Artigo

TÉCNICAS DE SUBSTITUIÇÃO DE RAINHAS1

Etelvina Conceição Almeida da Silva2

1 Trabalho apresentado ao 16º Congresso Brasileiro de Apicultura. Aracajú, 22 a 25/5/2006
2 Apiário ETRON, caixa postal 506, agência Pinheiro, ITABUNA, Ba, CEP 45600-973, tel 73 3656-5050, ethelmel@oi.com.br

Resumo

A substituição ou renovação das rainhas é uma ocorrência indispensável para a manutenção do vigor e a própria sobrevivência da colônia de abelhas. Na natureza as abelhas a executam segundo suas necessidades biológicas. O apicultor, entretanto, pode e deve se antecipar às abelhas, realizando as substituições nos momentos oportunos, de forma a assegurar a produtividade e outras boas qualidades para o manejo das colméias. Esta técnica é composta por duas operações, que são, a orfanação da colônia e a introdução de uma nova rainha. As novas rainhas podem ser adquiridas ou criadas pelo apicultor. Existem vários métodos, tanto para a orfanação quanto, principalmente, para a introdução. Estes métodos, embora sejam sujeitos a falhar, apresentam bons resultados, ficando por conta de cada apicultor a sua escolha.

Palavras-chaves: Apis mellifera, Africanizada, abelhas-rainhas, produtividade

1) INTRODUÇÃO

Como sabemos, a unidade de produção da apicultura é a "caixa" ou "colméia de produção", constituída por uma colônia normal, adulta, e pelo seu abrigo, a colméia propriamente dita e respectivos acessórios tais como cavalete e tela excluidora. A produtividade desta unidade, contudo, depende de um conjunto de condições favoráveis, tanto externos (florada e temperatura, entre outros) como internos (população, índole das abelhas, estado sanitário etc.).

A equação da produtividade pode ser representada assim:


Onde P = produtividade; Fe = fatores externos e Fi = fatores internos
Então, P será tanto maior quanto maior for o valor de cada somatório de fatores, porém será nula se qualquer um deles for zero (estiver ausente).

Entre os fatores internos, sem dúvida o mais importante é a abelha-rainha ou simplesmente "rainha" do enxame. Vamos detalhar um pouco as funções da rainha:
1-Se a rainha deixar de existir, o enxame perecerá por ser ela a mãe de todas as operárias, zangões e eventuais princesas do enxame.
2- Se a rainha for de má qualidade genética, não transmitirá às suas filhas qualidades desejáveis como rusticidade, longevidade, operosidade, forte tendência ao armazenamento do mel, resistência a doenças e inimigos etc.
3- Se a rainha, ainda que de boa constituição genética, estiver envelhecida ou desgastada, não será capaz de manter a colônia forte, populosa o bastante para realizar boas colheitas.
Do exposto segue que, para termos nosso apiário sempre com alta capacidade produtiva, é imperioso que mantenhamos as rainhas sob controle. Devemos controlar periodicamente sua idade, origem e desempenho e fornecer rainhas para as colônias órfãs ou substituir as rainhas dos enxames de mau desempenho. Do quando e como fazê-lo é o que discutiremos nas seções seguintes.

2) QUANDO SUBSTITUIR AS RAINHAS?

Idealmente, as rainhas de todas as colméias do apiário deveriam ser substituídas a intervalos regulares. É a aplicação da técnica da renovação periódica das rainhas. Desta forma podemos manter todas as colônias jovens e com capacidade produtiva similar (desde que as rainhas sejam da mesma origem). A duração deste intervalo depende da raça de abelhas e do clima da região em que está instalado o apiário. Para a maior parte das situações, é recomendado um ano de intervalo entre as trocas. Para as abelhas africanizadas, principalmente se em região quente como o Nordeste Brasileiro, pode ser preferível um intervalo menor, de nove ou mesmo, seis meses. Para maior precisão da determinação do período ideal, cada apicultor pode observar e registrar a freqüência com que ocorrem as substituições espontâneas no seu apiário e usá-la como guia.
Na prática, por razões econômicas ou técnicas, ainda é difícil para os apicultores manterem um calendário de renovação das rainhas. Assim mesmo, é possível efetuar as substituições das rainhas indesejáveis, como uma das tarefas da manutenção rotineira do apiário. Então, basta ao apicultor registrar, durante as revisões pré ou pós-colheita e, mesmo, durante as colheitas, as colônias de mau desempenho relacionado à rainha (ou órfãs) e providenciar a substituição das suas rainhas.

3) PLANEJANDO AS SUBSTITUIÇÕES

Sabendo quantas rainhas serão necessárias, incluindo também aquelas destinadas às colônias órfãs, teremos agora que (1) obter as rainhas substitutas e (2) estabelecer a data em que faremos este trabalho.
Para o apicultor médio e grande e que tenha pendor para a criação, a melhor fonte será o seu apiário: poderá selecionar as melhores rainhas para mães. Alternativamente, poderá adquirir somente uma ou poucas rainhas da melhor fonte que encontrar e destas, criar suas rainhas.
Se o apicultor não puder ou não desejar criar rainhas, terá que adquiri-las de terceiros. Neste caso, é importante estabelecer contactos prévios com os possíveis fornecedores, para obter informações sobre suas rainhas, preços e outras condições. Escolhido o fornecedor, deve fazer uma previsão das compras: quando precisará das rainhas, em que número, total e por remessa.
Estes entendimentos são da maior importância, tanto para o apicultor, que terá maior garantia de obter suas rainhas no momento que necessitar, como para o fornecedor, para planejar sua produção.
A data exata em que efetuará as substituições será estabelecida considerando diversos fatores, como sua rotina de trabalho, a chegada das novas rainhas etc. Deve, porém, procurar minimizar o estresse que causará às abelhas, preferindo um período entre colheitas ou durante uma florada secundária, pela manhã.

4) SUBSTITUINDO AS RAINHAS

A substituição é composta por duas tarefas: a orfanação (remoção da rainha a substituir) e a introdução da nova rainha.

4.1) Orfanação da colônia

Para orfanar a colônia é recomendado que se trabalhe pela manhã, quanto mais cedo melhor. Nessas horas as abelhas estão geralmente mais calmas e a rainha menos ativa, não se ocultando entre as operárias ou nos recantos da colméia, o que torna a sua localização mais fácil e rápida. Em caso de dificuldade para a localização da rainha, o que pode ocorrer em colônias muito populosas ou agressivas, pode-se fechar a colméia, passar á família seguinte e voltar no dia seguinte. Alternativamente, pode-se recorrer a alguns expedientes, como:
- "Peneirar" o enxame, fazendo-o passar através de uma tela excluidora instalada em uma colméia vazia. Sobre esta tela se coloca um ninho vazio, onde se sacodem os favos e até o ninho original da colônia. A rainha deverá ser encontrada sobre a tela, a qual não consegue atravessar.
- Fechar a colméia, dar algum tempo para as abelhas se reorganizarem e introduzir pelo alvado uma rainha amarrada por um cordel. Esta rainha será uma daquelas que foram substituídas e poderá estar viva ou morta. Dentro de alguns minutos, puxar o cordel e a rainha do enxame poderá estar agarrada à rainha-isca.

4.2) Introdução de rainha: conceito

As abelhas, como outros insetos sociais, vivem em uma sociedade rigidamente coesa. A existência desta sociedade é assegurada pela capacidade dos indivíduos de diferenciarem entre companheiros do ninho e outros que não o são. Os indivíduos que não são parentes são duramente agredidos ao entrar no ninho; as operárias de Apis mellifera reconhecem ainda os sinais de sua rainha e discriminam rainhas que são parentes daquelas não aparentadas da família. Quando encontram uma rainha não parente, a tendência das operárias é rejeitar essa rainha e criar uma rainha a partir das larvas parentes (suas irmãs ou meias-irmãs), existentes nos favos da colméia. Somente na falta destas larvas as operárias estarão inclinadas a conviver com a rainha estranha. Isto ocorre porque, na evolução das abelhas, se a escolha é entre não ter rainha (e, portanto perecer) ou aceitar uma rainha estranha, as operárias optaram por juntar-se à estranha.
Compreende-se, pois, que "Introduzir" uma rainha em uma colônia de abelhas é muito mais do que simplesmente coloca-la dentro da colméia. Esta rainha somente se integrará à colônia se e após terem sido estabelecidos laços bioquímicos com a colônia. Para isto é necessário haver trocas de sinais e de substâncias de controle (feromônios) entre estes personagens. Somente após este processo de integração, a rainha será aceita pacificamente pelas operárias, que passarão a alimentar e cuidar desta rainha e da sua prole.

4.3) Técnicas de introdução

Para vencer a rejeição a introdução tem que ser efetivada com o uso de alguma técnica que evite ou neutralize a agressividade das abelhas durante as primeiras horas de convivência. As mais comuns são as gaiolas de introdução, como a gaiola Miller (Figura 1), que permitem o contacto porém bloqueiam a agressão, por interporem uma barreira (tela) entre a rainha e as abelhas. [1,2]

Figura 1 - Gaiola Miller
(C. C.: canal do cândi)

Numerosas destas gaiolas têm sido descritas, tanto alimentadoras como não alimentadoras. Outros métodos são baseados no tempo de orfanagem, no uso de mel ou de feromônio sintético ou ainda introduzindo a rainha juntamente com um núcleo de suas próprias abelhas.
O grau de eficiência de cada uma destas técnicas pode ser medido pela % de rainhas que são "aceitas", isto é, que se integram á colônia e nela iniciam a postura. Porém o grande número de métodos existentes já deixa claro que nenhum é perfeito, Isto é, nenhum proporciona sempre 100% de sucesso. [2] obtiveram 55 a 56% de aceitação. [3,4] trabalhando com aceitação e fecundação de rainhas africanizadas, utilizou para introdução três tipos de gaiolas: "push-in cage" ou de arame com formato quadrangular (10cm x 10cm x 1cm), "mailing cage" ou de envio pelo correio e Butler modificada, obtendo uma média de 97,5% de aceitação. Em um experimento comparativo entre quatro métodos, [5] encontrou valores entre 50 e 100% de aceitação.
A eficiência somente, não é suficiente para a avaliação do mérito de um método de introdução de rainhas. A determinação do "melhor" método, a ser preferido em uma dada situação deve levar em conta também fatores tais como: a disponibilidade e custo dos materiais a utilizar, o tempo disponível para a execução do trabalho e até a experiência ou preferência pessoal do apicultor.

4.4) Exemplos de utilização dos métodos de introdução mais comuns

A) Introdução imediata, aproveitando a própria gaiola de transporte
Esta gaiola pode ser a Benton, mais comum e tradicional ou de outro tipo, como a JzBz. (Figura 2)

Figura 2 - Gaiolas de transporte
JzBz e Benton

Procedimento:
- Remove-se o batoque do lado do cândi, se houver
- Retira-se o outro batoque, para fazer as abelhas acompanhantes saírem da gaiola e recoloca-se no seu lugar. Esta operação pode ser feita com segurança, estando a gaiola dentro de uma sacola plástica transparente, de tamanho apropriado: se a rainha sair, continuará presa na sacola, sendo fácil recoloca-la da gaiola.
- Retira-se a rainha da colônia e imediatamente se introduz a nova rainha.
- Coloca-se a gaiola na colméia, de preferência entre favos de cria e fixada de forma tal que suas faces teladas fiquem expostas, dando acesso às antenas e língua das operárias da colméia.
- Cinco dias depois, abre-se a colméia para verificar a aceitação e remover a gaiola vazia.

B) Introdução imediata, utilizando gaiola de introdução Miller, Butler (Figura 3) ou outra.

Figura 3 - Gaiola Butler
(também designada como
tubo ou "bobby")

Procedimento:
- Remove-se o batoque do lado do cândi, se houver.
- Abre-se a gaiola de transporte (dentro de um saco plástico), captura-se a rainha e introduz-se na gaiola Butler, com cândi e esta é instalada na colméia, de forma similar ao descrito no processo anterior.

C) Introdução com prazo pré-estabelecido.
- Retira-se a rainha da colônia e todos os favos com cria aberta (larvas) e ovos.
- Vinte e quatro horas depois se introduz a nova rainha.
- Utiliza-se gaiola de introdução.

D) Introdução em presença da rainha da colméia
- Deixa-se a rainha presa em uma gaiola (de transporte ou de introdução) no interior da colônia por 24 horas.
- No dia seguinte retira-se a rainha-mãe da colônia e o batoque da gaiola para as abelhas liberarem a rainha nova.

Figura 4 - Melando e...
introduzindo a rainha


E) Introdução com mel (Figura 4)
- Orfana-se a colônia (retira-se a rainha) no período matinal
- À noite introduz-se a rainha em um pires com mel, passando-o no corpo dela
- Abre-se a colméia e introduz-se a rainha entre os favos de cria

5) CAUSAS DE INSUCESSO NAS INTRODUÇÕES

Como mencionado anteriormente, a introdução, qualquer que seja o método usado, está sempre sujeita a falhar. Além das fragilidades inerentes aos métodos utilizados, diversos fatores podem levar ao não estabelecimento da rainha introduzida. Entre estes contam-se:

a) Condições ambientais: mau tempo, baixa temperatura ou escassez de alimento.
b) Rainhas que não são "aceitas".
c) Presença na colméia de uma rainha, células reais ou operárias poedeiras.
d) Excesso de fumaça ou de manipulações.
e) Ausência de abelhas jovens ou irritação da colônia no momento da introdução.
f) Injúrias causadas à rainha decorrentes do manuseio inadequado, sacolejo ou exposição ao sol e intempéries.
g) Ocorrência de predadores.

6) CONCLUSÕES

A substituição das rainhas, programada ou efetivada de acordo com a necessidade detectada durante as visitas ao apiário é uma técnica do manejo, de grande relevância para a manutenção ou ampliação da sua capacidade produtiva, não devendo por isso, ser negligenciada pelo apicultor.
Esta técnica abrange as operações de orfanação da colônia e da introdução da nova rainha. Para a sua execução existem diversos métodos, capazes de proporcionar bons resultados, podendo a escolha ser feita de acordo com as condições específicas do apiário ou o sistema de trabalho de cada apicultor.

7) REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. CORTES, C.M.. Estudo de variáveis que influem na aceitação e rejeição de rainhas de abelhas Apis mellifera por operárias africanizadas. Ribeirão Preto, 1986. 126 p. Dissertação (Mestre em Genética) - Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto.

2. FREE, J.B., BUTLER, C.G. The size of apertures through which worker honey bees will feed one another. Bee World, London, v. 39, n. 2, p. 40-2, 1958.

3. DUAY, P.R. Introdução e fecundação de abelhas rainhas de Apis mellifera. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE APICULTURA, 10, 1994, Pousada do Rio Quente. Anais. Ademilson E.E. Soares & David De Jong, Ribeirão Preto, SP, 1994, p.75-82.

4. DUAY, P.R. A technique for installing nuclei with Africanized honey bees. Bee World, Cardiff. v. 77, n. 4, p. 212-5, 1996.

5. SILVA, E.C.A. Avaliação da eficiência de técnicas de remessa postal e das condições da colméia na aceitação e fecundação natural de rainhas de abelhas africanizadas (Apis mellifera L.) Rio Claro, 2.000 102 p. Tese (Doutor em ciências Biológicas) - Instituto de Biociências da Universidade Estadual Paulista.

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