ABELHAS

ABELHAS E DESENVOLVIMENTO RURAL NO BRASIL

Vera Lucia Imperatriz-Fonseca; Lionel S. Gonçalves; David de Jong; Breno M. Freitas; Marina Siqueira de Castro; Isabel Alves dos Santos; Giorgio Cristino Venturieri

Contextualização

Preparamos estas considerações para serem apresentadas on line, com referências eletrônicas e links que permitissem ao leitor encontrar rapidamente maiores informações sobre o assunto, através de um clique nos endereços eletrônicos aqui mencionados. Os estudos de caso também apresentam referências adicionais. O modelo sugerido para este texto teve como objetivo apresentar as informações gerais disponíveis na rede eletrônica. Os pesquisadores que apresentam os estudos de caso são especialistas.

Brasil e suas abelhas

O Brasil é um país extremamente diverso. Também é muito rico em espécies de abelhas http://www.cria.org.br/db-list?bee. A maioria compreende abelhas de pólen (assim chamadas porque colocam seus ovos sobre uma massa de pólen) e que têm vidas solitárias (os adultos não têm contatos com os filhos). Porém, várias espécies de abelhas sociais são também nativas do Brasil. A população de abelhas sociais inclui algumas espécies de "mamangavas" (Bombini), como também muitas espécies de abelhas sem ferrão (Meliponini). A abelha melífera, Apis mellifera, foi introduzida no Brasil no século XIX e, atualmente, tem ampla distribuição em todo o país. Esta espécie adaptou-se muito bem às condições ambientais e, atualmente, tem uma enorme população silvestre.

Ultimamente, o desenvolvimento sustentável rural é um desafio real, pois a maioria da população humana brasileira está concentrada nas áreas urbanas. A busca da sustentabilidade é uma prioridade para famílias de produtores rurais. Melhorias nas condições ambientais, na fonte de renda para as famílias e oportunidades para mulheres e crianças podem ser alcançadas através da criação de abelhas silvestres.

Recentemente, os serviços ecológicos prestados pelas abelhas têm sido considerados em um contexto econômico. Do ponto de vista ecológico, as abelhas polinizam flores e contribuem para a produção de melhores frutos e sementes. Este processo é essencial na natureza, pois os frutos e sementes estão na base da pirâmide ecológica. Na agricultura, os polinizadores são importantes para várias culturas agrícolas (ver http://gears.tucson.ars.ag.gov/book/index.html ).

Abelhas e desenvolvimento rural

Quando falamos em abelhas e desenvolvimento rural, a apicultura e a abelha melífera são imagens que vêm imediatamente à tona. As técnicas apícolas são conhecidas há séculos, permitindo o manejo sob uma variedade de pressões ecológicas.

No Brasil, a introdução de abelhas africanas em 1956teve o objetivo primário de melhorar a produção de mel, que naquela época era considerado o produto mais importante das colônias. A dispersão das abelhas melíferas africanas pelas Américas foi inesperada. O Estudo de Caso 01 (Revisão sobre as abelhas melíferas africanizadas (AMA) no Brasil) descreve como cientistas e apicultores lidaram com o problema da manipulação de um tipo diferente de abelha melífera (mais agressiva e migratória). Recentemente, a produção de mel, assim como também a produção de pólen e própolis, mais lucrativos, aumentaram consideravelmente. Porém, o papel das abelhas melíferas selvagens como polinizadores de culturas agrícolas também é significativo, como para a foi discutido por Roubik (http://www.sciencenews.org/20020622/food.asp) para o café. Colônias de abelhas africanizadas são alugadas por produtores brasileiros e de outros países para a polinização de uma variedade de culturas: maçãs, pêras, frutas cítricas, melões e kiwis, além de outros frutos e vegetais. Abelhas melíferas, auxiliadas por técnicas de criação bem desenvolvidas, são usadas também como o principal agente de polinização de cultivos agrícolas no Hemisfério Norte (http://www.pollinator.com/linksto_culture.htm ). Porém, um parasita, Varroa destructor, causou um declínio nos números de abelhas forrageiras nas áreas temperadas. As abelhas melíferas africanizadas (AMAs) apresentam outra característica inesperada: elas controlam a infestação por Varroa, como apresentado no Estudo de caso 02 (Pesquisas com Varroa no Brasil).

As AMAs coletam uma grande quantidade de néctar em um curto período de tempo. Se as AMAs produzem mais mel, cera, ou geléia real, ou se elas são usadas como polinizadores dependerá completamente de como elas são manejadas. Obviamente, uma boa proteção é essencial para trabalhar com as AMAs. Porém, proteção a ferroadas não deveria ser a consideração primária. Nós implementamos nossos métodos de manipular abelhas, mas ainda precisamos desenvolver melhores equipamentos, como por exemplo os relacionados ao transporte de colméias. É importante lembrar que a indústria mundial de criação de abelhas que nós temos hoje tem sua base em uma longa história de desenvolvimento técnico e pesquisas com abelhas européias. Por isso, a tecnologia atual é bastante eficiente. Muitas pesquisas ainda precisam ser realizadas a fim de alcançarmos o mesmo nível de eficiência com as AMAs. Recentemente, as atividades de desenvolvimento e criação de abelhas aumentaram no Brasil, especialmente no Nordeste, onde um rápido crescimento da Apicultura tem ocorrido.

Criação de abelhas sem ferrão (ou meliponíneos)

A criação de abelhas sem ferrão, também conhecida como meliponicultura, tem uma grande tradição em alguns países latino-americanos, onde os indígenas souberam como manejá-las (por exemplo, os Maias e a criação de Melipona beecheii). No Brasil, índios Kayapós criam várias espécies de abelhas sem ferrão. Em áreas rurais do Nordeste brasileiro, a meliponicultura também é uma tradição (http://www.ib.usp.br/jandaira ; http://www.ib.usp.br/urucu ).

Geralmente, os criadores de abelhas sem ferrão apenas vendem o mel de suas colônias. Recentemente, o mercado para a compra de colônias de meliponíneos aumentou e a multiplicação de seus ninhos é a fonte mais significativa de renda para criadores. Comparado ao mel das abelhas melíferas, o das abelhas sem ferrão tem um mercado local maior e é vendido por um preço mais alto. O Estudo de Caso 03 (Avaliação da introdução de novos sistemas de manejo para Melipona fasciculata (Apidae: Meliponina), nas pequenas propriedades em Bragança, Pára, Brasil) mostra um programa com meliponíneos para o desenvolvimento rural na região Amazônica.

Há uma grande diversidade de abelhas sem ferrão no Brasil (aproximadamente 300 espécies). Tamanho, comprimento de língua e preferências florais variam entre as espécies. Os meliponíneos são importantes polinizadores em ambientes naturais, através de preferências florais e comunicação de fontes de alimento aos companheiros do ninho. Eles também atuam na manutenção da biodiversidade e são essenciais para manter a flora original.

O cultivo de plantas que são consideradas "chaves" para a nidificação, ou são importantes fontes alimentares para as abelhas, também é uma atividade compatível ao desenvolvimento sustentável. Deste modo, os viveiros com espécies botânicas desempenham um papel importante para os programas de restauração ambiental e implementação de propriedades rurais.

A meliponicultura traz, para a região onde é praticada, melhores frutos e maior produção de sementes. Embora haja estudos sobre a eficiência destas abelhas na polinização e que algumas espécies já foram avaliadas como polinizadores, este fato não é bem noticiado no mundo dos "negócios agrícolas" (agribusiness), onde todos os impactos econômicos sobre os produtos agrícolas são rigorosamente avaliados.

Abelhas como polinizadores

Para que possamos usar as abelhas como polinizadores, é necessário saber como criá-las em quantidade para serem disponibilizadas para a agricultura. Por causa disto, as abelhas melíferas, polinizadores generalistas, são utilizadas para esta função em todo o mundo.

O declínio na população de abelhas melíferas em áreas subtropicais e temperadas introduziu a necessidade de se encontrar outros polinizadores alternativos e inspirou a Iniciativa Internacional de Polinizadores, aprovada pela COP5 da Convenção de Diversidade Biológica (http://www.biodiv.org/decisions/default.asp?lg=0&m=cop-05). Técnicas de criação de mamangavas européias (Bombus terrestris) foram desenvolvidas a partir de 1985 e surgiu uma indústria de produção destes ninhos, com mais de um milhão de unidades vendidas em todo o mundo no ano de 2003 (http://www.tmag.tas.gov.au/workshop/append2.html). Embora haja seis espécies de Bombus no Brasil, abundantes nas flores, elas não são ainda criadas comercialmente no nosso país.

As abelhas sem ferrão são boas polinizadoras. No México, a espécie Scaptotrigona mexicana é usada como agente polinizador de abacate e tem sido exportada para Israel. Elas são utilizadas também como polinizadoras na Austrália, onde muitos criadores têm abelhas sem ferrão, cuja principal atividade é a polinização (um site de criador: http://www.uq.net.au/~zzrzabel/). No Brasil, os benefícios agrícolas desta atividade estão ainda em estudo. Por exemplo, Nannotrigona testaceicornis (iraí) e Tetragonisca angustula (jataí) são utilizadas em estufas para cultivo de morango, Melipona subnitida (jandaíra) é usada em pomares de goiaba (Psidium guajava). O Estudo de Caso 04 (As abelhas sem ferrão como importantes polinizadores de culturas agrícolas tropicais) fornece dados adicionais sobre as iniciativas brasileiras.

Assim que o papel de abelhas sem ferrão como polinizadores receber a atenção apropriada e os rendimentos de colheitas que as utilizam forem avaliados economicamente, o uso dessas abelhas será altamente difundido. A demanda para seus ninhos aumentará, os produtores utilizarão colônias de abelhas sem ferrão na agricultura e aqueles que vivem em áreas de conservação ou em paisagens rurais encontrarão uma boa fonte de renda na produção destes ninhos. É preciso saber multiplicar as colônias.

Como escolher entre a criação de abelhas melíferas e a criação de abelhas sem ferrão? Ambas atividades ajudam no desenvolvimento sustentável, pois as abelhas dependem dos produtos florais (como néctar e pólen) como fontes de alimento e de energia. As colônias de abelhas melíferas têm populações maiores do que aquelas das abelhas sem ferrão e escolhem fontes de alimento mais produtivas. Elas são muito úteis nas culturas agrícolas. As abelhas sem ferrão, muito diversas e com preferências por visitar diferentes espécies de plantas, são importantes para a conservação da biodiversidade. Para escolher entre elas é necessário avaliar os respectivos impactos no ambiente e o valor de seus produtos para o apicultor.

Algumas espécies de abelhas solitárias são polinizadores muito importantes. Os Estudos de Caso 05 (Valor econômico do cajueiro (Anacardium occidentale L.) para o Brasil e sua importância para a polinização) e 06 (Manejo racional das abelhas solitárias dos gêneros Xylocopa eCentris para polinização em áreas agrícolas) tratam disso. O Estudo de Caso 07 (Pesquisas prioritárias com abelhas solitárias necessárias para viabilizar o seu uso em larga escala na Agricultura) lista os estudos que serão necessários para estabelecer o uso de abelhas solitárias como polinizadoras em nosso país.

O Brasil também é muito rico em abelhas Megachilidae (ao redor de 160 espécies de Megachile). Assim como Centris e Xylocopa, Megachile utiliza cavidades (geralmente troncos de árvores mortas) como locais de nidificação. Elas polinizam principalmente flores de Fabaceae e Asteraceae, e poderiam ter um papel importante na produção de alimento e de forragem (inclusive na produção de sementes de alfafa). Este é um mercado ainda inexplorado no Brasil. Veja o Estudo de Caso 08 (Abelhas cortadoras de folhas no Brasil como polinizadores).

As populações de polinizadores estão em declínio?

As populações de abelhas sem ferrão estão em declínio em vários hábitats perturbados, inclusive naqueles fragmentados. Na Caatinga, por exemplo, as atividades antrópicas e o corte de madeira para lenha destroem árvores usadas como locais de nidificação pelas abelhas sociais nativas. Também eliminam todos os troncos e galhos de árvores utilizados como locais de nidificação pelas abelhas solitárias. Ainda na Caatinga, meleiros também têm destruído sistematicamente várias árvores no processo de coleta de mel para comer ou vender (veja o Estudo de Caso 09 - meleiros e a conservação de polinizadores).

Um conflito potencial entre a exploração madeireira e a conservação de abelhas sem ferrão em florestas manejadas do sudoeste asiático, onde a vasta maioria de ninhos é encontrada em ocos, em troncos de grandes árvores, foi considerado por Eltz et al (2003). Os autores estimaram que mais de um terço das árvores utilizadas como locais de nidificação (e os ninhos) seriam destruídas durante uma operação de corte seletivo, que segue as regras internacionalmente constituídas para certificação de madeira. Eles também sugeriram que, como as colônias de meliponíneos são perenes, o impacto direto do corte pode ter efeitos duradouros sobre as populações de abelhas e na composição da comunidade (http://www.uni-duesseldorf.de/MathNat/Zoologie/eltz; Eltz et al., 2002). No Brasil, a conservação de árvores como locais de nidificação é crucial para a sobrevivência das abelhas sem ferrão em ambientes naturais (Martins et al., 2004). Essas espécies arbóreas são apropriadas para comporem listas de programas de compensação ambiental (ver estudo de caso 10). A compensação ecológica é obrigatória para as companhias que, através de suas atividades, destroem os ambientes naturais. Essa compensação pode estar na forma de reflorestamento das áreas perturbadas ou em outras formas de melhorar a qualidade do ambiente.

Vários estudos mostram que muitas espécies arbóreas são também usadas como locais de nidificação por abelhas sem ferrão na América Central onde os ecólogos têm preocupações semelhantes (http://www.fao.org/ag/aga/agap/frg/afris/espanol/document/agrof99/aguilari.htm ).

Os estudos de casos apresentados aqui também mostram a escassez de abelhas solitárias utilizadas como polinizadores no Brasil. Isto é verdade tanto para áreas agrícolas pequenas como para as grandes. O manejo da paisagem agrícola para a manutenção da população de polinizadores merece estudos adicionais.

Conclusão

A criação de abelhas é uma atividade de desenvolvimento sustentável. Embora os brasileiros tenham a tradição de criar abelhas, nós temos que fazer com que os meleiros se tornem criadores, os polinizadores se tornem parte da agricultura sustentável e dos "negócios agrícolas" e que as comunidades rurais comecem a utilizar abelhas como peças-chave do desenvolvimento sustentável. Para alcançar estas metas, a união de esforços será necessária.

Quando o valor do serviço ambiental que as abelhas propiciam por implementar o rendimento da Agricultura se tornar disponível, sua criação terá maior impacto na economia familiar. As perspectivas são muito boas, mas dependem de uma divulgação eficiente de resultados, um plano de desenvolvimento que una proprietários rurais, cooperativas e treinamento em todos os níveis.

Os polinizadores são também importantes no programa de manejo de florestas e na operação de extração de madeira. Os estudos relativos a polinizadores em áreas florestadas são praticamente inexistentes no Brasil, mesmo em manchas de biodiversidade como nas Florestas Tropicais Atlânticas e Amazônicas. Deixamos um alerta neste sentido, neste momento em que a exploração de nossas florestas está sendo organizada de modo sustentável: atenção à manutenção dos polinizadores nas áreas manejadas!

Agradecimentos

Agradecemos a Denise de Araújo Alves, do Laboratório de Abelhas da USP, pelo auxílio na tradução deste texto, preparado originalmente em inglês.


ESTUDO DE CASO 01: Revisão sobre as Abelhas Melíferas Africanizadas (AMAs) no Brasil

Lionel Segui Gonçalves lsgoncal@usp.br - Departamento de Biologia, FFCLRP-USP, CEP: 14040-901. Ribeirão Preto, SP, Brasil.

Quase cinqüenta anos após a introdução das abelhas africanas (Apis mellifera scutellata) no Brasil, nós podemos dizer que houve um grande impacto na apicultura brasileira e uma mudança significativa nos métodos de manipulação destas abelhas. Levando isto em consideração, nós podemos dividir a história da apicultura brasileira em três períodos diferentes. Entre 1839 e 1956, anterior à introdução da abelha africana, a apicultura recebia pouca importância como ferramenta agrícola e era considerada apenas como passatempo. A produção de mel nacional era inferior a 5.000 toneladas por ano. Esta baixa produção induziu a importação das abelhas africanas. O segundo período (de 1956 a 1970) foi caracterizado pela introdução das abelhas africanas (Apis mellifera adansonii, mais tarde identificada como A. m. scutellata pelo Prof. F. Ruttner) em 1956. Durante este período, a agressividade excessiva destas abelhas causou muitos problemas sociais e uma redução nas atividades apícolas. Devido à falta de informações disponíveis sobre a biologia de A. m. scutellata aliada à falta de experiência em manipulação destas abelhas, muitos apicultores decidiram abandonar suas atividades. Isto foi considerado o "caos de apicultura brasileira", e é responsável pelo mito da "abelha assassina". O terceiro período começou com a criação da Confederação Brasileira de Apicultura em 1970. Muitos avanços valiosos têm sido feitos desde então. Um destes avanços foi mudando o nome das abelhas africanas para a nomenclatura apropriada: "Abelha Melífera Africanizada", ou "AMA", um poli-híbrido resultante do cruzamento entre Apis mellifera scutellata e outras abelhas européias introduzidas anteriormente no Brasil (A. m. ligustica, A. m. mellifera, etc.). A africanização dos apiários resultou em uma AMA com características predominantes da scutellata. Muitas modificações nos métodos de manipulação foram feitas durante este período a fim de ajudar os apicultores a controlarem as AMAs. Hoje, a maioria de apicultores se adaptou às AMAs. A indústria apícola cresceu consideravelmente nos últimos vinte anos e não é mais necessário importar qualquer equipamento apícola. O número de publicações científicas e técnicas sobre as abelhas produzidas depois da introdução de A. m. scutellata no Brasil aumentou por um fator de aproximadamente 30. Esta elevação é atribuída, principalmente, ao grande número de especialistas e institutos dedicados à pesquisa das abelhas depois de 1970. As atividades apícolas aumentaram consideravelmente durante este período, especialmente no Nordeste brasileiro, onde uma expansão nas atividades de apicultura pode ser visto (especialmente nos Estados da Bahia, Ceará e Piauí). A atual produção nacional de mel é superior a 40.000 toneladas por ano. A quantidade e qualidade dos produtos apícolas aumentaram consideravelmente. Outro evento muito importante foi a descoberta da resistência que AMAs têm ao parasita Varroa destructor (previamente conhecido como Varroa jacobsoni). Quando este parasita foi observado pela primeira vez no Brasil em 1979, existia a preocupação imediata sobre o dano para a apicultura. Nós testamos a maioria de acaricidas disponíveis no mercado internacional. Já que os resultados de nossos testes foram insatisfatórios, aconselhamos o Ministério de Agricultura para não importar estes acaricidas. Felizmente, as AMAs se tornaram resistentes ou tolerantes a esse parasita. Em conclusão, nós podemos dizer que a Apicultura no Brasil melhorou bastante. Embora nós ainda tenhamos muitos problemas para resolver, podemos dizer que o futuro da indústria apícola de AMA no Brasil é muito promissor.


ESTUDO DE CASO 02: Pesquisa com Varroa no Brasil

David de Jong (1) & Lionel Segui Gonçalves (2)
1) ddjong@fmrp.usp.br. Departamento de Genética, FMRP-USP, CEP: 14040-901. Ribeirão Preto, SP, Brasil.
2) lsgoncal@usp.br. Departamento de Biologia, FFCLRP-USP, CEP: 14040-901. Ribeirão Preto, SP, Brasil.


O ácaro parasita de abelhas melíferas, Varroa jacobsoni, foi encontrado pela primeira vez no Brasil em 1978, e é assunto de um extenso programa de pesquisas desde 1979. Apesar da considerável pressão econômica e política, devido às conseqüências sombrias para apicultura no resto do mundo, especialistas brasileiros evitaram a aplicaçãoimediata de medidas de controle. Alguns dos controles químicos disponíveis foram testados em Rio Claro, SP, enquanto pesquisas do impacto econômico das infestações, da dinâmica de população e outros parâmetros biológicos começaram em Ribeirão Preto, SP. Uma tentativa foi realizada para estabelecer um nível de dano econômico.

Porém, as infestações por Varroa desenvolveram-se diferentemente das conhecidas para a Europa naquele tempo. As infestações iniciais foram rapidamente feitas por milhares de ácaros, mais de 50 ácaros por 100 abelhas em muitos casos, e flutuaram de acordo com a época do ano. Contudo, eles nunca mataram quaisquer colônias, e dentro de um período de alguns anos, alcançaram níveis relativamente baixos, de aproximadamente cinco ácaros para 100 abelhas adultas. Nós não éramos capazes de mensurar os danos econômicos, então os tratamentos não foram recomendados ou utilizados, exceto experimentalmente. Não obstante, Varroa jacobsoni ser encontrado em todas as colônias de abelhas melíferas, o contraste interessante entre a situação catastrófica em muitos lugares do mundo e a coexistência relativamente calma entre ácaros e abelhas encontradas no Brasil manteve nosso interesse em investigar este parasita e estimulou a colaboração considerável com pesquisadores de outros países, especialmente os da Alemanha e dos Estados Unidos.

Já que a pesquisa com Varroa na Europa, na década de 80, esteve concentrada basicamente em encontrar caminhos para controlar este ácaro, muitas das primeiras informações disponíveis sobre a biologia de Varroa e sua interação com abelhas melíferas vieram do Brasil. Desde 1979, V. jacobsoni foi o assunto de inúmeros projetos de mestrado e doutorado. Os grandes temas de pesquisas incluem: citogenética; embriologia; reprodução; comportamento de invasão de células de cria; comportamento defensivo de abelhas melíferas; comparações entre o desenvolvimento das infestações das abelhas africanizadas versus as européias; agressão das abelhas melíferas contra os ácaros; prejuízos provocados pelos ácaros; remoção de cria infestada; efeito do clima e seleção de linhagens mais resistentes ou tolerantes. Nós podemos dizer que atualmente, os apicultores brasileiros não têm nenhum problema com estes ácaros e nós não recomendamos qualquer controle com substâncias químicas. Embora a falta de um importante impacto econômico tenha eliminado qualquer urgência para dedicar recursos para se estudar este ácaro, pesquisadores brasileiros continuarão a estudar V. jacobsoni (atualmente chamado de V. destructor) para determinar como as abelhas no Brasil podem sobreviver sem tratamentos, como parte de um esforço mundial para se encontrar uma solução efetiva que eliminará a necessidade para aplicar controles químico


ESTUDO DE CASO 03: Avaliação da introdução de novos siste-mas de manejo para Melipona fasciculata (Apidae: Meliponina) com pequenos fazendeiros em Bragança, Pará, Brasil.

Giorgio Cristino Venturieri (1); Vanessa de Fátima Oliveira Raiol (2) & Charles André Barbosa Pereira (3)
1) giorgio@cpatu.embrapa.br. Embrapa Amazônia Oriental, C.P. 48. CEP: 66095-100. Belém, Pará Brasil.
2) vanessaraiol@yahoo.com.br. UFRA, C,P. 917, CEP: 66077-550. Belém, Pará Brasil.
3) stotaua@yahoo.com.br. Associação Comunitária São Sebastião, Cocal do Tauá, CEP: 68786-000, Sto. Antônio do Tauá, Pará Brasil.


A meliponicultura, nome dado à criação de abelhas sem ferrão, é um exemplo prático do conceito de diversificação como um componente de uso sustentável na Amazônia. É uma atividade que pode ser integrada à silvicultura, à fruticultura e ao curto ciclo de culturas agrícolas. Através da polinização, ela pode contribuir para aumentar a produção agrícola e a regeneração da vegetação natural. O objetivo deste trabalho foi avaliar a introdução de técnicas de meliponicultura para o manejo da abelha conhecida como "uruçu-cinzenta" (Melipona fasciculata) para criadores tradicionais de Bragança, no Estado do Pará, Brasil. De junho até dezembro de 2002, usando métodos participativos, 30 caixas simples de madeira, cada qual alojando uma colônia de abelha, foram substituídas por caixas projetadas para melhorar a multiplicação da colônia e aumentar a produção de mel. Os métodos tradicionais foram descritos, avaliados e comparados com o novo método. Os resultados demonstraram que o novo sistema foi eficiente e economicamente viável, produzindo mel em condições higiênicas e aumentando a sua coleta, bem como fornecendo maiores rendimentos nas colheitas de culturas agrícolas. O período de florescimento coincide com o período seco que, nesta área, varia de junho até dezembro. Porém, a produção de mel foi mais alta entre agosto e novembro. As principais espécies botânicas na constituição dos méis incluíram: cajueiro (Anacardium occidentale - Anacardiaceae), cajueiro-açu (A. giganteum - Anacardiaceae), siriúba (Avicennia nitida - Avicenniaceae), sapateira (Miconia minutiflora - Melastomataceae) e lacre (Vismia guianensis - Clusiaceae). O método adotado foi bem aceito, aumentando o interesse de criadores experimentes e da comunidade em geral.


ESTUDO DE CASO 04: As abelhas sem ferrão como importante polinizadores de culturas agrícolas tropicais

Marina Siqueira Castro marinascastro@uol.com.br
Empresa de Desenvolvimento Agrícola, Salvador; Universidade Estadual de Feira de Santana, Feira de Santana, Bahia, Brasil.


As políticas agrícolas ainda enfatizam os lucros ao curto prazo e a alta produtividade. Isto, freqüentemente, acarreta vários problemas ambientais como erosão de solos, a fragmentação de ecossistemas naturais, a perda das diversidades cultural e biológica e a contaminação de corpos d'água e vias fluviais através do extenso uso de praguicidas. O nível do impacto depende do nível de tecnologia e dos sistemas de produção adotados. A expansão das fronteiras agrícolas está sempre ligada ao número reduzido de culturas agrícolas com pouca variação ou rotação. Deste modo, monoculturas ocupam grandes expansões de terra, afetando, de forma negativa, a diversidade de toda vida selvagem.

Novas perspectivas na produção sustentável estão se abrindo para a expansão da agricultura em uma economia global. Embora a biodiversidade não se origine do conceito de sustentabilidade, ela é essencial para a produção agrícola, pois é a chave para a criação de sistemas agrícolas equilibrados e leva consigo tanto os benefícios sócios-econômicos, quanto os ambientais. A produtividade de culturas pode depender completamente da polinização para a produção de frutos e sementes. Há muitas espécies de abelhas altamente sociais que contribuem para a polinização de culturas agrícolas, sendo que as melhores conhecidas, as abelhas melíferas, não são as únicas nem as mais importantes polinizadores de culturas tropicais.

No Brasil, a diversidade de abelhas em ecossistemas naturais tem sido estudada nos últimos trinta anos (Pinheiro Machado, 2002) e a importância das abelhas sem ferrão para as plantas tropicais, no nível local, é mostrada de várias maneiras. Até agora, poucos estudos são feitos em culturas agrícolas que dependam de abelhas sem ferrão para a polinização. Não obstante, experiências de campo em polinização de frutos são realizadas. Algumas de nossas observações de campo e experiências preliminares mostraram a importância das abelhas sem ferrão como polinizadores para frutos tropicais e nativos. As abelhas sem ferrão no Nordeste brasileiro são polinizadores potenciais para:

1) "Umbu" (Spondias tuberosa - Anarcadiaceae), uma árvore tropical, importante para as comunidades locais de áreas semi-áridas. Ela pode ser polinizada eficazmente por duas espécies de meliponíneos, Frieseomelitta silvestrii languida e Tetragonisca angustula;

2) Algumas espécies pertencentes à família Myrtaceae são economicamente importantes no Brasil em níveis regionais. As espécies de frutos cultivados em áreas costeiras do Nordeste são: goiaba (Psidium guajava); maçã-rosa (Eugenia jambosi), maçã-rosa-malaia (Eugenia malaccensis), maçã-rosa-aguada (Eugenia aquea), cereja brasileira - "pitanga" (Eugenia uniflora). Apesar da importância econômica destes frutos e da falta de conhecimento sobre sua polinização, alguns estudos de campo realizados em pomares, localizados na Mata Atlântica nordestina, indicaram a importância das abelhas sem ferrão como polinizadores eficientes para algumas espécies desta família vegetal. As espécies Nannotrigona punctata e Melipona scutellaris são identificadas como importantes polinizadores de alguns cultivares de goiaba (araçá, goiaba tailandesa e rubi suprema). Maçã rosa aguada e pitanga são polinizadas freqüentemente por M. scutellaris, enquanto maçã rosa é polinizada por Trigona fuscipennis.

3) "Pitomba" (Talisia esculenta - Sapindaceae), um fruto nativo das áreas da Amazônia e do Nordeste. Melipona scutellaris é importante para sua polinização.

Ecossistema estudado: Mata Atlântica do Nordeste brasileiro e áreas semi-áridas.

Organismos: abelhas sem ferrão como polinizadores; pomares na Mata Atlântica e um fruto nativo (Spondias tuberosa) em áreas semi-áridas.

Principais lições aprendidas: O estudo destaca a necessidade para melhorar as experiências de campo a fim de entender todos os fatores relevantes no uso de abelhas sem ferrão na polinização de frutos tropicais.


ESTUDO DE CASO 05: Valor econômico do cajueiro (Anacardium occidentale L.) para o Brasil e sua importância para a polinização

Breno Magalhães Freitas freitas@ufc.br
Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, Ceará, Brasil.


O cajueiro (Anacardium occidentale L.) é uma árvore nativa do Nordeste brasileiro. Tem importância econômica considerável para a região devido à sua castanha, produção do fruto e de óleo. Os valores econômicos anuais estimados do caju para o Brasil são mostrados abaixo:

Área total de pomares comerciais de caju: 650.000 hectares.
Coleta anual total de castanha: 126.000 toneladas. Valor de exportações (apenas castanhas): US$ 135 milhões.
Óleo: US$ 91 milhões.
Valor da cultura (castanha, óleo e fruto) no Brasil: US$ 54 milhões.


Porém, os rendimentos das culturas estão abaixo dos rendimentos dos pomares comerciais e estudos sugerem que a polinização inadequada poderia ser a maior causa para a baixa produtividade do cajueiro. A forma da flor do cajueiro sugere que ele seja polinizado por insetos, especialmente por abelhas. Na maioria de casos, o vento e numerosos insetos que visitam as flores do cajueiro (como vespas, borboletas e formigas) são citados como agentes falhos na polinização e na formação de frutos. Isso mostra claramente que visita à flor e polinização não são sinônimos. Apenas abelhas visitam e polinizam as flores do cajueiro regularmente na região Nordeste. Duas espécies são particularmente eficientes na polinização dessas flores: a abelha indígena solitária Centris tarsata e a abelha melífera exótica (Apis mellifera).

Mas há dois aspectos da falha de polinização adequada para o cultivo comercial do cajueiro no Nordeste. De um lado, há poucas visitas de abelhas às flores de cajueiro em pomares. Apis mellifera não visita facilmente flores de cajueiro mesmo quando trazida aos pomares em grande número graças à competição com ervas daninhas no florescimento.

O outro polinizador apropriado, Centris tarsata, é raro em pomares comerciais de caju devido ao hábitat perturbado e à falta de técnicas de criação para produzí-lo em alta quantidade. O segundo aspecto para esta falha está, indubitavelmente, relacionado a práticas de horticulturas em que uma linhagem clonal parcialmente auto-estéril cresce por grandes áreas sem a necessidade de fontes compatíveis de pólen. Este problema é exacerbado, pois cada vez mais áreas cultivadas têm sido plantadas ou replantadas com esses clones anões. Uma solução óbvia é intercalar árvores produtoras de pólen compatível com as principais linhagens de cultura agrícola. Os experimentos com polinização manual na Austrália e no Brasil identificaram tipos ou linhagens de cajueiros, cruzando-os com os que tiveram rendimentos mais altos. Porém, ainda será imprescindível considerar o manejo das abelhas dentro de pomares comerciais de caju, pois elas serão necessárias como vetores de pólen compatível.

Pode-se concluir que, para melhorar os rendimentos na colheita de caju no Nordeste, sérias considerações precisam ser feitas acerca da conservação e do manejo desses reconhecidos e eficazes polinizadores (C. tarsata e, possivelmente, A. mellifera) e também o projeto de pomares com misturas apropriadas de linhagens compatíveis de cajueiros.


ESTUDO DE CASO 06: Manejo racional de abelhas solitárias do gênero Xylocopa e Centris para polinização em áreas agriculturáveis

Breno Magalhães Freitas freitas@ufc.br
Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, Ceará, Brasil.


As abelhas solitárias pertencentes aos gêneros Centris e Xylocopa provaram ser polinizadores eficientes de algumas culturas agrícolas tropicais no Brasil. Geralmente, estas culturas não são atrativas às abelhas melíferas, tais como a cereja do oeste indiano (Malpighia emarginata) e o "murici" ou a cereja selvagem (Byrsonima crassifolia) que possui flores que secretam óleos ao invés de néctar; ou crescem em ambientes hostis, onde as abelhas melíferas não são abundantes, como o caju (Anacardium occidentale); ou a morfologia de suas flores não permite que as abelhas do gênero Apis polinizem eficientemente, como ocorre com o maracujá (Passiflora edulis); ou possuem flores ricas em recompensas que atraem visitantes florais, tais como a goiaba (Psidium guajava). As primeiras três culturas agrícolas, citadas anteriormente, são bem polinizadas por abelhas do gênero Centris, enquanto que as duas últimas são polinizadas por Xylocopa.

Esforços têm sido feitos no Brasil para criar e utilizar Centris e abelhas-carpinteiras (Xylocopa) como polinizadoras de culturas agrícolas. Os estudos com abelhas do gênero Centris ainda são restritos, principalmente, na identificação das espécies que são polinizadores eficientes e na biologia de nidificação com o uso de ninhos-armadilha. Um sucesso relativo foi alcançado em relação às espécies que nidificam em cavidades de madeira, mas aquelas que nidificam no solo mostraram dificuldades em sua criação em ninhos-armadilha. As principais dificuldades para conseguir grandes populações dessas abelhas deveram-se aos seguintes fatos: (i) elas não possuem hábitos gregários, o que torna difícil conseguir grandes quantidades de ninhos empequenas áreas; (ii) elas produzem baixo número de descendentes em cada ninho; (iii) a prole não hiberna e apresenta curto ciclo entre o estágio de ovo até o de adulto, e; (iv) elas são ativas em qualquer época do ano. Atualmente, o manejo recomendado procura estimular a nidificação e a presença de populações naturais de abelhas do gênero Centris em áreas da colheita agrícola. Contudo, estas devem criar condições de nidificação requeridas pelas abelhas, como: evitar a pulverização das culturas com pesticidas ou reduzir seu uso nos estágios que não há florada; arar menos a área agriculturável para preservar os ninhos de solo; não remover as plantas herbáceas que florescem quando a "cultura-alvo" não está florida para assim fixar a população apícola na área; preservar a vegetação nativa nos arredores da área cultivada para fornecer abelhas à cultura.

Estudos com abelhas-carpinteiras têm mais sucesso, provavelmente porque estas abelhas são melhor pesquisadas e mostram menos variabilidade reprodutiva e comportamental que as do gênero Centris. Também mostram as mesmas características reprodutivas listadas acima, como dificuldades para constituir grandes populações. As abelhas-carpinteiras são muito maiores, necessitam visitar mais flores e cobrir uma área muito maior do que as Centris, necessitando uma população menor na área-alvo. Uma caixa para nidificação composta de quadros móveis de madeira e das janelas de vidro foi desenvolvida com sucesso para criar abelhas do gênero Xylocopa. Assim, é possível monitorar as rainhas quando escavam os ninhos para criar sua prole. Colocar quadros entre as caixas de nidificação, para mover os ninhos para dentro ou fora da cultura, possibilita estimar o número dos adultos vivos que forrageiam na cultura-alvo, como também reduzir ou aumentar a população de Xylocopa no campo, etc.. No momento, alguns agricultores que possuem culturas de maracujá começaram a usar estes ninhos racionais e estão conseguindo aumentos de até 92,3% na frutificação. Embora o manejo racional destas abelhas seja possível, as práticas para atrair e fixar populações naturais, como mencionado acima para as abelhas de Centris, o uso de postes de madeira para suportar videiras e cultivar outras espécies vegetais que florescem quando o maracujá não está florido são recomendadas.


ESTUDO DE CASO 07: Pesquisas Necessárias com Abelhas Solitárias para Possibilitar o seu uso em larga escala como plonizadores de cultivos agrícolas

Breno Magalhães Freitas freitas@ufc.br
Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, Ceará, Brasil.


Ao redor de 85% das 20.000 espécies conhecidas de abelhas do mundo são solitárias e a maior parte da polinização natural, que ocorre em cultivos selvagens e agrícolas, provém de suas atividades. O papel das abelhas solitárias na polinização de culturas agrícolas foi ignorado por muito tempo e sua importância como agente polinizador foi enfatizado, principalmente, em relação às espécies vegetais selvagens. Neste período, as abelhas melíferas (Apis mellifera) eram as únicas polinizadoras utilizadas para aumentar a polinização das culturas agrícolas. Recentemente, descobriram que outras espécies de abelha poderiam ser polinizadores eficientes assim como as abelhas melíferas e, para determinadas culturas, mais eficientes que A. mellifera.

Pesquisas realizadas com polinizadores (exceto A. mellifera) têm mostrado uma série de exemplos de culturas que são polinizadas mais eficientemente por espécies solitárias do que pelas abelhas melíferas, tais como Megachile rotundata e Nomia melanderi na alfafa (Medicago sativa), Peponapis pruinosa na abóbora (Curcubita pepo), Osmia rufa na maçã (Malus domestica), Osmia cornifrons no morango (Fragaria x ananassa), Xylocopa spp. no maracujá (Passiflora edulis), etc.. No Brasil, algumas das abelhas solitárias conhecidas como polinizadoras eficientes são Centris tarsata no caju (Anacardium occidentale), C. tarsata e C. aenea na cereja do oeste indiano (Malpighia emarginata), C. tarsata e C. bicolor no "murici" ou na cereja selvagem (Byrsonima crassifolia), Xylocopa frontalis na goiaba (Psidium guajava), Eulaema spp. na castanha do Pará (Bertholletia excelsa).

Entretanto, nas áreas agriculturáveis, as populações naturais destas espécies são pequenas e seu número diminui rapidamente quando as práticas agrícolas intensas crescem e afetam negativamente seus hábitats. Atualmente, exceto no caso de M. rotundata, as abelhas solitárias não estão disponíveis em grandes números para a introdução como agentes polinizadores de áreas agrícolas.

Ainda é necessária muita pesquisa para se possibilitar o uso em grande escala de abelhas solitárias como polinizadores de áreas agrícolas. Os desafios são (i) investigar outras espécies potenciais de polinizadores e definir sua eficiência na polinização. Então, (ii) estudar a biologia, especialmente os tópicos como a biologia de nidificação e necessidades, estratégias reprodutivas, ciclo(s) anual(is) e parasitismo, para cada espécie de abelha. Baseado na informação obtida nesses estudos será necessário (iii) desenvolver ninhos artificiais e/ou criar circunstâncias adequadas para estimular a nidificação, a reprodução e o forrageamento espontâneos da espécie de abelha na cultura-alvo. Finalmente, dependendo da espécie de abelha, (iv) desenvolver técnicas de manejo para dirigir ou manter abelhas na cultura-alvo, para conseguir uma distribuição uniforme da abelha na área e para maximizar a eficiência de polinização das flores.

Tornar a polinização com abelhas solitárias uma prática comum em cultivos agrícolas será um processo longo e desafiante, mas também pode ser fascinante e muito recompensador. As abelhas estão lá fora lá esperando por nós. Mãos à obra!

Editado do artigo "Identifying and using solitary bees for pollination of tropical crops" escrito por Breno M. Freitas e José Everton Alves. Disponível na homepage do Grupo de Pesquisa com abelhas da Universidade Federal do Ceará (http://www.abelhas.ufc.br/articles.htm).


ESTUDO DE CASO 08: Abelhas cortadores de folhas como polinizadoras no Brasil

Isabel Alves dos Santos isabelha@usp.br
Diretoria de Pós Graduação, Universidade do Extremo Sul Catarinense, C.P.: 3167, CEP: 88806-000. Criciúma, SC, Brasil.


O gênero Megachile contém 161 espécies descritas no Brasil (Silveira et al., 2002) e é abundante em quase todos os ecossistemas no país, tanto em ambientes naturais quanto em campos cultivados. Os resultados dos levantamentos de apifauna realizados no Brasil mostram que essas abelhas não são especialistas restritas. Porém, possuem uma preferência para as flores pertencentes às famílias vegetais Asteraceae e Fabaceae, onde elas são capazes de abrir a quilha e remover o pólen (uma difícil tarefa para ser executada por outras abelhas, tais como Apis mellifera).

Megachile freqüentemente tem cor amarelada devido à sua densa pilosidade. As fêmeas carregam os grãos de pólen na superfície ventral do metasoma ou abdômen (escopa ventral). A maioria de espécies é solitária e nidifica em cavidades pré-existentes (como buracos em troncos de árvores, tocas de besouro na madeira, etc.). Em muitas espécies do gênero Megachile, as fêmeas especializaram as bordas da mandíbula para cortar pedaços de folhas, utilizando-os para construir as células de cria no ninho. As paredes e as divisórias da célula são feitas de materiais trazidos do ambiente externo do ninho e incluem pedaços de folhas, pétalas de flores, material mastigado da folha, resina e barro.

No Hemisfério Norte, algumas espécies de Megachilidae, principalmente as dos gêneros Megachile e Osmia, são criadas para finalidades de polinização. Megachile rotundata, por exemplo, é um polinizador valioso da alfafa (utilizada primeiramente para a produção de semente) na América do Norte e também é um polinizador eficiente de amora e outros frutos semelhantes (Vaccinium). As espécies de Osmia têm um importante papel na produção de Brassica, morangos, amoras, amêndoas e outras. A biologia de Osmia é atualmente bem conhecida e adaptada às condições artificiais, assim sua produção em grande escala é possível.

Quase todos os estudos realizados no Brasil sobre o uso de ninhos-armadilha por abelhas e vespas solitárias registraram espécies do gênero Megachile entre os nidificantes (Garófalo et al. 2004). Isto indica que há uma boa possibilidade de melhorar e aumentar a presença de Megachile em um campo da cultura, oferecendo as armadilhas e locais para nidificação artificialmente. A falta de polinizadores nativos em campos agrícolas é devida, em grande parte, à ausência de possibilidades de nidificação.

Em estudos recentemente concluídos vários dados bionômicos foram obtidos sobre abelhas do gênero Anthodioctes, que pertence a tribo Anthidiini da família Megachilidae (Alves dos Santos 2004, Alves dos Santos et al. 2004). Estes dados serão úteis para elaboração de um plano de manejo para o grupo, bem como para a possibilidade de uso destas abelhas no campo.

No Brasil, o conhecimento sobre os benefícios de Megachilidae na polinização de culturas agrícolas é inexistente. Entretanto, há muitas culturas importantes, tais como a soja, o feijão, a alfafa (Fabaceae), o girassol, bem como muitas espécies vegetais medicinais pertencentes à família Asteraceae, que poderiam ter a produção incrementada com a polinização destas abelhas.

O potencial das Megachile nativas para o uso na polinização de culturas é elevado e deve ser avaliado. A(s) espécie(s) apropriada(s) de Megachile para polinizar uma determinada cultura precisa(m) ser detectada(s) e sua biologia deve ser estudada (sazonalidade, ciclo de vida, parasitas e fenologia), de preferência adequando-se às diferentes regiões do Brasil.

ALVES-DOS-SANTOS, I. 2004. A biologia de nidificação de Anthodioctes megachiloides Holmberg 1903 (Anthidiini, Megachilidae, Apoidea). Revista Brasileira de Zoologia 21 (4): 739-744.
ALVES DOS SANTOS, I.; CAMAROTTI DE LIMA, M.F.; MARTINS, C.F.& MORATO, E.F. 2004. Nesting biology of some Brazilian Anthodioctes species Holmberg 1903 (Anthidiini, Megachilidae). Proceedings of the 8th IBRA International Conference on Tropical Bees and VI Encontro sobre Abelhas: 93-98.
GAROFALO, C. A., MARTINS, C. F., ALVES-DOS-SANTOS, I. 2004 .The Brazilian solitary bee species caught in trap nests In: International Workshop on solitary bees and their role in pollination, Beberibe, CE. Solitary Bees: conservation, rearing and management for pollination. Fortaleza: Imprensa Universitária, 2004. p.77 - 84.
SILVEIRA F. A; MELO G. A R. & ALMEIDA E A B. 2002. Abelhas Brasileiras, Sistemática e Identificação. 1. Ed. Ministério do Meio Ambiente. 253p.


ESTUDO DE CASO 09: Meleiros e conservação das Abelhas

Marina Siqueira Castro marinascastro@uol.com.br
Empresa de Desenvolvimento Agrícola, Salvador; Universidade Estadual de Feira de Santana, Feira de Santana, Bahia, Brasil.


O padrão contínuo da exploração das abelhas eussociais por ou meleiros, que adotam práticas predatórias como a ocupação profissional em regiões semi-áridas do Nordeste do Brasil, foi identificado como um fator no declínio no número de polinizadores no ecossistema da Caatinga. O corte de grandes árvores nas áreas do Semi-Árido acarreta a remoção dos hábitats e do alimento para os agentes polinizadores. As populações de polinizadores declinam e, conseqüentemente, a produção de frutos pelas árvores restantes se torna deficiente. O ecossistema falha quando o ciclo vicioso continua, como foi descrito por Janzen.

Os perfis dos meleiros na Bahia, bem como suas atividades, foram estudados. Cada coletor estudado colheu, em média, 450 quilogramas de mel em três meses. Através de suas atividades, cada um também destruiu de 35 a 40 árvores de importância econômica relevante à região semi-árida do Nordeste: Commiphora lepthophoeus, Burseraceae; Schinopsis brasiliensis, Spondias tuberosa e Myracrodum urundeuva, Anacardiaceae; Caesalpinia pyramidalis, Caesalpiniaceae.

O explorador de mel ganha sua vida em atividades variadas, como o trabalho na lavoura, a colheita de frutos deSpondias tuberosa e a extração do mel após as estações chuvosas. Ele não teme as abelhas africanizadas domésticas (não usa nenhuma proteção, à exceção do fumo). Sabe os nomes da várias espécies de abelha, seu comportamento, seus locais de nidificação, bem como a "dinâmica da Caatinga". Ele é um líder e compartilha de seu conhecimento com outros membros da comunidade, que acreditam que seu mel seja de total confiança. As mulheres e as crianças o ajudam a encontrar os ninhos. Nas áreas do Semi-Árido, a extração do mel e a caça de animais selvagens são, como eles dizem, "uma ocupação profissional" que envolve verdadeiros "especialistas", cujo objetivo é ganhar dinheiro para sobreviver.

Os efeitos negativos das práticas dos meleiros foram identificados como: baixa qualidade do mel, contaminação bacteriana devido ao processo anti-higiênico da extração; contaminação dos pesticidas; a destruição de colônias abelhas sem ferrão (Meliponini) e de abelhas melíferas africanizadas (Apis mellifera) e a destruição parcial ou total de ninhos da abelha durante a extração do mel.

Os caçadores do mel poderiam contribuir para a conservação de polinizadores no Brasil? Eles são líderes na comunidade e têm um conhecimento inerente sobre as abelhas e seus locais de nidificação, bem como sobre a coleta de mel. Porém, eles necessitam de novas aproximações para a manipulação apícola e para a conservação do hábitat. Devem receber treinamento especial sobre o manejo de abelhas e técnicas de criação. Também necessitam de suporte financeiro durante sua transição de predadores para protetores. Este é um desafio verdadeiro: transformar o meleiro em criador de abelha líder da comunidade.

Nós concluímos que as atividades de exploradores de mel no Nordeste são uma das causas do declínio no número de polinizadores. O sucesso de programas de conservação de polinizadores em áreas semi-áridas depende do grau de participação dos meleiros. Devem, assim, compreender que a manutenção de abelhas eussociais também aumentaria sua renda.

Ecossistema estudado: Áreas do Semi-Árido do Nordeste do Brasil.

Organismos: abelhas sem ferrão e abelhas melíferas africanizadas.

Principais lições aprendidas: O estudo destaca a necessidade de empregar o conhecimento dos meleiros sobre as abelhas, plantas e hábitats locais a fim de estabelecer o uso sustentável das abelhas sem ferrão e das abelhas melíferas africanizadas e a conservação dos polinizadores das áreas semi-áridas.


ESTUDO DE CASO 10: Lista de plantas de interesse apícola para restauração ambiental

Tereza Cristina Giannini (1), Marilda Cortopassi-Laurino (2) Denise de Araujo Alves (3)
Laboratório de Abelhas, Departamento de Ecologia, IB-USP, C.P. 11461. CEP: 05508-900, São Paulo, SP, Brasil.


1)giannini@usp.br
2)mclaurin@usp.br
3)daalves@ib.usp.br

Tabela 1. Plantas recomendadas para restauração ambiental e utilizadas como locais de nidificação por abelhas sem ferrão.


Gênero

Espécie

Tipo de Ambiente

Estágio de Sucessão

Allophylus

edulis

Floresta Atlântica

pioneira

Astronium

graveolens

Floresta Atlântica

secundária

Bowdichia

virgilioides

Zona da Mata

pioneira

Calophyllum

brasiliensis

Caatinga, Floresta Atlântica, Mata Ciliar

secundária

Carapa

guianensis

Floresta Amazônica


Caryocar

brasiliense

Cerrado

pioneira

Caryocar

villosum

Floresta Amazônica

clímax

Casearia

sylvestris

Floresta Atlântica

pioneiras

Chorisia

speciosa

Área urbana

pioneira, secundária

Cybistax

antisyphilitica

Cerrado, Restinga

pioneira

Enterolobium

contortisiliquum

Floresta Atlântica, Mata Ciliar

pioneira

Erythrina

speciosa

Área urbana

pioneira, secundária

Guazuma

ulmifolia

Floresta Atlântica, Mata Ciliar

pioneira

Heliocarpus

americanus

Floresta Atlântica, Mata Ciliar

pioneira

Hymenaea

courbaril

Floresta Atlântica, Mata Ciliar

secundária

Ocotea

puberula

Floresta Atlântica, Restinga, Mata Ciliar

pioneira, secundária

Patagonula

americana

Floresta Atlântica, Mata Ciliar

pioneira

Plathymenia

reticulata

Cerrado


Platonia

insignis

Floresta Amazônica


Pterogyne

nitens

Área urbana

pioneira

Schinopsis

brasiliensis

Caatinga


Spondias

lutea

Zona da Mata

secundária

Spondias

tuberosa

Caatinga

secundária

Tabebuia

alba

Floresta Atlântica

secundária

Tabebuia

avellanedae

Área urbana, Zona da Mata

clímax

Tabebuia

caraiba

Caatinga, Zona da Mata

secundária

Tabebuia

ochracea

Floresta Atlântica, Cerrado

secundária

Tapirira

guianensis

Floresta Atlântica

pioneira, secundária


Uma vez feito o levantamento das espécies vegetais utilizadas para nidificação por abelhas sem ferrão, a lista das espécies encontradas foi cruzada com uma lista de espécies indicadas para reposição florestal, especialmente para o Estado de São Paulo.

A principal fonte de informação foi a listagem da Secretaria do Meio Ambiente (Resolução SMA 21/2001) que dá orientações sobre as plantas que podem ser utilizadas para recuperação de áreas degradadas (ver referências abaixo)

KALIL-FILHO, N.A. et al., 2002. Espécies recomendadas para a restauração da Mata Atlântica. In: Galvão A.P.M. & Medeiros A.C.S. (eds). Restauração da Mata Atlântica em áreas de sua primitiva ocorrência natural. Colombo, EMBRAPA.

LORENZI, H. 2000. Árvores brasileiras. Volume 01. Nova Odessa. Instituto Plantarum

Resolução SMA 21/2001. Fixa orientação para o reflorestamento heterogêneo de áreas degradadas e dá providências correlatas. São Paulo. Secretaria do Meio Ambiente

TORRES, R.B.; MATTHES, L.A.F.; RODRIGUES, R.R. & LEITÃO-FILHO, H.F. 1992. Espécies florestais nativas para plantio em áreas de brejo. Campinas. O Agronômico 44(1,2,3).


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