ABELHAS

AS ABELHAS E AS FLORES DO AÇAIZEIRO
(Euterpe oleracea Mart. - Arecaceae)

Giorgio C. VENTURIERI, Silvane T. RODRIGUES e Charles A. B. PEREIRA
Embrapa Amazônia Oriental. Cx. P. 48, Belém, PA. 66.095-100.

INTRODUÇÃO

O açaizeiro é uma palmeira encontrada principalmente nas áreas alagadas do delta do rio Amazonas, podendo também se estender por áreas de terra firme dos Estados do Amapá, Pará, Maranhão e Tocantins (Calzavara 1972; Cavalcante 1991, Oliveira 2000). É de grande expressão na economia agrícola da região Amazônica, tanto através da produção de frutos quanto de palmito (Rogez 2000). Segundo IBGE (2003), o açaí, no biênio 2002-2003, ocupou o segundo lugar entre os produtos não madeireiros mais explorados no país, comprovando sua grande importância para a economia agrícola e extrativista da região amazônica.

Segundo Calzavara (1972), o açaizeiro apresenta elevada importância exploratória, do fruto, por despolpamento, obtêm-se o tradicional "vinho de açaí", considerado um dos alimentos básicos da região, o seu caroço é usado como adubo para o cultivo de hortaliças e plantas ornamentais. O estipe é utilizado como esteio para construções rústicas, ripas para cercados, currais, paredes e caibros para cobertura de barracas, apresentando também importância como matéria-prima para produção de papel e produtos de isolamento elétrico. As folhas são utilizadas para cobertura de casas e fechamento de paredes. Do ponto terminal do estipe é extraído o seu palmito, largamente utilizado pela indústria de alimentos, o resíduo industrial proveniente deste é também utilizado como ração para bovinos e suínos, servindo também como adubos para hortaliças. A planta como um todo, apresenta potencialidade para ornamentação de jardins e parques, além de ser recomendada para proteção do solo, funcionando também como espécie chave na regeneração de áreas alteradas, devido aos seus frutos serem largamente procurados por uma grande quantidade de pássaros, que ajudam a dispersar suas sementes, recolonizando as áreas desmatadas.

Devido ao crescente aumento do consumo local e a exportação para outros estados brasileiros, foi grande o aumento das áreas plantadas, em sua maioria, no nordeste paraense. O aumento das áreas cultivadas, por sua vez, tem provocado a busca por maiores conhecimentos sobre seu sistema de cultivo e sua ecologia. No presente trabalho foram estudados aspectos reprodutivos desta palmeira, investigando principalmente a influência das abelhas na formação de seus frutos.

Abelha no açaí
Figura 1 -
Augochlora sp coletando néctar em flor masculina
do açaizeiro.

MATERIAL E MÉTODOS As coletas foram realizadas em áreas de ocorrência natural de E. oleracea, nos seguintes locais do estado do Pará: vila de Cocal do Tauá, município de Santo Antônio do Tauá; campus da Embrapa Amazônia Oriental, município de Belém; Benfica, município de Benevides e Floresta Nacional de Caxiuanã, município de Melgaço. As coletas foram feitas diretamente nas inflorescências, com o auxílio de rede entomológica e aspirador de boca para coleta de insetos menores. Após a coleta os insetos foram mortos com acetato-de-etila, secos em estufa e depositados na coleção entomológica da Embrapa Amazônia Oriental, Belém, PA. Em alguns casos exemplares também foram conservados em álcool hidratado (70%). A identificação foi realizada por comparação com a citada coleção e a do Museu Paraense Emílio Goeldi, Belém, PA, além do envio de espécimes a especialistas.

Abelha no açaí
Figura 1 -
Apis mellifera, coletando néctar e pólen em flores
do açaizeiro.


Foi estudada também a biologia floral do açaizeiro, registraram-se os horários dos principais eventos florais, como, horário de abertura e queda das flores masculinas e femininas, duração das fases masculina e feminina, horário de antese das anteras e horário de receptividade feminina. Para as medidas da viabilidade do estigma foi utilizado o método de peroxidase, o qual consiste numa reação da substância peróxido-de-hidrogênio (H2O2), com desprendimento de bolhas de oxigênio na superfície do estigma. No laboratório, as flores femininas coletadas de duas em duas horas após a antese, foram submetidas a esta reação, adicionando-se uma gota da solução de peróxido-de-hidrogênio sobre o estigma e observado o desprendimento de bolhas.

Os teores de açucares no néctar foram medidos com o auxílio de microcapilares de 2µl e refratômetros portáteis adaptado a pequenas amostras da marca Bellingham & Stanley.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

As flores do açaizeiro encontram-se dispostas em inflorescência do tipo espata intrafoliar, com flores unissexuais masculinas e femininas dispostas em tríades espalhadas ao longo da ráquila, na proporção de duas masculinas para uma feminina. No nordeste da Amazônia, flora principalmente no período mais chuvoso, de fevereiro a maio (Jardin & Anderson 1987), oferecendo grande quantidade de pólen e néctar em uma época de escassa oferta de recursos para seus visitantes florais.

No açaizeiro a antese total das inflorescências dura em média 17 dias, com a fase masculina variando de 12 a 14 dias, com pico de floração ocorrendo do quarto ao sétimo dia, sem intervalo entre fases com sobreposição de fases de algumas horas. A fase feminina possui duração de três dias, sendo que a maioria das flores abre no segundo dia. As flores estaminadas abrem às 9:20 h, registrando-se que as ráquilas da base da inflorescência são as primeiras a iniciarem sua abertura, com o passar dos dias, todas as ráquilas estarão com flores masculinas abertas, sendo que o início da deiscência da antera ocorre entre 9:30 h e 10:00 h, com a maioria das anteras abrindo-se antes das 11:00 h e completamente abertas até às 11:30 h, as flores masculinas começam a cair entre 12:30 h - 13:30 h, com horário de término de queda por volta das 16:00 h. As flores pistiladas abrem às 22:00 h e, se não fecundadas, caem após o terceiro dia. A receptividade do estigma ocorre no período diurno com maior intensidade a partir das 13:00 h, mantendo-se constante até às 18:00 h. Foi observado que os estipes apresentam abertura de flores sincronizada, pois observando-se uma touceira com três estipes, quando iniciava-se a deiscência das flores de um estipe, uma semana depois iniciava-se a abertura de uma espata de outro estipe, portanto, numa mesma touceira podia-se encontrar flores masculinas e femininas num mesmo período, facilitando o cruzamento entre estipes da mesma touceira.

Os insetos visitantes mais freqüentes e abundantes durante a fase masculina foram Apis mellifera, moscas, formigas e principalmente meliponíneos e halictídeos. Os horários de maior visitação foi de 10:30 h as 11:10 h, com pico de visitação às 11:00 h. As abelhas Apis mellifera e meliponíneos caminham rapidamente sobre as flores estaminadas passando de uma ráquila à outra, coletando pólen ou néctar. Nas flores femininas não foi observada a presença de visitantes florais no primeiro dia de antese, isto se deve ao fato de mais de 90% das flores pistiladas abrirem somente a partir do segundo dia. Outros visitantes muito comumente encontrados nas flores do açaizeiro foram formigas (Camponotus abdominalis), vespas, pequenos anthophorídeos (Exomalopsis sp), moscas (Eristalis sp), meliponíneos (Melipona flavolineata, Melipona fasciculata, Patarmona, Trigona fulviventris, Trigona sp e Plebeia mínima) e halictídeos (Pereirapis sp, Augochoropsis spp).

O néctar é o primeiro recurso floral ofertado, em ambas as flores, masculinas e femininas, estando disponível antes da deiscência das anteras e do momento em que o estigma se encontra viável. O teor médio de açúcares encontrados nas flores femininas foi de 34% (n=5) e para as masculinas 45,2% (n=5).

CONCLUSÕES

As inflorescências do açaizeiro por possuírem deiscência diurna, flores pequenas e abertas, podem ser efetivamente polinizadas por uma grande quantidade de insetos pequenos (3-12mm). Nas áreas estudadas, Melitofilia e Miofilia foram as síndromes mais comuns, apesar da visita de outros grupos de insetos. Dentre todos os polinizadores, as abelhas da família Halictidade demonstraram ser os mais eficientes polinizadores, tanto pela grande freqüência como pela quantidade de grãos de pólen transportados, contudo, devido ao pouco conhecimento existente sobre a biologia e manejo deste grupo de abelhas, os meliponíneos são sugeridos como os melhores insetos para serem manejados para a polinização dirigida em cultivos comerciais de açaizeiro, com vistas ao aumento da produção de frutos.

O açaizeiro por ser uma planta que oferta razoável quantidade de pólen e néctar, por possuir seu pico de floração no período de menor oferta de recursos florais por outras espécies botânicas, constitui-se também como uma importante espécie apícola para a região amazônica.

BIBLIOGRAFIA

CALZAVARA, B. B. G. As possibilidades do açaizeiro no Estuário Amazônico. Boletim da Faculdade de Ciências Agrárias do Pará. Belém, (5), 103 p., 1972.

CAVALCANTE, P. B. Frutas comestíveis da Amazônia. Belém, Pa. Museu Paraense Emílio Goeldi (4ª edição). 1991, 279p.

JARDIM, M. A. G. & ANDERSON, A. B. Manejo de populações nativas de açaizeiro (Euterpe oleraceai Mart.) no estuário amazônico: resultados preliminares, Boletim de Pesquisa Florestal, n. 15, Curitiba, PR, Brasil, 1987.

IBGE. Produção da extração vegetal e da silvicultura. Rio de Janeiro, vol. 18, 1 41p, 2003. (Disponível em http://www.ibge.gov.br).

OLIVEIRA, M do S. P. de; CARVALHO, J. E. U.de; NASCIMENTO, W.M.O. do. Açaí, Euterpe oleracea Mart. Jaboticabal: FUNEP, 2000. 52p.

ROGEZ, H. Açaí: Preparo, Composição e Melhoramento da Conservação. EDUFPA, Belém, PA, 2000, 313p.


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