Artigo
 

ABELHAS E POLINIZAÇÃO:
POTENCIAL DE BENEFÍCIOS PARA A AGRICULTURA PAULISTA

 

Trabalho apresentado à Câmara Setorial dos Produtos Apícolas do Estado de São Paulo em reunião de 06/11/97.
Etelvina Conceição Almeida da Silva e Ronaldo Mário Barbosa da Silva,
Pesquisadores do Centro de Apicultura Tropical, do Instituto de Zootecnia, Pindamonhangaba, SP


INTRODUÇÃO

Os produtos da agricultura podem ser quaisquer partes das plantas cultivadas: raiz, caule, folhas etc. Com grande freqüência, porém, são os frutos ou sementes ou seja, órgãos envolvidos no processo reprodutivo das fanerógamas (vegetais superiores). Quer isto dizer, que a produtividade agrícola está intimamente associada ao grau de sucesso na reprodução das culturas.
Recapitulando este processo, vale lembrar que as fanerógamas respondem pela maior parte da alimentação e suprimento de matérias vegetais utilizadas pelo homem. E mais, que uma de suas importantes características é que se reproduzem de forma sexuada, manifestada principalmente pela produção de flores, sede dos seus órgãos reprodutivos.
Como sabemos, o ponto crítico da reprodução sexuada é a união dos gametas masculino e feminino (as estruturas portadoras da herança paterna e materna, respectivamente), dando origem ao zigoto, ou seja, o início da nova geração. No caso destes vegetais, trata-se da união do grão de pólen com o óvulo, também chamada fecundação do óvulo. Por tal razão, o processo que os coloca em contato é denominado polinização. A polinização, sendo antes de tudo, um processo mecânico (transporte do grão de pólen para o estigma da flor), depende da interveniência de agentes externos à planta, tais como vento e gravidade. Entre estes, como discutiremos a seguir, um dos mais eficazes e admiráveis e portanto, úteis, é a abelha de mel, Apis mellifera.
Resumindo: produção agrícola é em grande parte, sinônimo de produção de frutos e sementes, processo que passa pela polinização das flores, que é efetuada com grande eficiência e alto grau de controle humano, pelas abelhas. Nas seções seguintes procuraremos ilustrar e avaliar o ganho de produtividade agrícola potencialmente atingível mediante a ampla utilização de colônias de abelhas na polinização de importantes culturas do Estado de São Paulo.


RELAÇÃO POLINIZAÇÃO - PRODUTIVIDADE

Como regra, a reprodução, isto é, a produção de sementes férteis resulta e, portanto depende da fecundação e esta, da polinização das flores. Ainda como regra, a frutificação (desenvolvimento do ovário da flor) depende também da fecundação dos óvulos nele contidos. Assim, a função biológica dos frutos seria de atrativo para pássaros e outros animais que, deles se alimentando, atuam como disseminadores da espécie, além de prepararem um, terreno fértil para a germinação das sementes (o bolo de fezes em que as sementes ficam incluídas).
Na prática contudo, grande número de fatores intervém no processo, tornando bastante variada e complexa a descrição e avaliação da sua importância relativa no resultado final (frutificação = produção). Assim, algumas espécies são dióicas (apresentando indivíduos masculinos e femininos, como o mamoeiro) enquanto outras são monóicas (produzindo flores masculinas e femininas em uma mesma planta, como o milho). Por outro lado, as flores podem ser unissexuadas ou hermafroditas. Estas diferentes condições tanto afetam a distância física como a facilidade de acesso entre o pólen e o óvulo. Além disso, mesmo em plantas possuidoras de flores hermafroditas, pode ocorrer diferença no horário que um ou outro são funcionais, como ocorre no abacateiro, exigindo a presença de árvores de variedades diferentes no mesmo pomar para que possa ocorrer a polinização. Outro fenômeno freqüente entre plantas cultivadas é a auto - esterilidade, que pode ser total ou parcial. Nestes casos temos flores hermafroditas, que produzem pólen e óvulos férteis em sincronismo, porém são incapazes de fecundar seus óvulos, exigindo o que se denomina fecundação cruzada, isto é, entre pólens e óvulos de plantas diferentes. Finalmente, mesmo quando uma espécie possui flores hermafroditas capazes de se autofecundar, normalmente produz sementes menos viáveis, em menor número ou de menor peso, ou ainda, frutos menores e de menor valor comercial do que quando ocorre a fecundação cruzada, proporcionando o chamado vigor híbrido, dos indivíduos resultantes.


OS AGENTES POLINIZADORES

Em certo número de casos, como no milho, a disposição das flores, masculinas (flecha) em nível mais elevado do que as femininas (espiga) permite que a gravidade efetue a polinização: os grãos de pólen simplesmente caem sobre as espigas. Muitas espécies possuem pólen pequenos, leves e não aderentes, que são facilmente transportados pelo vento a consideráveis distâncias; estes pólens são freqüentes nas gramíneas (como os capins, o arroz e o trigo). Outro grupo importante de plantas apresenta grãos de pólen relativamente grandes, pesados e adesivos. O transporte destes pólens exige estratégias mais elaboradas, com o concurso de animais (que em oposição aos vegetais, se caracterizam pela capacidade de locomoção). Para obter a cooperação destes animais, geralmente pássaros ou insetos, as plantas interessadas oferecem-lhes compensações, como o néctar e desenvolvem diversos mecanismos de atração e sinalização, como os perfumes e cores das flores.
As plantas que utilizam insetos como polinizadores são chamadas entomófilas. Algumas de suas características são as flores de várias cores, porém nunca vermelhas ( os insetos são praticamente cegos para o vermelho), além de copiosa secreção de néctar e da produção de um tipo de pólen especial, infértil, porém avidamente procurado pelos insetos, como fonte de nutrição protéica. Mitas destas espécies são importantíssimas em nossa agricultura, como o cafeeiro, o algodoeiro e as plantas cítricas.


DEPENDÊNCIA PLANTA - INSETO

Conforme mencionado antes, é variável o grau de dependência que as plantas apresentam com relação aos agentes polinizadores externos como os insetos. Este fato nos permite classificá-las em três grupos: as que prescindem de polinizadores, as que podem se reproduzir mesmo sem a participação de polinizadores (dependência parcial) e aquelas que dependem totalmente dos polinizadores. A tabela abaixo apresenta exemplos importantes de cada um destes grupos.


Tabela 1

Comportamento de algumas culturas importantes para o Estado de São Paulo,
em relação aos requisitos de polinização

A: Prescindem de polinizadores B: São beneficiadas em diversos graus pelos polinizadores C: Somente produzem com a intervenção de polinizadores
Trigo Soja Pepino
Milho Laranjeira Maracujazeiro
Bananeira Tangerineira Mamoeiro
Hortaliças folhosas Feijoeiro Melão
Cana de açucar Tomateiro Xuxuzeiro
Mandioca Cafeeiro Figueira


O grupo “B” é o mais numeroso, seguido pelo grupo “A”, no qual estão incluídas todas as culturas cujo produto é o caule, raiz ou folhas, além daquelas que produzem frutos partenocárpicos e algumas que produzem falsos frutos, como a bananeira e o abacaxi. Muitas destas contudo, tornam-se dependentes da polinização na atividade de produção de sementes, como é o caso das hortaliças, É importante frisar que esta limitação à produtividade por falta ou insuficiência de polinização ocorre independentemente e após a cultura receber todos os demais fatores de produção, tais como adubação, irrigação, cultivos etc.
Os insetos polinizadores são geralmente muito abundantes e variados na natureza. Existem porém casos de maior ou menor especificidade de polinizadores. Em caso extremo é o das figueiras, em que cada espécie possui uma única espécie de vespa polinizadora, estabelecendo-se uma relação simbiótica muito estreita entre cada par de espécies vespa-figueira. Outro caso de especificidade, algo menos estreita é o do maracujazeiro, cujas flores são polinizadas por várias espécies de mamangavas ( Bombus sp.). Ainda outro selecionador de polinizadores é a iluminação. Posto que a maioria das espécies vegetais tem seus orgãos reprodutivos (flores) ativados pela luminosidade do sol sendo polinizados por insetos diurnos, outras ao contrário, expõem suas flores receptivamente durante a noite, dependendo portanto, de insetos de hábitos noturnos, como as mariposas ( Lepidoptera sp.).
Em sua imensa maioria, porém, as espécies agrícolas, além de serem ativas durante o dia, podem ser polinizadas por grande variedade de insetos tais como abelhas de várias espécies, vespas, borboletas, percevejos e besouros. Muitos destes insetos, contudo, podem se tornar prejudiciais à cultura, o que obriga o agricultor a exercer controle sobre a população geral de insetos na área.
Entre todos os insetos polinizadores, a abelha de mel ( Apis mellifera L.) se destaca por algumas particularidades marcantes como: (1) sua grande capacidade de aprendizado ou adaptação as diferentes estruturas anatômicas dos vegetais, permitindo-lhe explorar enorme variedade de espécies, até simultaneamente por uma mesma colônia de abelhas. Isto, graças à fidelidade que a maioria das abelhas individualmente apresentam a uma determinada espécie vegetal. (2) Seu regime alimentar, baseado no néctar e no pólen, o que as obriga a procurar incessante e exclusivamente as flores, não podendo se tornar concorrente do agricultor, no consumo de outras partes das plantas; (3) a possibilidade e facilidade de controlar sua população nos locais e períodos desejados pelo agricultor, para efeito de polinização.


POTENCIAL DE INCREMENTO DA PRODUTIVIDADE AGRÍCOLA COM UTILIZAÇÃO DA POLINIZAÇÃO APÍCOLA

O objetivo deste trabalho, além da divulgação de algumas idéias sobre a ação das abelhas na polinização das culturas, foi o de estimular o quanto a agricultura do Estado poderia ganhar em produtividade, sem outros recursos além da ampla utilização de colônias de abelhas nos campos de culturas, durante o período de florescimento. O método utilizado foi o do levantamento dos dados mais recentes disponíveis sobre as áreas colhidas, produção e valor (FOB porteira da fazenda - ou seja, os preços pagos ao produtor, no local de produção) de algumas das culturas mais expressivas do Estado. A estes dados foram aplicados coeficientes de incremento de produção que poderiam ser obtidos - os demais fatores sendo iguais - através de eficiente polinização das flores, obtida com a instalação de adequado número de colônias de abelhas dentro ou nas imediações das culturas, durante o período de florescimento.
A seleção das culturas não foi livre, visto que dependeu da disponibilidade de dados estatísticos consistentes. Para este fim foram consultados entre outros o “Boletim 200”do I. A. C. e o Anuário do IBGE. A principal fonte destes dados, porém foi NEHMI et al (1997), publicação de alto nível apesar de apresentar algumas lacunas importantes. A estimação dos coeficientes de incremento de produtividade foi elaborada a partir de resultados de pesquisas nacionais e estrangeiras além daqueles constantes da revisão de McGREGOR (1976), ainda hoje um dos melhores trabalhos no gênero.
Para a fixação final daqueles coeficientes considerou-se que as colheitas obtidas beneficiaram-se em graus variáveis de polinizadores atualmente presentes. Entre outros, abelhas provenientes de colônias ferais e de apiários casualmente instalados nas proximidades. Além destes ocorre, ainda que em limitada extensão, a alocação de colônias de abelhas para fim de polinização, particularmente em macieiras e em pomares cítricos. Foi considerada finalmente, a ação de outros polinizadores presentes na natureza, como anteriormente mencionado. Por estas razões, os coeficientes inicialmente deduzidos dos trabalhos de pesquisa tiveram seu valor reduzido à metade.
Os resultados encontram-se na tabela 2.

 

Tabela 2

Incremento potencial de produtividade de algumas culturas importantes do Estado de São Paulo,
com utilização intensiva de abelhas


Cultura

Área colhida
(hectares)
Produção (toneladas)
Valor (US$1.000,)
Ganhos potenciais c/ uso de abelhas
Diferença (US$1.000,00)
Algodão herbáceo (1995)
179.650
311.400
98.385,93
0,30
29.515,78
Amendoin(1994)
79.300
125.400
41.037,48
0,03
1.231.12
Café(1996)

241.385

205.200
548.867,95
0,35
204.703,78
Laranja(1995)
620.770
13.294.875
678.302,82
0,20
135.660,56
Limão(1993)
27.883
472..803
46.932,65
0,20
9.386.53
Tangerina(1993)
20.191
254.116
28.338,65
0,20
5.667,78
Feijão(1995)
252.000
294.100
179.057,87
0,10
17.905,79
Goiaba(1993)
3.658
133.632
41.292,29
0,30
12.387,69
Maça(1995)
620
14.521
5.751,77
0,50
2.875,85
Mamão(1993)
268
6.727
1.352,13
0,30
405,64
Melão(1993)
220
4.400
474,25
0,40
189,70
Morango(1995)
755
110
78,45
0,50
39,22
Pepino(1995)
1.325
52.082,32
5.944,88
0,50
2.972,44
Pêssego(1993)
1.666
33.320
16.993,20
0,40
7.797,28
Pimentão(1995)
2.885
63.848,84
24.228,35
0,30
7.268,05
Soja(1996)
563.600
1.177.900
234.516,98
0,20
46.903,39
Tomate(1996)
16.930
839.820
200.692,97
0,10
20.069,29
Uva(1995)
9.519
137.160
68.580,00
0,05
3.425,40
TOTAIS (FOB fazenda)
2.022.625
-
2.257.828,88
-
509.405,29
TOTAL (atacado/industria)    
5.027.191,14
-
1.134.221,30
Área colhida incluída: 2.022.625há. = 0,82% do Estado de São Paulo


O exame dos dados desta tabela mostra como mediante o emprego intensivo das abelhas, a produtividade agrícola do Estado poderia ser elevada em 22,42%. É importante salientar que as culturas incluídas não esgotam o campo de emprego das abelhas e que os coeficientes usados foram bastante conservadores. É lícito esperar-se ainda que, em face a uma agricultura mais produtiva os agricultores ficariam motivados a incrementar a utilização de outros insumos como sementes melhoradas e melhores tratos culturais, elevando ainda mais o rendimento final.


CONCLUSÕES

O amplo emprego de abelhas nos campos de culturas entomófilas elevaria a produtividade da agricultura paulista em cerca de 22%, gerando aumento das receitas anuais dos agricultores da ordem de US$ 509.405.290,00. Estes valores são baseados em uma amostra de 18 entre as mais importantes culturas do Estado de São Paulo, representando área colhida da ordem de 82% da área total do Estado. Tais dados indicam a existência de um grande potencial de produção inexplorado, cujo aproveitamento depende de poucos investimentos adicionais - basicamente as próprias colmeias e os acessórios para sua exploração.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

McGREGOR, S.E. Insect pollination of cultivated crop plants. Washington: USDA, 1976. 411p. ( Agriculture Handbook, 496).
NEHMI, I.M.D., FERRAZ, J.V., NEHMI FILHO, V.A., coordenadores. Agrianual 97: Anuário da Agricultura Brasileira, São Paulo: FNP Consultoria & Comércio, 1996. 436p.


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