Artigo

Redução da toxicidade dos hormônios ambientais pela ação da própolis

Cleber Silveira Moraes; Andreas Daugsch; Gláucia Maria Pastore; Hélia Harumi Sato; Yong Kun Park *.

Universidade Estadual de Campinas-UNICAMP, Faculdade de Engenharia de Alimentos, Caixa Postal 6177, CEP 13081-970, Campinas-SP, fone: 55-19-3788-7055, fax: 55-19-3289-2832.

* Professor e coordenador deste trabalho. Fone: 55-19-3788-2157, fax: 55-19-3788-2153, e-mail: ykpark@fea.unicamp.br.


Resumo

Hormônio ambiental é o nome dado a compostos aromáticos policlorados com dois oxigênios em sua estrutura como dibenzo-p-dioxina policlorados (PCDD), dibenzofurano policlorados (PCDF), e difenil policlorados (PCB), que produzem efeitos fisiológicos indesejáveis no nosso organismo. Esses compostos apresentam estruturas similares e são denominadas dioxinas.

Os hormônios ambientais são formados na produção de agrotóxicos, queima de combustíveis, queima inadequada de compostos clorados, entre outros processos de queima de produtos que contenham cloro, porém na atualidade a grande preocupação com a formação de dioxinas é referente à combustão inadequada do lixo.

As dioxinas têm a capacidade de transformar receptores aril-hidrocarbono (AhR) que podem induzir o núcleo a produzir fatores antes não produzidos pelas células. Estes fatores estão envolvidos na carcinogênese e outras doenças como promoção tumoral, deficiência imunológica, indução a teratogenia e deficiência do sistema reprodutor. (Park et al, 2004).

Diversas substâncias encontradas em chás e vegetais tem sido estudadas por pesquisadores para a supressão da toxicidade das dioxinas. Neste trabalho verificou-se que própolis, um produto natural, contém flavonóides que se ligam a receptores AhR, suprimindo a ligação da dioxina, e com isso diminuindo sua toxicidade.

Introdução

Dioxina é o nome genérico dado aos compostos aromáticos policlorados com dois oxigênios em sua estrutura (Figura 1). Os compostos dibenzo-p-dioxina policlorados (PCDD), dibenzofurano policlorados (PCDF), e difenil policlorados (PCB), apresentam estruturas e efeitos biológicos similares e são classificados como dioxina, e comumente denominados hormônios ambientais. Foram identificados até hoje aproximadamente 75 compostos derivados de PCDD, 135 derivados de PCDF, e 12 derivados de PCB. Das dioxinas existentes a mais conhecida é a 2,3,7,8-tetraclorodibenzo-p-dioxina (TCDD) que é a mais tóxica e estudada pelos pesquisadores. (Behnisch et al, 2001; Huwe et al, 2002; Park et al, 2004; Park et al, 2005).

Figura 1: Estrutura das dioxinas


Formação de dioxinas

As dioxinas podem ser formadas durante incêndios florestais, erupções vulcânicas, ou decomposição de matéria orgânica, e no caso de intervenção humana pode ocorrer devido à reciclagem de metais, siderurgia, produção de agrotóxicos, queima de combustíveis, queima inadequada de compostos clorados como os plásticos, queimas caseiras (churrasqueira, lareira) e tratamentos de efluentes. Um outro grande gerador de dioxina é na produção do papel branco, pois o cloro é largamente utilizado para o branqueamento da celulose. Os resíduos clorados quando não tratados adequadamente podem formar dioxinas. (Park et al, 2004).

Na atualidade o maior problema vem de enormes quantidades de lixos orgânicos que são liberados diariamente pelo homem. No lixo orgânico existem compostos como o carbono, oxigênio, hidrogênio, compostos químicos que possuem cloro em sua estrutura, e quando este lixo é aquecido a temperaturas baixas, ocorre a combustão incompleta dos compostos orgânicos dando origem às dioxinas. Durante a degradação do lixo orgânico, as dioxinas são liberadas para a atmosfera, podem contaminar rios e solo, contaminar produtos agrícolas, que vão ser ingeridos pelos animais ou pelos seres humanos. As dioxinas também podem se acumular nos músculos dos peixes e animais que podem ser ingeridos pelos seres humanos e causar diversos efeitos indesejáveis. (Park et al, 2004).

Mecanismo de ação das dioxinas

Quando o ser humano é contaminado com a ingestão de dioxinas ocorrem alterações no metabolismo porque as dioxinas promovem a transformação dos receptores aril hidrocarbonos (AhR). Esses receptores que se ligam normalmente a hormônios que promovem na célula as sínteses de compostos que atuam no metabolismo celular normal (figura 2), passam a se ligar com a dioxina. Esta transformação promove alteração no DNA celular, mediando a ativação de alguns genes, que passam a informação para que a célula produza diferentes compostos, como o citocromo P450 e proteína quinase, que são responsáveis pela ativação da carcinogênese e outras doenças (figura 3). Pelo fato das dioxinas se ligarem aos receptores dos hormônios naturais, agindo antagonicamente a estes, e estarem livres na natureza, as dioxinas receberam o nome de hormônios ambientais. (Ashida et al, 2000; Behnisch et al, 2001; Breinholt et al, 2002; Huwe et al, 2002; Park et al, 2004; Park et al, 2005).

Figura 2: Funcionamento normal da ligação do hormônio
com seu receptor.

Figura 3: Alteração da célula promovida pela ligação de dioxina
no receptor hormonal.


As modificações que ocorrem no DNA celular promovem danos irreparáveis na célula, ocasionando no organismo a indução de câncer, formação de tumores, redução das defesas imunológicas, alteração no sistema reprodutivo diminuindo a quantidade de espermatozóides produzidos, e conseqüentemente originando a impotência sexual, no entanto em mulheres causam a redução do crescimento dos seios. Os hormônios ambientais podem promover também a involução do timo, perturbação endócrina, teratogenia, isto é, geração de crianças deformadas, apresentando má formação do nariz, lábios leporinos, olhos cíclopes, ausência de cérebro, etc. (Ashida et al, 2000; Behnisch et al, 2001; Breinholt et al, 2002; Huwe et al, 2002).

Supressão da toxicidade das dioxinas através do uso da própolis

Atualmente, diversos estudos têm mostrado que compostos como os flavonóides, tem a capacidade de suprimir a alteração dos receptores aril-hidrocarbonos (AhR) por dioxinas. Foram testados, conforme mostrado na tabela 1, a capacidade de diversos produtos vegetais na inibição do AhR apresentando valores mínimos para inibição da transformação de receptores AhR por 1nM de dioxina (IC50) variando de 60 a 2000 ug/mL (Park et al, 2004).

A própolis tem alto teor de flavonóides e tem sido usada como alimento funcional, desta forma foi estudado o efeito da propólis na supressão da toxicidade dos hormônios ambientais. (Ashida et al, 2000; Breinholt et al, 2002; Park et al, 2004; Park et al, 2005).

Neste trabalho foram estudados extratos de própolis do grupo 12, que é encontrado na região Sudeste, envolvendo os estados de São Paulo e Minas Gerais. A figura 4 ilustra que a própolis dessa região tem grande poder de inibição da transformação de AhR por dioxina (IC50 = 3,6 ug/mL), devido a presença de flavonóides, principalmente os flavonóis e os flavons. Esses flavonóides tem a capacidade de se ligar aos receptores AhR sem alterá-los, impedindo a ligação das dioxinas, reduzindo desta forma, a alteração de DNA e efeitos fisiológicos indesejáveis para nosso organismo. (Park et al, 2004).

Tabela 1: Valores de IC50 de extratos de vegetais e frutas
na supressão de transformação de receptores AhR por 1nM
de 2,3,7,8-tetraclorodibenzo-p-dioxina (TCDD).


Conclusão

As dioxinas, mundialmente conhecidas como hormônios ambientais são produtos altamente tóxicos que podem contaminar o homem através da alimentação, e causar danos irreparáveis no DNA humano, levando a deficiência no funcionamento celular e consequentemente ocasionando carcinogênese e problemas relacionados a distúrbios do funcionamento celular.

O homem precisa ter a consciência de diminuir a poluição com hormônios ambientais, evitando o uso de produtos clorados. No caso de ser indispensável o uso de produtos clorados estes devem ser incinerados a temperaturas altas suficiente para degradar os compostos clorados por completo, impedindo assim a formação das dioxinas.

O extrato etanólico de própolis verde do grupo 12 contém flavonóides (flavonóis e flavons) com capacidade de inibição da toxicidade induzida pela dioxina muito maior que produtos vegetais. O vegetal testado mais efetivo na supressão da transformação de receptores AhR induzida por TCDD, foi a cenoura com IC50 = 60 ug/mL, enquanto a própolis da região Sudeste apresentou IC50 = 3,6 ug/mL, que representa uma exigência de quantidade muito menor de própolis para a inibição da dioxina em relação aos vegetais.

As pessoas podem diminuir a toxicidade das dioxinas através da ingestão de produtos naturais, principalmente a própolis, que possui alto teor de flavonóides que agem suprimindo a transformação de AhR e a toxicidade induzida por dioxinas.

Figura 4: Efeito dos extratos etanólicos de própolis
do grupo 12 na transformação de receptores AhR
induzida por TCDD (2,3,7,8-tetraclorodibenzo-p-dioxina).


Referências Bibliográficas

Ashida, H., Fukuda, I., Yamashita, T., Kanazawa, K. Flavones and flavonols at dietary levels inhibit a transformation of aryl hydrocarbon receptor induced by dioxin. Journal of European Biochemical Societies, v. 476, p. 213-217, 2000.

Behnisch, P.A., Hosoe, K., Sakai, S. Bioanalytical screening methods for dioxins and dioxin-like compounds- a review of bioassay/biomarker technology. Environment International, v. 27, p. 413-439, 2001.

Breinholt, V.M., Offord, E.A., Brouwer, C., Nielsen, S.E., Brosen, K., Friedberg, T. In vitro investigation of cytochrome P450-mediated metabolism of dietary flavonoids, v. 40, p. 609-616, 2002.

Huwe, J.K. Dioxins in food: A modern agricultural perspective. Agricultural and Food Chemistry.2002. 2004.

Park, Y.K., Fukuda, I., Ashida, H., Nishiumi, S., Yoshida, K., Daugsch, A., Sato, H.H., Pastore, G.M., Suppressive effects of ethanolic extracts from própolis and its main botanical origin on dioxin toxicity. Journal of Agricultural and Food Chemestry, v. 53, n. 26, p. 10306-10309, 2005.

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