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A FLORA APÍCOLA CATARINENSE E SUA AÇÃO SOBRE AS COLMEIAS


James Arruda Salomé e Afonso Inácio Orth. E-mail: jamesarruda2002@hotmail.com


          Um grande problema em nossa apicultura diz respeito à falta de conhecimento das principais espécies de plantas que realmente contribuem no desenvolvimento dos enxames e na produção de mel. Esta relação planta/inseto em apicultura deve ser tratada de maneira conjunta pelo apicultor, pois, é a partir da entrada de néctar e pólen ou da falta destes nas colméias, que se desencadeia uma série de mudanças comportamentais das abelhas. A alternância entre períodos de escassez e de fartura de alimento durante os diferentes meses do ano, trazem como conseqüência, os diferentes manejos a serem aplicados na atividade.

Se um produtor, tenha ele uma colméia ou 1000 colméias, deseja obter uma produção máxima de mel, deverá contar com suas colméias em seu potencial máximo de produção quando as principais plantas apícolas da região iniciam o florescimento. Porém antes de iniciar o armazenamento de mel nos favos, a colméia passa por um período de desenvolvimento, no início do período principal de fluxo de néctar e pólen. Quando estas, por sua vez, estão preparadas para armazenar néctar nos favos na forma de mel, o fluxo principal de néctar praticamente terá terminado (Dadant & Sons, 1979). Desta forma o conhecimento da fenologia da floração das plantas apícolas é importante para desencadear procedimentos de manejo da colméia que poderão maximizar a exploração do fluxo de néctar e pólen. Segundo Ruschel & Orth (1999) um calendário apícola pode auxiliar o produtor sobre a necessidade de estimular com alimentação artificial o crescimento da colméia para entrar com uma população forte no pico de floração das espécies melíferas mais importantes da região.

Um calendário floral não é, entretanto, um guia infalível. Sob condições climáticas adversas, uma planta pode florescer antes ou após o seu período normal, ou ainda emitir poucas flores, e esta, muitas vezes, é a razão pela qual, países produtores de mel, apresentam flutuações consideráveis no volume de mel produzido de um ano para o outro, como também ocorre com a produção agrícola em geral (FAO, 1986).

De acordo com Itagiba (1997), a secreção de néctar no Brasil provém principalmente de plantas nativas, cultivadas e de essências florestais. A intensidade e o período de florescimento dependem dos fatores climáticos de cada região, e a secreção de néctar e liberação de pólen também podem variar de uma região para outra. Por isso, uma planta pode ser considerada de grande valor apícola, sendo muito visitada pelas abelhas em uma região, e em outra região esta mesma planta pode não apresentar expressão apícola.

A existência de uma floração maciça (floradas de produção) em determinadas épocas garante a produção de mel, enquanto florações esparsas (floradas de sustentação) e contínuas durante o ano apesar de não permitirem a estocagem de mel, são importantes uma vez que garantem a manutenção das famílias de abelhas neste período. Grandes áreas de monoculturas e de floradas apícolas homogêneas favorecem a apicultura migratória e o agrupamento de um maior número de colméias nos apiários. Já, as áreas de floradas apícolas variadas durante o ano favorecem a apicultura fixa e o agrupamento de um número menor de colméias, porem podem proporcionar diversas colheitas durante o ano. O apicultor deve organizar o calendário apícola observando as floradas de produção de sua região e a época de floração de cada espécie de planta, para definir uma estratégia de exploração apícola e também para poder determinar com exatidão a época de suas colheitas de mel (Itagiba, op. cit.).

Para tentar trazer estas questões ao apicultor no seu trabalho do dia a dia, realizamos um inventário sobre as plantas apícolas no Estado de Santa Catarina no período de 1998 a 2001, abrangendo 27 municípios, 11 microrregiões de todas as seis mesorregiões do Estado. Os dados sobre as principais espécies de plantas apícolas e os dados da fenologia da floração destas espécies foram obtidos junto a 578 apicultores participantes desta pesquisa participativa, aos quais foram distribuídos formulários, requerendo o preenchimento do nome popular das plantas que contribuem para a produção das abelhas, seja mantendo as colméias, seja para a produção direta de mel; assim como; o respectivo período aproximado de floração destas espécies.

A atividade foi realizada em grupo, ou seja, um formulário foi preenchido conjuntamente por todos os participantes de um determinado grupo. Somente foram registradas as plantas apícolas que obtiveram a aprovação para a inclusão no formulário de todos os apicultores presentes. Os dados levantados pelos apicultores representam períodos aproximados de florescimento das espécies em vários anos conforme a experiência prática destes apicultores.

Exsicatas das espécies indicadas pelos apicultores nos formulários foram coletadas em campo, em cada uma das regiões, levadas ao laboratório de Entomologia Agrícola do Centro de Ciências Agrárias, onde foram herborizadas conforme descrito em Dombrowski (1981) e identificadas em nível de espécie ou de gênero com o auxílio do Prof. Daniel Falkenberg do Departamento de Botânica do Centro de Ciências Biológicas, da Universidade Federal de Santa Catarina e com a utilização de bibliografias específicas.

Das 70 espécies registradas neste trabalho, pertencentes a 30 famílias diferentes, 16 pertencem à família Asteraceae; seguida da família Myrtaceae com 9 distintas espécies; e Fabaceae com 8 espécies , como mostra a figura 1.

 

Figura 1. Principais famílias de plantas de interesse apícola e número de espécies encontradas nestas famílias nas 6 mesorregiões do Estado de Santa Catarina.


As três famílias em questão, representam apenas 10% do total de famílias de plantas abrangidas neste trabalho, porém representam 47,14% de todas as espécies identificadas como sendo de interesse para os apicultores participantes deste estudo.

A maior porcentagem de florescimento das espécies de plantas apícolas é observada no período que vai do mês de agosto ao mês de novembro, nos diferentes municípios. O pico máximo de plantas em período de florescimento (37%) é observado no município de São Joaquim (figura 3b) e ocorre no mês de outubro.

Uma outra característica da fenologia floral das espécies de plantas apícolas do Estado de Santa Catarina é a concentração maior em um período menor, da floração das plantas apícolas, nos municípios com maiores altitudes em relação ao nível do mar como se observa em São Joaquim e Urubici ( altitude média de 800-1200m) (figura 3b).

Figura 2- Porcentagem de espécies de plantas apícolas em floração ao longo dos meses do ano. a: municípios da mesorregião Oeste; b: municípios da mesorregião Norte.


Figura 3 - Porcentagem de espécies de plantas apícolas em floração ao longo dos meses do ano. a: municípios da mesorregião do Vale do Itajaí; b: municípios da mesorregião Serrana.


Figura 4 - Porcentagem de espécies de plantas apícolas em floração ao longo dos meses do ano. a: municípios da mesorregião Sul; b: município da mesorregião da Grande Florianópolis.


Nestes dois municípios a maior porcentagem de florescimento de plantas se concentra nos meses de outubro e novembro. Já em outros municípios, com altitudes menores, o florescimento das plantas apícolas ocorre num período mais dilatado, como pode ser visto na figura 2a, que representa a fenologia floral dos municípios da mesorregião do Oeste e na Figura 4a que mostra a fenologia floral da região Sul.

Na comparação do número de espécies apícolas em florescimento, durante os 12 meses do ano, entre os municípios de Urubici (figura 3b) e Indaial(figura 3 a), observou-se que a diferença é significativa ao nível de 5% de probabilidade, (?² calculado = 48,87, ?² tabelado = 19,68). Possivelmente, esta diferença observada entre as florações dos dois municípios se deve as diferenças de altitude existente entre estes dois locais

As menores porcentagens de florescimento de plantas apícolas ocorrem no período compreendido entre os meses de abril a julho. Tal fato pode ser observado em todos os municípios. A baixa freqüência de espécies em floração pode se iniciar já em dezembro como ocorre em alguns municípios da mesorregião do Vale do Itajaí ou a partir de janeiro para outros municípios que não apresentam um pico secundário de florescimento de plantas apícolas em fevereiro e março.

Nenhuma espécie apícola floresce ao longo de todos os meses do ano, geralmente se estendendo apenas por períodos de um a três meses. O aparecimento de Mimosa scabrella por períodos maiores do que estes se deve à secreção de melato ao longo dos troncos e galhos que também é recolhido por Apis mellifera além do néctar e pólen das flores e por este motivo esta secreção de melato foi incluída no calendário floral.

Um número reduzido de espécies em floração, principalmente no outono, necessariamente não se traduz em falta de recursos para os polinizadores/visitantes florais. Exemplo disso é a secreção de melato (honeydew) em M. scabrella B., com ciclo bianual nos municípios de Santa Terezinha, Urubici, São Joaquim (figuras 2b e 3b). A presença isolada desta secreção propicia volumosos recursos tróficos para as abelhas e estas são capazes de armazenar grandes quantidades de mel a partir desta única planta e fora do período dos picos de floração observados nos respectivos municípios. Aparentemente, o melato dos bracatingais é fruto da associação da cochonilha Tachardiella sp. com a bracatinga, pois quando esta se alimenta da planta sugando a seiva elaborada do floema, excreta um líquido açucarado que se deposita sobre o tronco, galhos e folhas da planta (Silva et al., 1968)

De acordo com Bidwell (1974) há dois importantes modos de as plantas determinarem o período de florescimento: no primeiro, a planta cresce até atingir o estágio adulto apropriado para emitir as flores e este fenômeno então ocorre como uma seqüência lógica do processo de crescimento da planta. No segundo sistema, comum nas plantas perenes, a planta apresenta mecanismos (geneticamente controlados) que determinam o momento durante o ano em que a planta vai florescer. Este momento é, segundo este autor, determinado, entre outros, por um importante requerimento: o correto comprimento do dia (fotoperíodo). Há plantas que florescem após períodos críticos de dia longo ou de dia curto. Desta forma, as plantas que florescem na primavera e verão, provavelmente são induzidas a este processo por um valor crítico de dia longo; já as plantas que florescem no outono apresentam como característica a ocorrência de dias mais curtos do que um determinado valor crítico. O fotoperíodo deve influenciar o início do período de florescimento das plantas apícolas discutidas neste trabalho porque a maioria das espécies é nativa do Estado de Santa Catarina, onde possivelmente coevoluíram com as características de fotoperíodo e períodos de flutuação da temperatura. Em relação a este ultimo fator ecológico, possivelmente o requerimento em forma de soma térmica, pode também ser um fator importante para desencadear o florescimento destas plantas no Estado.

Observando-se os dados disponíveis, na Figura 3b, que abrange os municípios de Urubici e São Joaquim, nota-se que os maiores percentuais de floração das espécies ocorre mais tardiamente em relação ao calendário floral de outras regiões. Além disto, a mesma espécie de planta apícola floresce mais tardiamente nesta região do que noutras. Um exemplo típico desta observação ocorre com Mimosa scabrella B., que nestes municípios inicia o seu florescimento no mês de setembro, enquanto que em outras regiões de ocorrência da espécie a mesma inicia o florescimento mais cedo, no mês de junho (Campo Erê) ou no mês de Agosto (Lebon Régis, Tangará, Fraiburgo, Rio das Antas,Major Vieira, Aurora). Aparentemente, a altitude é um fator determinante nesta variação do inicio da floração destas espécies, sendo que nos municípios de Urubici e São Joaquim pertencentes à microrregião dos Campos de Lages com altitudes predominantes nas faixas de 800-1200 metros as espécies iniciam mais tardiamente o florescimento em relação aos outros municípios com altimetria inferior. Um estudo clássico desta natureza foi realizado por Macior (1970) em espécies de Pedicularis no Colorado. O autor observou que a fenologia do florescimento de todas as espécies estudadas variavam de acordo com a altitude. A floração iniciava em 30 de junho para elevações na faixa de 2.740 metros de altitude, 10 de julho a 3.465 metros e 29 de julho a 4.225 metros. Diferentes espécies de Pedicularis apresentaram diferentes datas para o início do florescimento, porém sempre iniciando mais tardiamente nas altitudes maiores.

Na pratica, uma visão das figuras anteriores nos sugere que existem em Santa Catarina, regiões onde as florações são "explosivas", iniciando no inicio da primavera, atingindo em progressão contínua um pico máximo, e iniciando a regressão a seguir, como por exemplo, as figuras 2b ( Major Vieira e Monte Castelo) e 3b ( Urubici e São Joaquim). Nestas regiões com alta freqüência de floração em um único período permite que as abelhas consigam armazenar grande quantidade de mel nas sobre caixas. Porem, o período normal de colheita inicia somente quando a floração começa a regredir, indicando que no período anterior e durante o grande fluxo de néctar, as abelhas estão utilizando todo o alimento para a geração e alimentação de cria. Os enxames só estão em condições de armazenar mel, quando grande parte do fluxo principal de néctar já passou. Ou seja, os fluxos principais de néctar e pólen estão sendo utilizados para crescimento e desenvolvimento até o mês de novembro.

Em contrapartida, existem regiões que apresentam fluxos de néctar e pólen descontínuos, isto é, há um primeiro pico de floração após o inverno, regressão da floração e retomada de progressão formando outro pico mais adiante como aparece nas figuras 2 a (Rio das Antas), 3 a (Vitor Meireles), 4 a (Rio Fortuna, Grão Para, Orleans) e 4b (Rancho Queimado).

Como todos sabem, a abelha demora 21 dias para nascer a partir da postura de um ovo. Dependendo da força de uma colméia, são decorridos aproximadamente 20 dias entre a etapa de nascimento, a realização das tarefas do interior do ninho e o serviço de coleta de alimento ou produto, no campo. Isto nos dá cerca de 40 dias, significando que as abelhas que saem pela primeira vez para coletar néctar e pólen, água e própolis hoje, nasceram a partir de ovos que foram colocados há 40 dias atrás.

Se quisermos ter colméias bem desenvolvidas no inicio da secreção de néctar da temporada, 40 dias antes, já deverão existir na colméia não menos de 7-8 quadros de cria. Com este nível de cria, mais aquela já nascida e aquela que nascerá, logo teremos uma abundante população para o inicio da floração. Não há duvidas de que não há necessidade de criar abelhas na safra, mas sim criar abelhas para ela. Uma grande quantidade de cria durante a safra alem de não produzir, consome mel. É claro que as características da região e os objetivos da produção determinam os momentos de estímulo às colméias e de bloqueio da postura das rainhas.

Em regiões com estações climáticas definidas, com inverno marcante, a maioria das abelhas presentes nas colméias são abelhas com sobrevida muito além dos normais 42 dias, nascidas no outono e que passaram o inverno, sendo que o tamanho da colméia na primavera está diretamente relacionado com seu tamanho no outono anterior. Estas abelhas velhas iniciam os trabalhos de coleta no inicio da primavera com a chegada das primeiras flores, morrendo rapidamente. Logo no inicio da temporada é normal que as colméias diminuam de tamanho pelo fato de morrerem mais abelhas adultas que nascerem abelhas novas. Esta situação é temporária, assim que inicia o nascimento das novas abelhas, criadas na temporada, fazendo a colméia retomar seu crescimento natural. Com a progressão da floração, mais alimento estará disponível e mais abelhas estarão disponíveis para a coleta de alimento. Em decorrência da alteração do volume de alimento, mais cria poderá ser criada, principalmente em relação à quantidade de pólen coletado, que é a matéria prima para a alimentação das larvas. Da disponibilidade de alimento dado a rainha vai depender a taxa de colocação de ovos, que pode ser regulada tanto pelo alimento, quanto pela rainha, como pelas operárias, com a finalidade de ajustar a quantidade de cria ao volume de alimento presente nas células.

O aumento da população de abelhas adultas, decorrente da disponibilidade de alimento no inicio da primavera para gerar e alimentar a cria e a quantidade de alimento coletado em decorrência do grande volume de cria presente na colméia são dois aspectos importantes e dependentes do tamanho da colméia. Colméias pequenas criam proporcionalmente mais prole por abelha adulta que as maiores e as abelhas das pequenas colméias coletam proporcionalmente mais que aquelas de colméias maiores.

Taxas maiores de população e alimento nas colméias fazem a rainha chegar ao máximo de postura de ovos, que pode ser de até 3.000/dia. Neste momento, a proporção de abelhas adultas/cria aumenta, denotando maior número de abelhas coletando que larvas para alimentar. Desta forma, colméias que atingiram ponto de crescimento anterior coletam mais alimento, representado na forma de néctar e transformado em mel, do aquelas que estão ainda em crescimento.

Com a compreensão destes aspectos acima abordados, fica evidenciada a importância da intervenção do apicultor nas colméias em períodos determinados, com a finalidade de estimular e manter populações de abelhas em patamares satisfatórios através do uso de alimentação artificial de natureza energética e/ou protéica, dependendo do momento.

Referências bibliográficas:

BIDWELL, R. G. S. 1974. Plant physiology. Macmillan Publishing Co., Inc. New York. 643p.

DADANT & SONS. 1979. The hive and the honey bee. Journal Printing Company. Illinois. 740p.

DOMBROWSKI, L. T. D. 1981. Técnicas de herborização. IAPAR. Londrina. 26p.

FOOD AND AGRICULTURE ORGANIZATION OF THE UNITED NATIONS (FAO). 1986. Tropical and sub - tropical apiculture. FAO. Rome. 56-61.

MACIOR, L. W. 1970. The pollination ecology of pedicularis in Colorado. Amer. J. Bot. 57 (6): 716-28.

ITAGIBA, de M. da G. O. R. 1997. Noções básicas sobre a criação de abelhas. Nobel. São Paulo. 104-5 .

RUSCHEL, A. R. & ORTH, A. I. 1999. Apicultura- Uma alternativa para a agricultura do Oeste Catarinense. Inf. Zum-Zum. Florianópolis. 292: 13

SILVA, A. G. d'A., GONÇALVES, C. R., GALVÃO, D. M., GONÇALVES, A. J. L., GOMES, J., SILVA, M. N., SIMONI, L. 1968. Quarto catalogo dos insetos que vivem nas plantas do brasil. Seus parasitas e predadores. Laboratório Central de Patologia Vegetal. MINISTÉRIO DA AGRICULTURA. Rio de Janeiro. Brasil. Parte II - 1° Tomo: 622p

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