Artigo

Alimentação de abelhas africanizadas com dietas energética ou proteica

Deodoro Magno Brighenti (1), César Freire Carvalho (2) e Carla Regina Guimarães Brighenti (3)
1Doutor em Entomologia DEN- UFLA - deodorobrighenti@gmail.com.br
2Prof. Titular do Departamento de Entomologia - DEN- UFLA cfcarvalho@ufla.br
3Prof. Adjunto Bioestatística, Departamento Engenharia de Biossistemas- DEPEB- UFSJ carlabrighenti@ufsj.edu.br
Resumo

Figura 1 - Gaiola utilizada para montagem dos experimentos

Avaliou-se a sobrevivência de operárias de abelhas africanizadas alimentadas com dietas energéticas ou protéicas, em pesquisa realizada no laboratório de Biologia de Insetos do Departamento de Entomologia da Universidade Federal de Lavras - UFLA. Os tratamentos com alimentação energéticas foram: mel, açúcar cristal, açúcar cristal + ácido tartarico a 1%, açúcar cristal + suco de limão cravo[Citrus limonia] a 2%, Gludex®, frutose, pasta Cândi, melaço, água e caldo de cana. Os tratamentos de alimentação protéica foram: pólen, germe de trigo, farinha de arroz, farelo de arroz, lêvedo de cerveja, creme de milho, farinha de soja, extrato de soja e mel cristalizado como testemunha. Foram utilizadas dez repetições para cada tratamento, cada uma composta de dez abelhas. Contou-se o número de abelhas sobreviventes a cada 12h ajustando-se a curva de sobrevivência e os intervalos de confiança para o TL50 e para o TL99. Constatou-se que, entre as dietas energéticas testadas, açúcar cristal acrescido de suco de limão permite a maior sobrevivência, aproximadamente 210 horas. Entre as dietas protéicas testadas, constatou-se que não há diferença significativa.

Termos para indexação: Apis mellifera, mortalidade, tempo letal, limão.

Introdução

Sob condições naturais, a fonte energética utilizada pelas abelhas é o néctar. A concentração de açúcares encontrado nestes néctares é em média 35% . A fonte protéica é o pólen, produto rico em proteínas, lipídeos, minerais e vitaminas (Hebert Junior, 1992; Schmidt, et al 1995).

Figura 2 - Aspecto das dietas protéicas

Em períodos de escassez de néctar e/ou pólen, pode ocorrer diminuição da oviposição e redução da densidade populacional de adultos, podendo ocorrer até mesmo a migração ou abandono da colônia, em razão da fome ou a procura de melhores condições alimentares. A carência de pólen nas plantas poliníferas, leva os insetos ao canibalismo das larvas, sendo estas utilizadas como fonte de protéina para sobrevivência desses, até a normalização das condições ambientais (Winston, 1987; Schmick & Crailsheim, 2001). Para evitar este e outros problemas, os apicultores fornecem uma suplementação energética e/ou proteica, oferecendo assim melhores condições de sobrevivência e produção apícola.

A suplementação alimentar mais utilizada pelos apicultores é formada por uma mistura de água e açúcar, ou seja, fornecem basicamente uma solução aquosa de sacarose. No entanto, é importante ressaltar que, no processo de digestão do néctar, a abelha produz uma enzima, a-glicosidase denominada sacarase, que quebra parte do dissacarídeo sacarose, também presente no néctar, nos monossacarídeos glicose e frutose (Zakaria, 2007). No caso da alimentação artificial, isto pode ser alcançado oferecendo o denominado "açúcar invertido", que é obtido da hidrólise da sacarose em meio ácido, formando uma mistura de partes iguais de glicose e frutose (Guy et al., 1992). Desta forma pode-se causar menor desgaste favorecendo o metabolismo por parte das abelhas.

Figura 3. Curvas de sobrevivência de Apis mellífera alimentadas com dietas ricas
em carboidratos e ajustadas segundo o modelo de Weibull.
Temperatura de 28 ± 2 °C, UR 70 ± 10% e fotoperíodo de 12 horas, Lavras - UFLA.

Existem várias maneiras de preparar um açúcar invertido para ser fornecido às abelhas, as principais acrescentam ácido cítrico ou tartárico para que ocorra a hidrólise (Lengler, 2000; Pereira et. al., 2006). O ácido cítrico, cujo nome oficial é ácido 2-hidroxi-1,2,3-propanotricarboxílico (Holme & Peck, 1998), está presente no suco de limão e pode ser uma alternativa para utilização por apicultores que porventura não tenham acesso à compra do ácido cítrico comercial.

Dada a necessidade de se conhecer os parâmetros nutricionais ideais, os quais sejam capazes de melhorar a sobrevida dos insetos (Haydak, 1970), justifica-se desenvolver, inicialmente, em estudos laboratoriais, testes experimentais, mantendo uma criação de abelhas em confinamento e avaliando diferentes ingredientes usualmente utilizados por apicultores na suplementação tanto energética quanto proteica (Dietz, 1975).

A seleção de uma melhor dieta para abelhas em confinamento é justificada pois, além da utilização alimentar de colméias durante a escassez, ou qualquer produção apícola, esta mesma dieta pode ser oferecida às abelhas para quaisquer tipos de testes em laboratório, como por exemplo, de impacto de inseticidas na sobrevivência, indicador biológico de poluição ou mesmo para testar outros fatores de criação como temperatura, fotoperíodo, umidade etc.

Assim, levando-se em consideração a importância que representa à alimentação de operárias de abelhas, este trabalho foi realizado com o objetivo de se conhecer a sobrevivência destes adultos quando alimentados com algumas dietas ricas em carboidratos e proteínas.

Material e Métodos

No laboratório de Biologia de Insetos - DEN/UFLA, as abelhas recem emergidas, provenientes da criação do apiário Central da Universidade Federal de Lavras (UFLA), foram anestesiadas com dióxido de carbono por 120 segundos e separados grupos de dez indivíduos. Logo após, foram colocados em uma gaiola cilíndrica de PVC de 15 cm de altura por 10 cm de diâmetro, com a parte superior revestida com um filó e a inferior com organza e mantidas em uma sala climatizada a 28 ± 2 °C, UR 70 ± 10% e fotoperíodo de 12 horas.

1. Dieta Rica em Carboidratos

No experimento para avaliação de dieta energética foi utilizado o delineamento inteiramente casualizado com dez tratamentos e dez repetições, sendo que cada unidade experimental possuía um chumaço de algodão embebido com água destilada e um frasco de vidro com capacidade para 20 mL contendo uma tampa perfurada onde foi inserido um rolo dentário umedecido em uma das seguintes dietas, representando os tratamentos: 1. mel; 2. açúcar cristal; 3. açúcar cristal acrescido de ácido tartárico a 1%; 4. açúcar cristal acrescido de suco de limão cravo (Citrus limonia) a 2%; 5. gludex®; 6. frutose; 7. pasta Cândi; 8. melaço; 9. água destilada e 10.caldo de cana (Figura 1). Todos os tratamentos, exceto o 7, 9 e 10, os produtos foram diluídos em água a 50%. Sendo os tratamentos 2, 3, e 4 foi levado ao fogo e após um minuto de fervura em 3 e 4 adicionou-se o ácido tartárico e suco de limão, respectivamente.

2. Dieta Rica em Proteínas

No experimento para avaliação de protéica, utilizou-se o delineamento inteiramente casualizado com nove tratamentos e dez repetições, sendo que em cada gaiola colocou-se um chumaço de algodão embebido com água destilada e uma tampa plástica de 25 mm de diâmetro x 5 mm de altura mantida no interior de cada gaiola contendo a dieta na forma pastosa obtida misturando-se 5 g de cada produto com 5 mL de mel (1 : 1) e preparada com um dos ingredientes representando os tratamentos: 1.- mel cristalizado (testemunha); 2 - pólen; 3 - germe de trigo; 4 - farinha de arroz; 5 - farelo de arroz; 6 - lêvedo de cerveja; 7 - creme de milho; 8.- farinha de soja; 9 - extrato de soja (Figura 2).

Os teores de proteína para cada alimento foram considerados segundo as informações do fabricante e, com relação ao pólen, coletado no alvado das colméias do apiário da UFLA, o teor proteico foi determinado no Laboratório do Departamento de Ciência dos Alimentos da UFLA, obtendo-se, assim, os teores de proteínas de cada composto em porcentagem: pólen - 14,7; germe de trigo - 22,0; farinha de arroz - 16,0; farelo de arroz - 14,0; lêvedo de cerveja - 41,0; creme de milho - 8,0; farinha de soja - 45,0 e extrato de soja - 42,0%.

Para determinação da quantidade de dieta protéica consumida pelas abelhas confinadas, determinou-se o peso inicial do alimento mais a tampa e, por diferença, obteve-se o consumo médio encontrado em cada unidade experimental durante o período de avaliação.

Figura 4 - Operárias confinadas na gaiola com alimentação protéica

3. Análise Estatística

Avaliou-se o número de abelhas sobreviventes cada 12h determinando-se o tempo médio de vida em horas para os indivíduos.

O efeito de cada dieta foi analisado pela estimação dos parâmetros da função de sobrevivência S(t) de acordo com o modelo ajustado de Weibull (a, ß) dado por: S(t) = exp[-(at)^b] em que t > 0 é o tempo de vida observado, a > 0 é o parâmetro de forma da distribuição e b > 0 o parâmetro de escala. Obteve-se em cada caso, a função de sobrevivência e a respectiva curva (Colosimo & Giolo, 2006), calculando-se os intervalos de confiança para o tempo letal de vida até a mortalidade de 50% (TL50) e para o tempo de extinção da população (TL99).

Resultados e Discussão

1. Dieta Rica em Carboidratos

Observou-se que as curvas de sobrevivência não diferiram significativamente entre si, para os tratamentos 8, 9 e 10, representados pelo melaço, água e caldo de cana, respectivamente. Este fato foi devido principalmente ao fator de escala, já que a mortalidade nestes tratamentos foi acentuada logo nos primeiros dias, indicando uma menor variabilidade. Com relação aos demais tramentos, verificou-se que o tempo de vida foi superior, variando de um mínimo de 118,4 horas para a dieta Gludex®, até 209,5 horas para a sacarose associada ao suco de limão. Com relação aos tratamentos 1, 2, 3 e 7, constatou-se que o tempo médio de vida dos adultos alimentados com as dietas nesse quatro tratamentos foi em média 170,0 horas. Para os tramentos em que se utilizou o Gludex® e a frutose, o tempo de vida foi de aproximadamente 131,0 horas (Figura 3).

Figura 5. Curvas de sobrevivência de Apis mellifera alimentadas com dietas protéicas + mel, segundo o modelo
ajustado de Weibull. Temperatura de 28 ± 2°C, UR 70 ± 10% e fotofase de 12 horas, Lavras - UFLA .

Os intervalos de confiança para o tempo letal de vida para mortalidade de 50% da população (TL50) e o tempo de extinção da população (TL99) foi calculado, permitindo inferir mais uma vez que o tratamento sacarose + suco de limão permitiu o maior tempo médio de vida e o maior TL50, com um LI de 179,7 horas e um LS de 224,4 horas, os quais assemelharam significativamente aos tratamentos 3 e 7, representados pela pasta Cândi e sacarose + ácido tartárico, respectivamente. Quanto ao TL99 o melhor resultado foi obtido para o tratamento sacarose + suco de limão, com um LI de 381,5 horas e um LS de 574,8 horas. Os tratamentos 2, 3, 6 e 7 também apresentaram médias de LI e LS superiores a 300 horas, sendo encontrado em média 320,7 e 444,7 horas, respectivamente. Em relação aos tratamentos em que se usou melaço, água e caldo de cana, os resultados foram semelhantes àqueles obtidos para o TL50 (Tabela 1).

Para o tratamento 5, Gludex® um produto comercial em que a sacarose já se encontra invertida e comparativamente aos tratamentos 3 e 4, constatou-se que os valores do TL50 e TL99 , foram os menores valores.

2. Dieta Rica em Proteína

Na avaliação do efeito das dietas proteicas observou-se que não houve diferença significativa entre as dietas testadas para as curvas de sobrevivência, contudo, quando os adultos alimentaram-se do lêvedo de cerveja mais mel, constatou-se maior sobrevivência durante as primeiras 48 horas (Figura 4).

Ressalta-se que o mel cristalizado, destacou-se de todas as dietas testadas, e as abelhas sobreviveram por um período superior à todos os outros tratamentos (Tabela 2; Figura 5). Ressaltando-se que todas as dietas testadas foram elaboradas juntamente com o mel cristalizado, como forma de homogeneizar a pasta utilizada como alimento, justificando-se, desta maneira, a utilização do próprio mel cristalizado como tratamento testemunha.

Esses resultados evidenciam que, em condições de laboratório, o emprego de uma dieta que contenha proteína pode ser até prejudicial. Assim, em condições de campo a utilização de uma dieta rica em proteínas e associada ao mel, possivelmente não contribuirá de forma efetiva para aumentar sobrevivência das operárias (adultos), contudo, será importante para o fortalecimento da colônia, uma vez que esse alimento será utilizado pelas operárias na nutrição das larvas.

Em relação ao tempo letal de vida (TL50), constatou-se que em função das diversas dietas testadas, não foram detectadas diferenças significativas entre os tratamentos, exceto o mel que proporcionou o maior tempo médio de vida (Tabela 2).

Quando se considerou o TL99 constatou-se que o germe de trigo foi a dieta em que se observou o menor tempo com um LI de 47,6 horas e um LS de 54,0 horas, sendo esses resultados próximos àqueles quando se utilizou o pólen associado ao mel. Nos demais tratamentos embora esse tempo letal tenha sido maior, não foram encontradas diferenças (Tabela 2).

O consumo de alimento pelos adultos de A mellifera, evidenciou que houve diferenças significativas entre os tratamentos e o maior consumo foi no tratamento 1 (mel cristalizado), sendo que o consumo médio durante três dias nas dez repetições foi de 1,26 g, ou seja 4,2 mg de mel/abelha/dia. Nos demais tratamentos o consumo foi inferior e quando alimentados com farinha de arroz (4) e pólen (2) consumiu-se apenas 0,27 e 0,16 g, respectivamente.

Conclusões

1. A sobrevivência de adultos de abelhas africanizadas quando alimentados com sacarose acrescida de suco de limão cravo a 2 % foi significativamente superior a todos os demais tratamentos testados.

2. Embora tenha sido detectado pequenas diferenças quanto a sobrevivência dos adultos nas dietas protéicas testadas, não houve diferença significativa entre as dietas protéicas usadas.

Agradecimentos

À FAPEMIG pela concessão da bolsa de estudos, permitindo a execução desta pesquisa.

Referências

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