Relato

Apicultura no Alto Xingu

Sidnei Bueno de Miranda - Zootecnista-264 zp/MT

Sidnei e os apicultores Kamayurá no Alto Xingu

Na atualidade a população do mundo moderno vem se preocupando cada vez mais com a qualidade de vida e é por este motivo que os produtos de origem natural produzidos em regiões livres de poluição ganham espaço nobre nas mesas mais exigentes.

Com uma vasta extensão de mais de dois milhões de hectares o Parque Indígena do Xingu possui uma grande biodiversidade, em uma região de transição ecológica, das savanas e florestas semideciduais mais secas ao sul, para a floresta ombrofila amazônica ao norte, apresentando cerrados, campos, florestas de várzeas e florestas de terra firme.

O clima alterna dois períodos pluviométricos: o chuvoso de outubro a abril com picos de chuva nos meses de dezembro a março e o período seco de maio a setembro. O acesso às aldeias fica restrito aos rios Curisevo e Kuluene, e as estradas municipais de Gaúcha do Norte e Canarana no estado de Mato Grosso.

Fundamentado nisso, em meados de 2005 iniciou então um projeto de apicultura na aldeia Mehinako, onde Thomas Gregor, amigo do povo Mehinako e da presidente da fundação americana Perls Foundation solicitou ao zootecnista Sidnei Bueno de Miranda que elaborasse um projeto sustentável em apicultura.

Este projeto, denominado Projeto Piloto Mapa (mel na língua mehinako), tinha como objetivo tornar os indígenas da aldeia Uiaypiuko (etnia mehinako) auto-sustentáveis na produção de mel, criando uma fonte de renda alternativa para a comunidade sem danificar o meio ambiente e ainda tirar a dependência de uma única fonte que era o artesanato. Outro objetivo era o de melhorar a qualidade nutricional da alimentação na aldeia.

O projeto iniciou com a confecção de cinqüenta colméias e cem melgueiras padrão Langstron. O período de produção de mel no Xingu é de Abril a Outubro, sendo nessa época do ano que foram capturados e divididos os enxames, a fim de ocupar as cinqüentas colméias adquiridas. No entanto, houve um grande empecilho com a eventual presença de um inimigo natural, o tatu canastra, que freqüentemente ocasionou baixas no apiário. Para a contenção deste problema, foi necessária a suspensão das colméias a uma altura de um metro e meio de altura.

Distribuição do mel para consumo próprio na aldeia Fukuri

No começo tudo foi muito difícil devido à logística, pois para ter acesso a aldeia é necessário percorrer 25 km de estrada de terra e mais quatro horas de barco pelo rio Kurisevo até a aldeia. As viagens se tornam caras devido ao alto consumo de combustível (a média é de vinte cinco litros de gasolina por hora de viagem) impossibilitando uma assistência mais freqüente do zootecnista até a aldeia.

Em novembro de 2006 foi inaugurada uma Casa do Mel na aldeia Mehinako e também foram adquiridos alguns equipamentos como centrifuga, decantador, mesa desoperculadora, descristalizador de mel, derretedor de cera a vapor e demais equipamentos para beneficiamento do mel.

A produção média atingida no período de produção foi de 42 kg de mel por colméia em produção/ano no sistema de apiário fixo. A comercialização do mel ocorre através da Associação das Terras Indígenas do Xingu (ATIX), onde é feito o envase e a entrega do mel para a rede Pão de Açúcar. Esse mel possui o Sistema de Inspeção Federal (SIF) e é reconhecido pelo Instituto Biodinâmico (IBD) como mel orgânico.

No ano de 2007, a Fundação Nacional do Índio (FUNAI), conhecendo o projeto Mapa e também acreditando nos mesmos objetivos citados anteriormente, decidiu implantá-lo nas demais aldeias do Alto Xingu. Este inicio ocorreu através de um curso de apicultura básica em Gaúcha do Norte, ministrado pelo mesmo técnico da aldeia mehinako, Sidnei Bueno de Miranda.

Nesse curso participaram alunos das aldeias Utawana, Jaramü, Aweti, Waurá, Kamayurá, Nafukuá, Kalapalo, Matipu, Larratua, Afukuri, Uiaypiuku, Barranco Queimado, Mirassol e dos extintos Posto de Vigilancia (PIV) e atual Coordenação Técnica Local (CTL) do rio Kurisevo e também CTL do rio Kuluene. Os futuros apicultores foram indicados pelos caciques de cada aldeia, com a responsabilidade de executar o projeto.

Apicultor da aldeia Utawana

A FUNAI após o curso de apicultura adquiriu equipamentos básicos para iniciar a atividade produtiva da apicultura, desde vestimentas, colméias, fumigadores, centrifugas, decantadores, baldes até um barco e motor exclusivo ao projeto do mel.

Muito trabalho foi realizado nessas 14 comunidades, desde coletas de enxame, aproveitamento de cera, produção de mel, apesar disso muitas dificuldades foram enfrentadas entres elas, a distância entre as aldeias por meio de estradas dificultosas e rios, as diferenças culturais e lingüísticas dos povos do Alto Xingu, e a falta de estrutura para manejar o mel, onde em muitas das vezes foram realizados sob as árvores de pequi. Algumas dessas dificuldades foram solucionadas por meio de capacitações realizadas in loco em cada aldeia, fazendo com que os apicultores desempenhem uma melhor função apícola.

O trabalho continuou se desenvolvendo desde 2007 com o auxílio de recursos da FUNAI através da Sra. Isaura Ribeiro, porém as visitas técnicas freqüentes em cada aldeia se tornavam difíceis, pois os recursos eram limitados e os custos eram altos uma vez que as 14 aldeias beneficiadas com o projeto são distantes umas das outras.

No entanto, em meados deste ano a Sra. Kenko Minami, presidente da Rainforest Foudantion Japan e conhecedora e amiga dos povos indígenas do Xingu, desde a década de 80, conheceu o projeto e decidiu ajudar financiando as visitas técnicas entre outras necessidades do projeto. Com o recurso da Rainforest Japan as visitas técnicas podem ser freqüentes em todas as aldeias do Alto Xingu.

A etapa futura para o projeto de apicultura do Alto Xingu é a instalação de infra-estrutura de comercialização por meio da construção de casas de extração de mel em cada aldeia participante do projeto e a construção de um entreposto de beneficiamento do mel no município de Gaucha do Norte dentro dos padrões exigidos pelo Sistema de Inspeção Federal (SIF) e de mel orgânico.

Gaúcha do Norte, 24 de outubro de 2010.

Sidnei Bueno de Miranda

Zootecnista-264 zp/MT


Retorna à página anterior