Artigo

O COMPORTAMENTO DAS ABELHAS INDÍGENAS SEM FERRÃO NO MELIPONÁRIO DA ESCOLA INDÍGENA TUYUKA UTAPINPONA EM 2007

Lenilza Marques Ramos - Escola Indígena Tuyuka Utapinopona
Pieter-Jan van der Veld - Instituto Socioambiental
Fernando Oliveira - Instituto Iraquara

Resumo:

Esse artigo é o resultado da pesquisa de uma aluna do ensino médio da Escola Indígena Tuyuka Utapinopona no Terra Indígena Alto Rio Negro. Durante um ano (2007), a aluna observou o grau da atividade das abelhas no meliponário da escola. Isso resultou em um gráfico que demonstra dois períodos de alta atividade: o período de janeiro a março e o período de junho a julho. Entre esses períodos houve um intervalo curto de baixa atividade, os meses abril e maio. A segunda metade do ano, de agosto até dezembro, foi um longo período de baixa atividade das abelhas. O pique de atividade externa (fora da colméia) foi no mês de março. Outubro foi o de mais baixo grau de atividade.

Essa pesquisa também resultou em doze gráficos que mostram mês a mês o grau da atividade segundo o horário do dia. Apesar de as abelhas mostrarem um comportamento diferente a cada mês, podemos concluir que a maior parte da atividade (fora da colméia) acontece na parte da manhã.

Palavras-chave

Abelhas indígenas sem ferrão, índios Tuyuka, Escola Indígena Tuyuka Utapinopona, Instituto Iraquara, Instituto Sociambiental

Introdução

foto 1 Meliponário da Escola Tuyuka (Pieter-Jan van der Veld - ISA)


Na Terra Indígena Alto Rio Negro, no estado do Amazonas, existem várias escolas indígenas diferenciadas, que tem um ensino mais adaptado à realidade local. Três dessas escolas, a Escola Indígena Baniwa Kuripako, a Escola Indígena Tukano Yupuri e a Escola Indígena Tuyuka Utapinopona, inseriram atividades agrícolas como piscicultura, manejo agroflorestal e meliponicultura em seu currículo. A atividade de meliponicultura é recente. A Escola Tuyuka, onde acontece a pesquisa que deu origem a esse artigo, começou a desenvolver atividades de meliponicultura no ano de 2006, com a captura de matrizes na floresta para dar início à criação. Desde então, aconteceram três reproduções. A ênfase até agora esteve na multiplicação das colméias, mas nesse ano deve começar a produção de mel. O Instituto Iraquara está oferecendo assistência técnica através de oficinas e estágios. O Instituto Socioambiental, uma ONG que atua nas questões indígenas e ambientais, também está envolvido na assistência técnica e tem uma parceria mais ampla com as escolas indígenas mencionada acima. A pesquisa do comportamento das abelhas no meliponário indígena foi uma proposta do Fernando Oliviera do Instituto Iraquara, que também revisou o artigo. A pesquisa foi executada por Lenilza Marques Ramos, da etnia Tuyuka, aluna do Ensino Médio Tuyuka. Pieter-Jan van der Veld, engenheiro agrônomo e assessor do Instituto Socioambiental, apoiou Lenilza com a análise dos dados e escreveu o artigo.

Contexto

A Terra Indígena Alto Rio Negro, que possui uma extensão de quase 80 mil km2 de florestas, campinaranas e rios, está localizada no noroeste do estado do Amazonas, e faz fronteira com a Colômbia e a Venezuela. Aqui vivem mais de 17 mil indígenas, de 19 diferentes etnias, que apresentam uma grande riqueza cultural e lingüística. Os Tuyuka são um povo de aproximadamente 1.200 pessoas, com um pouco menos da metade vivendo na Colômbia. Estão concentrados principalmente na bacia do rio Tiquié, no trecho alto. As cabeceiras desse rio ficam na Colômbia. O povo Tuyuka vive principalmente da pesca e da plantação de mandioca.

foto 2 Pesquisadora indígena Lenilza Marques Ramos fazendo
anotações (Pieter-Jan van der Veld - ISA)


A Escola Tuyuka, uma escola diferenciada, foi criada no ano 2000 pelas comunidades tuyuka do alto Tiquié brasileiro, porque o ensino convencional não respeitava as diferenças culturais e lingüísticas. O ensino da escola Tuyuka se diferenciou do ensino convencional com a adoção do tuyuka como língua de instrução na escola (em vez do português), com um currículo voltado para a realidade local e com a valorização dos conhecimentos tradicionais. A aprendizagem de técnicas e conhecimentos científicos da sociedade ocidental também faz parte do currículo da escola. Os Tuyuka sabem que precisam desses conhecimentos para se relacionar com a sociedade "dos brancos" e para desenvolver experiências de produção alternativas em suas comunidades.

O Ensino Médio da Escola Tuyuka- Utapinopona, que começou em 2005, continua seguindo a proposta do Ensino Fundamental, ou seja, tem como metodologia o ensino via pesquisa. A pesquisa do comportamento das abelhas do meliponário da escola é um resultado dessa metodologia.

Localização

O local do experimento é o meliponário da Escola Tuyuka, na comunidade indígena Mõopoea, há15 quilômetros da fronteira Brasil - Colômbia, na Terra Indígena do Alto Rio Negro. O Tiquié é um afluente do rio Uaupés, que por sua vez é um afluente do rio Negro. O meliponário situa-se no pomar diversificado da escola.

Metodologia

O meliponário da escola tinha no começo do experimento, janeiro 2007, 19 colméias, de cinco espécies diferentes. Ocorreu uma reprodução em 2007. Também foram capturados alguns povos para servirem como matrizes. Alguns povos morreram ou fugiram do meliponário. No final do ano de 2007, o meliponário tinha 36 colméias com quatro espécies.

Tabela 1. As abelhas do meliponário da Escola Tuyuka1


Durante o ano de 2007, Lenilza observou o grau de atividade das abelhas do meliponário da escola seis vezes por dia, três dias por semana,. A observação aconteceu às 07:00, 09:00, 11:00, 13:00, 15:00 e 17:00 horas. Foram estabelecidas três classes de grau de atividades: pouca atividade, atividade média e alta atividade. Essa classificação se baseou na impressão. Não foi realizado nenhum tipo de contagem.

Para facilitar a análise e a produção dos gráficos, cada grau de atividade recebeu um número. Baixa atividade foi classificada como um, a atividade média como dois e alta atividade como três. Foram tiradas as médias mensais de cada hora de observação e uma média geral para cada mês. Isso resultou em treze gráficos. Um gráfico mostra o grau de atividade por mês, os outros doze mostram a média do grau de atividade por hora de todos os dias de cada mês do ano.

Resultados

O gráfico 1 mostra que ocoreram dois períodos de alta atividade, o período janeiro-março e o período junho-julho, separado por um intervalo curto de baixa atividade, que foram os meses de abril e maio. A segunda metade do ano, de agosto até dezembro, foi um longo período de baixa atividade das abelhas. O pique de atividade externa (fora da colméia) foi no mês de março. Outubro foi o mês que mostrou o mais baixo grau de atividade.

Fonte: CPRM

O gráfico 2 mostra o registro pluviométrico do ano 2007 em Pirarara-poço, uma comunidade indígena que fica a 85 quilômetros da Escola Tuyuka em São Pedro. Dá para ver que os piques da alta atividade coincidem com os meses mais chuvosos. Isso é contrário à expectiva, pois muita chuva deve prejudicar as abelhas em suas atividades fora do ninho. O período de alta atividade ( janeiro - março ) tem como mês mais seco, o de fevereiro, e o de março como o mais chuvoso. O mês de fevereiro de 2007 foi excepcional (o mês mais seco dos últimos quinze anos). A diferença em regime de chuva não parece ter influenciado muito o grau da atividade das abelhas.

O gráfico de janeiro mostra que as abelhas foram mais ativas na primeira parte do dia, até às11:00, com o pique de atividade por volta de 09:00. À tarde a atividade ficou abaixo da média (representada pelo número 2), havendo um pequeno aumento da atividade no final do dia. O gráfico de fevereiro mostra um comportamento diferente. As abelhas foram bastante ativas (acima da média) até às13:00, depois a atividade diminuiu gradualmente. Não houve um pique muito claro.

O gráfico de março mostra o pique da atividade por volta de 07:00. Depois a atividade diminuiu gradualmente. Depois de 11:00 a atividade ficou abaixo da média. O gráfico de abril mostra dois períodos do dia em que as abelhas estiveram razoavelmente ativas, de manhã até às 09:00 e no final da tarde, depois de 15:00.

O gráfico de abril, assim como o gráfico de março, mostra o pique da atividade por volta de 07:00. Depois a atividade diminuiu gradualmente, com um leve aumento por volta de 15:00. Depois de 09:00 a atividade ficou abaixo da média. O gráfico de junho mostra o pique da atividade por volta de 07:00. Depois a atividade diminuiu gradualmente, até às 11:00 Entre 11:00 e 13:00 a atividade baixou rápidamente. Durante a tarde houve um leve aumento da atividade.

O gráfico de julho mostra uma atividade acima da média até 11:00, com um declínio rápido entre 11:00 e 13:00. O gráfico do mês de agosto se manteve abaixo da média em todos os horários. As abelhas são mais ativas até às 09:00.

O gráfico de setembro mostra que nesse mês as abelhas foram mais ativas por volta de 07:00 e depois de 15:00. O gráfico do mês de outubro mostra uma variação em atividade bastante irregular, com um pique por volta de 11:00. Os dois meses ficaram abaixo da média. O mês de outrubro foi o mês em que as abelhas foram menos ativas entre todos os meses (veja gráfico 1).

No mês de novembro as abelhas ficaram razoavelmente ativas na primeira parte do dia, até às 09:00. Depois a atividade diminuiu, com uma leve recuperação depois das 15:00. No mês de dezembro a atividade ficou acima da média até às 09:00. Foi a primeira vez desde julho que o valor da atividade ficou acima de 2 (o número que representa uma atividade razoável). O pique da atividade aconteceu por volta de 07:00.



Conclusões e discussão

A metodologia dessa pesquisa tem certas desvantagens. O fato de que o grau de atividade se baseia em impressões (o olhômetro) em vez de alguma forma de contagem, influencia seu valor científico. As observações aconteceram durante um ano só, e é bem possível que o próximo ano mostre um padrão diferente (a pesquisa continua). O Instituto Iraquara informou que, na região onde esse Instituto é ativo, (abaixo de Manaus), o ano de 2007 foi considerado um ano atípico. Esse pode também ser o caso no Alto Rio Negro. O gráfico 2 mostra um regime de chuvas bem diferente da média, especialmente no primeiro semestre do ano. Então, nossas conclusões devem ser consideradas preliminares e podem ser retificadas nos próximos anos.

Parece que, na região do Alto Rio Negro, o primeiro semestre é o melhor período para a atividade de meliponicultura. Na segunda parte do ano as abelhas mostram pouca atividade externa, indicando que o segundo semestre é um período de pouca floração. O primeiro semestre pode ser divido em três períodos. No período janeiro-março e também no período junho-julho as abelhas estão bastante ativas, indicando que há muitas plantas floridas nesses meses. Esses dois períodos de alta atividade externa são separados por um período de baixa atividade, os meses de abril e maio. No ano de 2007 o pique da atividade externa foi no mês de março. Outubro foi o mês que mostrou o mais baixo grau de atividade.

Com base nos resultados preliminares dessa pesquisa, podemos concluir que a melhor época para a safra de mel e a reprodução são os primeiros e os últimos meses do primeiro semestre do ano.

Para entender a relação entre o regime das chuvas e a atividade das abelhas, que à primeira vista parece não ter relação nenhuma, precisamos lembrar que as curvas mostram a quantidade de chuva por mês, e não os dias com chuva ou as horas por dia. No Alto Rio Negro as chuvas tem a tendência de cair no final do dia, deixando bastante tempo para as abelhas fazerem a colheita de mel, mesmo nos meses mais chuvosos.

Os períodos de alta atividade das abelhas coincidem com outros aspectos do calendário ecológico da região. O período janeiro - março é caracterizado pelos "verões", uma expressão indígena para indicar períodos de quatro dias ou até duas a três semanas sem chuva (no Alto Rio Negro não tem uma estação seca, somente períodos mais ou menos chuvosos), seguidos por enchentes. É o período de subida e desova dos peixes (as piracemas), vôos de saúva e, o mais importante, a floração de várias plantas. O período junho - julho é menos destacado pelos acontecimentos ecológicos desse tipo, mas no final de julho tem um período de queda de folhas de certas árvores, seguida pela floração. Também acontece nesses meses um pequeno período de seca de três a cinco dias que permite a queima de capoeira para fazer roças.

Uma conclusão dessa pesquisa é que, embora o comportamento das abelhas seja diferente a cada mês, em geral a maior parte das atividades externas acontecem na primeira parte da manhã, antes das 11:00 (antes da parte quente do dia). As diferenças entre os meses são provavelmente causadas pelas diferenças no tempo (calor, chuva, etc.) de cada mês e a disponibilidade, durante o dia, das flores da época. Para entender as diferenças por mês precisamos acompanhar melhor as variações de temperatura e a distribuição da chuva durante todos os dias da observação. Também precisamos melhorar nosso conhecimento da relação das abelhas nativas e as flores da região. Isso significa identificar quais são as plantas melíferas do Alto Rio Negro e estudar a fenologia dessas plantas.

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