Artigo

IMPACTO NA APICULTURA CAUSADO PELO PÓLEN DO BARBATIMÃO NA ZONA DA MATA MINEIRA

Autor: Guido Laércio B. Castagnino
Trabalho realizado na Universidade Federal de Viçosa.
Zootecnista, Mestre em Entomologia pela Universidade Federal de Viçosa.
E-mail:gbcastagnino@bol.com.br

1. INTRODUÇÃO

Cria ensacada
Larvas de operárias apresentando sintomas típicos da doença
Cria Ensacada Brasileira (forma de saco com acúmulo de líquido ecdisial )
Apesar da rusticidade das abelhas africanizadas, uma doença em particular vem chamando a atenção pelo alto índice de mortalidade e capacidade de dizimar apiários inteiros de abelhas Apis mellifera, representando um obstáculo para os apicultores brasileiros. Essa doença apresenta sintomas semelhantes à cria ensacada, causada pelo SBV (Sac Brood Virus), comum em alguns países (Bailey & Ball, 1991). Entretanto, Message et al. (1995), em estudos realizados na Universidade Federal de Viçosa, verificaram não se tratar da mesma doença porque o agente causador não era um vírus, denominando-a então como cria ensacada brasileira (Message, 1997). Apesar da constatação dos autores, não se sabia ainda qual era o agente etiológico dessa enfermidade. Em 1998, Carvalho identificou o agente causador como o pólen do barbatimão do gênero Stryphnodendron. Posteriomente, Santos (2000) constatou que o responsável pela intoxicação das crias são as substâncias do grupo dos taninos existentes no pólen.

As colméias afetadas pela doença têm como características células com opérculos perfurados ou totalmente abertas, contendo crias mortas. Essas crias apresentam acúmulo de líquido ecdisial entre o tegumento, semelhante à forma de um saco, daí a origem do seu nome (Message, 1997) (Fig 1).

A mortalidade ocorre entre o quarto e o sexto dia de idade após as crias terem sido alimentadas pelas abelhas nutrizes com o pólen do barbatimão, interrompendo seu desenvolvimento e não conseguindo realizar a muda para a fase de pupa (Carvalho, 1998).

Relatos e observações dos apicultores relacionavam a época da mortalidade das crias com os meses de florescimento do barbatimão, o que foi confirmado por Carvalho (1998). A autora constatou que pequenas concentrações de pólen do Stryphnodendron polyphyllum são capazes de causar mortalidade nas crias. Castagnino (2002) verificou que o pólen da espécie S. adstringens também é capaz de causar a mortalidade das crias de Apis mellifera.

No Brasil, a ocorrência do gênero Stryphnodendron se estende largamente à maioria dos estados, exceto os da região Sul (Martins, 1980). Dependendo da região e das condições climáticas, a espécie Stryphnodendron adstringens, planta típica de regiões de Cerrado geralmente em áreas desmatadas ou degradadas, floresce nos meses de setembro a novembro, enquanto que a espécie Stryphnodendron polyphyllum, de dezembro a março e se distribui comumente na região da Mata Atlântica (Martins, 1980).

Como são plantas bastante encontradas em áreas onde a apicultura mineira está se desenvolvendo, como no caso da Zona da Mata, o objetivo deste trabalho foi fazer um levantamento da incidência da doença cria ensacada brasileira em alguns municípios dessa região.


2. MATERIAL E MÉTODOS

O trabalho foi realizado na Universidade Federal de Viçosa (UFV), no período de dezembro de 2002 a março de 2003, e consistiu em coletar informações sobre a incidência da doença cria ensacada brasileira, através das associações de apicultores da região da zona da mata, Minas Gerais. Participaram do levantamento 87 apicultores de 26 municípios.

Cada associação recebeu questionários correspondentes ao número de associados, para serem preenchidos, abordando os seguintes tópicos: nome do apicultor, cidade, número total de colônias, número de colônias afetadas pela doença cria ensacada brasileira e número de colônias perdidas pela doença.


3. RESULTADOS E DISCUSSÃO

Os dados coletados nas associações confirmam a grande incidência de mortalidade de cria nos apiários, no período de janeiro e fevereiro de 2003 nas regiões onde se encontra o barbatimão. Os 87 apicultores consultados possuem 5.345 colônias em áreas com a presença da planta; destas, 34% apresentavam-se fracas e debilitadas com redução da população; e o índice de perda de enxame foi de 20% do total de colônias no período final do ciclo da floração do barbatimão.

Entre os municípios pesquisados, Araponga e Viçosa tiveram o maior índice de perdas de colônias, 34,6% e 34% respectivamente, conforme a tabela abaixo:

MUNICÍPIOS TOTAL DE COLÔNIAS COLÔNIAS FRACAS % COLÔNIAS PERDIDAS %
VIÇOSA 568 191 33% 194 34%
PORTO FIRME 424 176 41% 85 20%
SANTA GLORIA 220 70 31,8% 16 7,2%
SANTA RITA 178 28 15,7% 21 11,7%
SENADOR FERMINO 140 20 28% 32 22%
PIRANGA 216 6 2,7 27 12,4
ARAPONGA 78 23 29,5 27 34,5
ALVINÓPOLIS 145 5 3% 5 3,2%
CARANGOLA 123 26 21% 11 17%
DIVINÓPOLIS 202 83 41% 10 17%
FARIA LEMOS 97 - - 32 33%
MURIAÉ 310 - - 75 24%
NATIVIDADE 50 7 14% 4 8%


Possivelmente o que explica a cria ensacada brasileira ser uma doença apícola que vem se manifestando com mais intensidade nos últimos anos é o desmatamento de árvores nativas nessas regiões. Com a retirada dessas plantas, o barbatimão permanece como sendo praticamente a única espécie a florescer nesses meses, tornado-se a fonte principal de pólen disponível para as abelhas. Outro fator, segundo observações dos apicultores mais experientes da região, pode se relacionar à freqüência de dias de chuvas nos meses de seu florescimento com a mortalidade das crias das abelhas. É possível que com a chuva seja carreado o pólen das plantas. A diferença é que a flor do barbatimão consegue dispor mais rapidamente uma nova quantidade de pólen antes das demais plantas. Entretanto, essas observações necessitam de pesquisas para sua comprovação.

Para minimizar o problema da doença, geralmente o apicultor dispõe de poucas opções. A mais comum é migrar as colônias para outras áreas antes do florescimento do barbatimão. Entretanto nem sempre é possível, devido à falta de recursos e de novas áreas. O apicultor também não pode recorrer ao uso de antibióticos para controlar a doença, uma vez que é totalmente ineficaz, pois o agente causador não é um microorganismo (Message,1997); e nem deve eliminar as plantas de barbatimão, visando com isso erradicar a doença.

Outra alternativa testada por Castagnino (2002) é a oferta de substituto de pólen 15 dias antes do início até a fase final da floração. Composto por farelos, o alimento é disponibilizado em alimentadores coletivos, próximos aos apiários, sendo coletado e armazenado nos favos da colônia. Dessa forma, o substituto compete com o pólen tóxico, reduzindo a sua coleta e, conseqüentemente, a mortalidade das crias. O alto índice de prejuízo dos apicultores nesses municípios devido ao pólen do barbatimão mostra a necessidade de mais estudos e pesquisas visando a novos meios de se combater a doença, de divulgação de métodos de controle e conscientização da preservação das matas nativas.

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA


Bailey, L. & B. V. Ball. 1991. Honey bee pathology. Academic Press, London, 193p.
Carvalho, A.C.P de. 1998. Pólen de Stryphnodendron polyphyllum como agente causador da cria ensacada brasileira em Apis mellifera L. Dissertação de Mestrado, UFV.
Castagnino, G.L.B. de. 2002. Efeito do fornecimento de substituto de pólen na redução da mortalidade de Apis mellifera L., causada pela cria ensacada brasileira. Dissertação de Mestrado, UFV.
Martins, E.M.O. 1980. Distribuição geográfica do gênero Stryphnodendron com descrição de nova espécie (Leg., Mim). Rev. Brasil., 40:729-732.
Message, D., B.V. Ball & I.C. Silva. 1995. A serious brood disease affecting africanized honeybees (Apis mellifera). In Apimondia Congress, 34, Lausane. Proceedings...Lausane: Apimondia, 1995. 203p.
Message, D. 1997. Management and disease problems of africanized bees in Brasil. Parkstone, The Central Association of Bee-Keepers, 15p.
Santos, M.L. de A. 2000. Análise dos constituintes químicos do pólen e da inflorescência de Stryphnodendron polyphyllum em relação à Cria Ensacada Brasileira em Apis mellifera. Dissertação de Mestrado, UFV, 59p.

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