MELIPONICULTURA

A CRIAÇÃO TRADICIONAL DE ABELHAS SEM FERRÃO EM POTES DE BARRO EM BONINAL, CHAPADA DIAMANTINA, BAHIA¹.

Marina Siqueira de Castro (marinascastro@uol.com.br)
Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS), Núcleo Irai de Desenvolvimento Sustentável. KM 3, BR 116 Campus Universitário S/N 44031-460- Feira de Santana, BA, Brasil.
Empresa Baiana de Desenvolvimento Agrícola (EBDA), Laboratório de Abelhas (LABE). Av. Ademar de Barros, 967. Ondina, Salvador, BA.
Alex Fabian Rabelo Teixeira²; Marina Siqueira de Castro³; Brunno Kuhn-Neto 4;
1. Apoio: CNPq, PRONAF, FAPESB e EBDA.
2. Empresa Baiana de Desenvolvimento Agrícola (EBDA) - Pesquisador colaborador, Bolsista FAPESB, e-mail: afabian13@yahoo.com.br
3. EBDA, Coordenadora do Laboratório de Abelhas. Professora adjunta na Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS) -.
4. EBDA, UEFS - Bolsista FAPESB, Graduando em Ciências Biológicas.

Resumo Tudo indica que as abelhas sem ferrão são polinizadores chave de diversas espécies vegetais, contudo muitas espécies estão com suas populações em declínio. Em Boninal, Chapada Diamantina, Bahia, algumas espécies são criadas, o que pode representar uma forma de preservação. Esse trabalho visa principalmente diagnosticar a situação atual da fauna de abelhas sem ferrão e os manejos empregados para sua criação pelas comunidades de agricultores familiares de Boninal, Chapada Diamantina, Bahia. Para isso foram realizados levantamentos de ninhos, coletadas abelhas sem ferrão quando em visita às flores, feitas inspeções aos meliponários e aplicados protocolos de entrevistas semi-estruturadas. Foram registradas 11 espécies de abelhas sem ferrão. Destas, cinco são criadas, com destaque para mandaçaia e jataí, a primeira é criada tradicionalmente em potes de barro. Contudo, provavelmente as populações locais da mandaçaia encontram-se em declínio. Após o diagnostico da situação da fauna de abelhas sem ferrão e a avaliação do manejo empregado, algumas recomendações são feitas para que de fato a criação de abelhas sem ferrão em Boninal alcance o cenário desejado.

Palavras-Chave: criação tradicional, manejo, diversidade, agricultura familiar.

Introdução

Na Bahia, assim como em muitas regiões do Brasil, antes da introdução das abelhas melíferas - Apis mellifera Linnaeus 1758 - as abelhas criadas eram exclusivamente as abelhas nativas sem ferrão, que eram mantidas em cortiços, cabaças, potes de barro e caixas rústicas de madeira, constituindo uma atividade tradicional usada por muitas comunidades rurais.

Contudo, o interesse em criar abelhas sem ferrão - nativas das regiões tropicais e subtropicais do mundo (Michener, 2000), com alta abundancia e riqueza no território brasileiro, onde já foram descritos cerca de 27 gêneros e 192 espécies (Silveira et al., 2002) - foi diminuindo gradativamente, principalmente após a introdução, por volta dos anos 60, das abelhas melíferas africanas (Apis mellifera scutellata Lepeletier, 1836), grandes produtoras de mel.

Estudos realizados por Kerr (1987) no Maranhão indicaram que há 30 ou 40 anos atrás um criador de Melipona compressipes fasciculata Smith, 1854, chegava a ter 2.000 colônias, esse número caiu para 60 colônias por criador ou no máximo 200 colônias. Na Bahia, registros feitos por Teixeira & Castro (dados não publicados), advertem que os sistemas de criação de abelhas sem ferrão, principalmente de mandaçaia (Melipona mandacaia), em caixas cilíndricas feitas de cerâmica, imitando um tronco ou galho de árvore e em caixas feitas a partir da união de duas telhas de barro desenvolvidos no passado (recente), pelas comunidades rurais do município de Euclides da Cunha; atualmente se encontram em declínio, por exemplo, o produtor Lourival Alves de Oliveira (Seu Louro) já teve "muitas" colônias de mandaçaia, hoje só possui duas.

Aliado a diminuição do interesse das comunidades rurais em criar abelhas sem ferrão - e apesar de tudo indicar que essas abelhas são polinizadores chave de diversas espécies vegetais (Cane, 2001) - soma-se o fato de que muitas espécies estão com suas populações locais em declínio ou mesmo sendo exterminadas (como mencionado por Kerr et al., 2001; Kerr, 2002). Este é o caso de algumas espécies do gênero Melipona que estão se tornado cada vez mais raras nas regiões onde antes eram comumente encontradas. Por exemplo, Melipona scutellaris (Latreille, 1811) (uruçu verdadeira) antes comum na Mata Atlântica e na Chapada Diamantina da Bahia e, atualmente rara em seu hábitat natural.

Além disso, embora os meliponíneos, de uma forma geral, possuam diversificados hábitos de nidificação (descritos p. ex.: por Camargo, 1970; 1984; 1990; 1994; Kerr et al. 1967; Imperatriz-Fonseca et al., 1972; Laroca & Almeida,1989 & Nogueira-Neto & Sakagami, 1966), a maioria das espécies depende de cavidades pré-existentes, geralmente, em ocos de árvores vivas ou mortas para construírem seus ninhos (Nogueira-Neto, 1997; Nogueira-Neto et al., 1986), o que os tornam ainda mais susceptíveis a fatores como: desmatamento e queimadas das matas; fragmentação dos hábitats, antes contíguos; ação das serrarias que buscam as árvores maiores e mais idosas, que possuem normalmente mais ocos, assim ninhos de abelhas; uso indiscriminado de inseticidas, especialmente nas proximidades de monoculturas de milho, soja, citros e outras e ação predadora dos seus ninhos, realizada pelos meleiros que destróem árvores, muitas vezes para coletar uma pequena quantidade de mel.

Apesar desse cenário, são poucos os estudos sobre a criação tradicional de abelhas sem ferrão pelas comunidades rurais brasileiras. São exemplos os realizados por Venturieri et al. (2003), onde é feita uma avaliação da introdução de técnicas de manejos para a criação racional da espécie uruçu-cinzenta (Melipona fasciculata Smith, 1858) entre os criadores tradicionais de abelhas em Bragança, Pará e por Câmara et al., (2004), que desenvolveram um estudo preliminar sobre a situação atual da produção de mel da abelha jandaíra (Melipona subnitida Ducke, 1910) e a participação da comunidade nas atividades da meliponicultura no município de Jandaíra, Rio Grande do Norte.

Algumas localidades baianas mantêm criações tradicionais em sistemas de manejo desenvolvidos a partir de saberes tradicionais locais, geralmente repassados de geração em geração. Um exemplo é o município de Boninal, na Chapada Diamantina, onde algumas espécies de abelhas sem ferrão (como mandaçaias e jataís) são tradicionalmente criadas.

Diagnosticar a situação atual da fauna local e conhecer as técnicas empregadas na criação das abelhas sem ferrão pelas comunidades rurais de Boninal é indispensável para o incremento da criação e manejo sustentável dessas abelhas na região, visto que entre outras coisas isso possibilitará: determinar a riqueza das espécies existentes, a abundância relativa dessas espécies e assim verificar qual(is) são melhores para a criação racional local, tendo em vista sua produtividade; quais as espécies com populações em declínio e assim prioritárias para preservação; quais os substratos (principalmente espécies de árvores) fornecem ocos para as abelhas; qual a abundância relativa de cada substrato e quais devem ser prioritariamente multiplicados e usados para reconstituição da vegetação local; quais as espécies vegetais que servem como fonte de alimento (néctar e pólen). Como conseqüência, polinizadores potenciais, representados pelas abelhas sem ferrão criadas, serão protegidos.

Nesse contexto, o presente estudo visa principalmente diagnosticar a situação atual da fauna de abelhas sem ferrão e as técnicas de manejos empregadas para sua criação pelas comunidades tradicionais de Boninal, Chapada Diamantina, Bahia. Especificamente, pretende-se investigar a riqueza e a abundância relativa das espécies meliponíneos encontradas na natureza (ninhos) e mantidas em meliponários; os substratos usados para nidificação; e as plantas visitadas por essas abelhas.

Material e Métodos

Localização e caracterização da área de estudo

As coletas foram realizadas nas comunidades rurais pertencentes a Associação de Cultura Popular Quebra-Coco: Rocinha; Capão Comprido; Baixa Funda; São Domingos; Cedro; Capão de Jacu; Curral Velho; Picos; Furados; Guribas e também na própria cidade de Boninal na Chapada Diamantina, Bahia. O município de Boninal (12o42'S e 41º50'W) d ista 513km de Salvador e apresenta um clima semi-árido, sub-úmido a seco; relevo do tipo Pediplano Central da Chapada Diamantina e altitude 960m.

Possui vegetação bastante heterogênea, com áreas de transição caatinga-cerrado e áreas de contato caatinga-floresta estacional, além de remanescentes de matas ciliares ao longo dos riachos e rios que circundam a Chapada Diamantina.

Atualmente, muitas dessas áreas foram substituídas, dando lugar às plantações de abacaxi, alho, café, cana-de-açúcar, feijão, fumo, mandioca, milho, tomate e pimentão, culturas cultivadas principalmente pelos agricultores de economia familiar da região.

Procedimento no Campo

Para diagnosticar a situação atual da fauna de abelhas nativas sem ferrão foram utilizadas três técnicas diferentes:

a) Coleta das abelhas diretamente nas flores.

A amostragem das abelhas nas flores foi feita utilizando-se rede entomológica, baseado no método descrito por Sakagami et al. (1967), com algumas modificações. Na comunidade da Rocinha foi selecionada uma área na roça do senhor Emiliano M. de Almeida, onde as coletas foram realizadas por duas pessoas, durante três dias, mês de outubro de 2003 (período seco), das 06:00 às 17:00 horas, em transecto com 1km, contemplando áreas com remanescentes de matas ciliares, mesclada com áreas agrícolas.

O tempo de coleta em cada planta foi de cerca de 5 a 10 minutos. Em plantas onde existiam poucas flores, ou em plantas raras na área, esperava-se até 15 minutos.

As abelhas capturadas foram mortas em câmaras mortíferas contendo acetato de etila. Em seguida, foram colocadas em frascos de plásticos etiquetados, contendo as seguintes informações: local, data, planta e horário.

Posteriormente, em laboratório, esses dados foram transferidos para as etiquetas de cada espécimen. As plantas floridas foram numeradas no campo e enviadas para herbário para identificação e armazenamento. Cerca de cinco exsicatas de cada espécie foram confeccionadas.

b) Levantamento de ninhos de abelhas sem ferrão.

Algumas áreas foram selecionadas nas comunidades rurais de Boninal, onde foram realizados censos esporádicos dos ninhos a partir de procuras aleatórias feitas, geralmente, no entorno dos meliponários, contando com a ajuda dos moradores da região.

c) Aplicação de protocolo com entrevistas semi-estruturadas.

Foram aplicados protocolos de entrevistas semi-estruturadas aos meliponicultores das comunidades rurais de Boninal, com questões relativas às espécies de abelhas sem ferrão criadas, às técnicas de criação utilizadas, a forma de criação, os substratos onde os enxames foram capturados, entre outras.

Além disso, as atividades desenvolvidas em campo foram registradas e documentadas a partir de fotografias e filmagens.

Procedimento no Laboratório

As abelhas coletadas foram montadas e etiquetadas. Em seguida, submetidas a uma desidratação. Após a desidratação, as abelhas foram acondicionadas em caixas entomológicas de polietileno e mantidas em gavetas entomológicas, com naftalina e formol em pastilha, para evitar o ataque de parasitas, e depositadas na coleção de referência do Laboratório de Abelhas da Empresa Baiana de Desenvolvimento Agrícola.

As espécies vegetais coletadas foram encaminhadas ao Herbário da Empresa Baiana de Desenvolvimento Agrícola (EBDA), Salvador, onde as exsicatas foram preparadas, depositadas e as plantas foram identificadas.

Os espécimes de abelhas sem ferrão foram identificados na Universidade Estadual de Feira de Santana por Favízia Freitas de Oliveira..

Resultados e Discussão

De acordo com estudos desenvolvidos no estado da Bahia, a riqueza de espécies de abelhas sem ferrão oscilou entre 7 a 18 espécies (a partir, principalmente, da coleta das abelhas nas flores), a depender da área, por exemplo: em Itatim, n=9 (Aguiar, 2003); em Milagres, n=18 (Castro, 2001); nas dunas de Ibiraba, município de Barra, n=7 (Teixeira, 2001; Viana, 1999; Neves & Viana, 2002); Castro Alves, n=8 (Carvalho, 1999); Casa Nova, n=10 (Castro, 1994) e Lençóis, n=12, quando incluída, também, espécies coletadas diretamente dos ninhos (Viana, 1992).

Assim, pode-se inferir que a região de Boninal, na Chapada Diamantina, encontra-se na média da riqueza de espécies de abelhas sem ferrão (n=11) encontrada na Bahia (Quadro I).


Quadro I. Riqueza de espécies de abelhas sem ferrão
encontrada na região de Boninal, Chapada Diamantina,
Bahia, a partir de levantamento de ninhos; coleta de abelhas
nas flores e nas colônias mantidas em meliponários.

No entanto, esperava-se uma riqueza de espécies mais expressiva para o município de Boninal, como aquela encontrada nos inselbergs de Milagres por Castro (2001), já que ambos municípios situam-se em vegetação de transição, onde normalmente são encontradas altas riquezas de espécies, porém deve-se ressaltar que em Milagres o esforço amostral foi bem maior do que o realizado em Boninal.

Além disso, das áreas estudadas na Bahia, a mais próxima ao município de Boninal é a de Lençóis, onde, entre outras, as seguintes espécies de abelhas sem ferrão foram registradas: em flores, Frieseomelitta francoi (Moure, 1946), Nannotrigona testaceicornis (Lepeletier, 1836), Leurotrigona muelleri (Friese, 1900), diretamente nos ninhos, Frieseomelita sp., Plebeia droryana (Friese, 1900) e M. scutellaris (Viana, 1992), mas até o momento ainda não foram encontradas em Boninal. Assim, espera-se que com o aumento das áreas amostradas algumas dessas espécies também sejam encontradas em Boninal.

Das espécies de abelhas sem ferrão registradas em ninhos nas comunidades rurais de Boninal, Scaptotrigona bipunctata (Lepeletier, 1836) e Tetragonisca angustula (Latreille, 1811) foram as que apresentaram maiores abundantes de ninhos (Figura 1).


Figura 1.
Abundância relativa dos ninhos das espécies
de abelhas sem ferrão registrados nas
comunidades rurais de Boninal, Chapada Diamantina, Bahia.

Merece destaque a presença de um ninho (3%) de Melipona quinquefasciata Lepeletier, 1836 espécie de abelha uruçu que constrói ninho no chão e é atualmente bastante rara. Essa espécie de abelha sem ferrão foi registrada recentemente com ocorrência para o Nordeste, ao longo da Chapada do Araripe e do planalto de Ibiapaba, no estado do Ceará (Lima-Verde & Freitas, 2002). Devido, principalmente, ao seu hábito de nidificação, seus ninhos são bastante susceptíveis a serem destruídas pela aração de áreas destinadas à agricultura e pecuária, o que a torna uma espécie com risco de extinção. Na Bahia, o primeiro registro foi feito por M. S. CASTRO, que a coletou em Piatã, situada na Chapada Diamantina, próxima a Boninal.

Das espécies de abelhas sem ferrão presentes na região de Boninal, cinco são criadas, sendo que T. angustula (jataí) e Melipona quadrifasciata anthidioides Lepeletier, 1836 (mandaçaia) são preferencialmente criadas, já Plebeia sp. (mosquitinho), Partamona helleri (Friese, 1900) (Curvana) e Melipona asilvai Moure, 1971 (Manduri) são criadas esporadicamente, mas deve-se destacar que a mandaçaia é preferencialmente criada pelas comunidades rurais e a jataí é mais criada na zona urbana (Figura 2).


Figura 2.
Abundância relativa das espécies de abelhas sem ferrão
criadas pelas comunidades de Boninal, Chapada Diamantina, Bahia.

Juntando as informações das abundâncias das espécies encontradas em ninhos, com a abundância das espécies criadas, fica notório que apenas um ninho (3%) da espécie de abelha sem ferrão preferencialmente criada pelas comunidades rurais de Boninal (a mandaçaia) foi observado na natureza, fato que constitui um indício de que as populações silvestres dessa espécie estão em declínio na região, provavelmente agravado pela retirada indiscriminada dos ninhos para suprir os meliponários e devido ao desmatamento. De certa forma, isso pode ser corroborado já que a maior abundância de ninhos é de uma espécie que não é criada na região, S. bipunctata. Em contrapartida, fica evidenciado, também, que se não fosse a criação das mandaçaias essa situação estaria mais agravada e possivelmente seria raro encontrar essa espécie de abelha na região.

De acordo com os estudos sobre a distribuição das espécies do gênero Melipona no estado da Bahia, desenvolvidos por Castro (no prelo), três espécies de abelhas sem ferrão são conhecidas como mandaçaias: 1. a espécie Melipona mandacaia Smith, 1863 ocorre do norte de Minas Gerais atravessando o estado da Bahia, até a divisa com Pernambuco, somente nas áreas de caatinga às margens do rio São Francisco a até 200Km das mesmas; 2) a M. q. anthidioides, tem distribuição um pouco mais ampla, tendo sido encontrada nas áreas de mata, de cerrado e de ecótono entre cerrado/caatinga, mas não no seu interior e 3) a Melipona quadrifasciata quadrifasciata Lepeletier, 1836 que ocorre nas áreas de ecótono (transição) entre Caatinga e Cerrado, no sudoeste do Estado.


Figura 3.
Abundância relativa dos substratos onde os ninhos das
abelhas sem ferrão foram encontrados em Boninal, Chapada Diamantina, Bahia.

Em Boninal, os ninhos das abelhas sem ferrão foram encontrados em sua maioria em ocos de árvores, destacando-se uma espécie vegetal conhecida na região como Vilão (não foi identificada, pois não encontrava em floração) e a Quixabeira [Sideroxylon obtusifolium (Roem. & Schult.) Penn.] (Figura 3). Nesse último substrato foi encontrado 91% dos ninhos de abelhas do gênero Melipona na Área de Proteção Ambiental (APA) Lagoa de Itaparica, município de Gentil do Ouro, Bahia, sendo registrado até 25 ninhos em uma mesma árvore (Oliveira, 2002).

No presente estudo, os ninhos registrados na quixabeira eram, na sua maioria, de T. angustula e S. bipunctata; e o único ninho encontrado de M. q. anthidioides estava localizado em um cupinzeiro, indicando a ação antrópica que pode gerar a falta de ocos para nidificação, já que o cupinzeiro não é o seu local de nidificação natural (Figura 3).

Com relação à forma de criação, foram registradas famílias de agricultores com uma colônia de abelhas sem ferrão e outros com 44 colônias, com uma média de 9,7 colônias por família. A maioria das colônias das abelhas sem ferrão é mantida em potes de barro e em caixas feitas de madeira, sendo que 69,7% das colônias em potes de barro encontram-se na zona rural e 77,1% das colônias em caixas de madeira são mantidas em meliponários localizados na cidade (Figura 4).

Os cortiços são troncos de árvores cortadas, a mais comum é conhecida na região como "pau-de-sangue" (não identificada pois não foi encontrada em floração), também foram registrados cortiço de troncos de angico (A. colubrina).


Figura 4.
Abundância relativa das formas de criação de abelhas
sem ferrão na região de Boninal, Chapada Diamantina, Bahia.

As mandaçaias (M. q. anthidioides) são criadas tradicionalmente em potes de barro, já as jataís (T. angustula) em caixas de madeiras (Figura 5).

As colônias são passadas de pai para filho e podem ser cuidadas pelo pai, pelos filhos e pela mãe, mas normalmente cabe ao filho (homem) e ao pai cuidar e capturar enxames na natureza.

Não se sabe com certeza como a criação de mandaçaias em potes de barro teve início pelas comunidades de Boninal, mas, tudo começou quando um produtor resolveu dar utilidade a um pote de barro velho, transferindo uma colônia de mandaçaia do cortiço para esse pote. A colônia aí instalada encontrou um ambiente ideal para o seu desenvolvimento e cresceu rapidamente. A partir desse momento, virou tradição a criação de mandaçaias em potes de barro pelas comunidades rurais da região de Boninal, sento atualmente encontradas colônias em pote de barro com até 50 anos de idade.


Figura 5.
Formas de criação de abelhas sem ferrão, de acordo com
as espécies criadas na região de Boninal, Chapada Diamantina, Bahia.

Como relação ao manejo propriamente dito pode-se dizer que:

1. Os enxames são retirados diretamente da natureza. Na região de Boninal é bastante comum encontrarcolônias de mandaçaia em ocos existentes nos troncos e galhos de uma árvore conhecida como "Pau-sangue". Uma vez encontrado o ninho da abelha o tronco é cortado e levado, à noite, para próximo da casa, onde será transferido para o pote de barro.

2. O local da criação (meliponário) normalmente encontra-se localizado próximo às casas, nos quintais das residências, ou bem próximas a essas, para evitar roubos. As colônias são agregadas, geralmente, sob árvores ou penduradas em seus galhos (Figura 6).

3. As colônias raramente são abertas. A vistoria é feita a partir da observação do movimento externo das abelhas e através de batidas nos potes de barro. Se há um bom movimento de entrada e saída das abelhas ou se após a batida várias abelhas saem, ficando voando e zumbindo ao redor das pessoas, é sinal que a colônia está forte. A entrada de abelhas com "sambora" (pólen), indica que a colônia está em desenvolvimento.


Figura 6.
Disposição dos potes de barro onde são criadas as abelhas mandaçaia,
Boninal, Chapada Diamantina, Bahia. (a), (b) e (c) criadores de abelhas
sem ferrão da comunidade rural da Rocinha, Boninal exibem
suas colônias de abelhas mantidas em potes de barro; (d), (e) e
(f) detalhe de agregação de colônias de abelhas sem ferrão mantidas
em potes de barro, cortiços e cupinzeiros. Fotos: Arquivo do LABE, EBDA.

4. A coleta do mel é realizada nas épocas de chuvas ou após essas, em colônias "gordas", ou seja, fortes e com bastante potes de alimentos. Para isso, o pote de barro é aberto e os potes de mel são furados, geralmente com uma faca ou garfo; então, o pote de barro é virado e o mel escorre para uma vasilha (ex.: panela de alumínio). O mel é coado em uma peneira, colocado em uma garrafa de vidro ou plástico e armazenado em local fresco.

5. Apenas o mel é o produto final dos criadores de abelhas sem ferrão da região de Boninal. Quando há uma grande produção, o mel pode ser vendido na feira. Mas, freqüentemente o mel é usado como remédio, dado aos vizinhos, aos parentes e principalmente às crianças que estão gripadas.

A partir de uma coleta preliminar, sete espécies de abelhas sem ferrão foram coletadas (Quadro I) quando visitava dez espécies vegetais, pertencentes a sete famílias botânicas (Tabela I). S. bipunctata foi à espécie mais abundante nas flores (35,8%), M. q. anthidioides foi a segunda mais abundante (22,8%) e Geotrigona mombuca (Smith, 1863) (19,1%) foi a terceira.

Das espécies de abelhas criadas, M. q. anthidioides concentrou seu forrageio nas flores da mandioca (Manihot sculenta) (91,8%) e T. angustula na leitosa (Sapium sp) (78,9%).


Tabela I.
Espécies vegetais visitadas por abelhas sem ferrão
na Rocinha, Boninal, Chapada Diamantina, Bahia.

Considerações finais

A criação de abelhas sem ferrão (Meliponicultura) - desde que conduzida sustentavelmente - poderá ser uma forma de promover sinergia com outras atividades agropecuárias de economia familiar desenvolvidas pelas comunidades de Boninal, pois poderá diversificar e fortalecer as economias locais, agregando valores sociais e culturais, ao mesmo tempo em que conserva as abelhas sem ferrão criadas e a vegetação que representa seus recursos reprodutivos (substratos para nidificação) e alimentares (fonte de néctar e pólen).

Para que esse cenário desejável seja atingido as seguintes recomendações são feitas:

Reconstituição da flora nativa local, a partir do plantio das espécies vegetais indicadas como importantes recursos (ocos para nidificação e fontes de alimento, néctar e pólen) para a manutenção das populações dessas abelhas. Como conseqüência, recuperação de áreas degradadas, aumento da capacidade de absorção de água no solo, proteção de mananciais hídricos e melhoria da infra-estrutura hídrica;

Manejo adequado, incluindo a troca de colônias entre os meliponários, divisão das colônias fortes e uso de caixas iscas, diminuindo a retirada de ninhos da natureza;

Uso dos enxames silvestres, apenas como fonte de reforço;

Se for necessário capturar enxames na natureza, retirar apenas os ninhos que encontram-se em galhos laterais sem causar danos graves para a árvore;

Coleta do mel usando seringas e canudo ou bomba sugadora dando ao sistema maior higienização (sanidade); Agregação de valor aos produtos produzidos, seja através da industrialização ou da agregação de serviços. Como incentivo aos artesãos locais, na confecção de potes de barro usados na criação das abelhas sem ferrão, de potes para armazenar e comercializar o mel e de adornos que use tema as abelhas sem ferrão;

A inserção da pequena produção em novos mercados (encontros, congressos, feiras sobre abelhas e outros);

Elaboração de calendário cruzando as informações sobre plantas visitadas pelas abelhas sem ferrão, período de floração e atividades de manejo desenvolvidas ao longo do ano.

Agradecimentos

À Dra. Favízia Freitas de Oliveira, professora da Universidade Estadual de Feira de Santana e colaboradora do Laboratório de Abelhas (LABE), da Empresa Baiana de Desenvolvimento Agrícola (EBDA) pela identificação das espécies de abelhas sem ferrão.

Aos membros dos LABE-EBDA, principalmente à estagiária e Bióloga Elizabete A. Silva pela ajuda de campo nas coletas das plantas.

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