. The mystery of the disappearing bees. American Bee Journal, v.106, p.126-127, 1966.

GONZALEZ, G.; HINOJO, M. J.; MATEO, R.; MEDINA, A.; JIMENEZ, M. Occurrence of mycotoxin producing fungi in bee pollen. International Journal of Food Microbiology, v.105, p.1-9, 2005.

HILLDRUP, J. L.; LLEWELLYN, G. C. Acute toxicity of the mycotoxin aflatoxin B1 in Apis mellifera. Journal of Apicultural Research, v.18, n.3, p.217-221, 1979.

MEDINA, A.; GONZÁLEZ, G; SÁEZ, J. M.; MATEO, R.; JIMÉNEZ, M. Bee pollen, a substrate that stimulates ochratoxin A production by Aspergillus ochraceus Wilh. Systematic and Applied Microbiology, v.27, n.2, p.261-267, 2004.

OCCHIONI MARTINS, E. M. Considerações Taxonômicas no gênero Stryphnodendron Mart. (Leguminosae-Mimosoideae) e distribuição geográfica das espécies. Actas Botânica Brasileira, v. 4, n.2, p.153-158, 1990.

PACHECO, M. R. Cria ensacada brasileira em Apis mellifera Linnaeus no estado do Rio de Janeiro: perdas, zoneamento, palinologia e microbiologia. 2007. 60f. Dissertação (Mestrado em Produção Animal) - Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, Seropédica, 2007.

RAMALHO, M.; KLEINERT-GIOVANNINI, A. & IMPERATRIZ-FONSECA, V.L. Important bee plants for stingless bees (Melipona and Trigonini) and africanized honeybees (Apis mellifera) in neotropical habitats: a review. Apidologie, Paris, v.21, p. 469-488, 1990.

TOKARNIA, C. H.; DÖBEREINER, J.; PEIXOTO, P. V. Plantas tóxicas do Brasil. Rio de Janeiro: Helianthus, 2000.

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