Artigo
 

TOXICIDADE DO BARBATIMÃO PARA AS ABELHAS

Cintra, P.1 Malaspina, O.2 Bueno. O.C.2 Petacci, F. 3 Fernandes, J. B.3
Trabalho baseado na Dissertação de Mestrado de Priscila Cintra (área de Zoologia) - Universidade Estadual Paulista - Rio Claro, sob orientação do Prof. Dr. Osmar Malaspina.
1. Pós-graduanda do Departamento de Biologia e Centro de Estudos de Insetos Sociais- UNESP- Rio Claro.
2. Departamento de Biologia e Centro de Estudos de Insetos Sociais – Unesp - Rio Claro.
3. Laboratório de Produtos Naturais, Departamento de Química da Universidade Federal de São Carlos.

RESUMO

    Existem várias espécies de plantas que são popularmente denominadas de barbatimão, entre as quais se encontra Dimorphandra mollis e algumas espécies do gênero Stryphnodendron. A espécie D. mollis tem o nome popular de falso barbatimão. É uma planta característica de cerrado e de ocorrência freqüente no interior dos Estados de São Paulo, Mato Grosso e Minas Gerais. Nessas regiões, por ocasião do florescimento dessas espécies tem sido observada uma grande mortalidade de abelhas em apiários, sugerindo que o pólen seja responsável pelo efeito tóxico. Esse fenômeno é conhecido pelos apicultores como "mal de outono". O presente trabalho foi realizado no Centro de Estudos de Insetos Sociais da Unesp – Rio Claro, no período de agosto de 1999 até julho de 2001. Teve por objetivo avaliar o efeito tóxico de extratos, obtidos a partir de diferentes partes da planta (flores, pedúnculo, folha e caule primário e tardio) sobre operárias de Apis mellifera. Para isso, os extratos foram incorporados em dieta alimentar e oferecidos às abelhas confinadas em pequenas caixas em laboratório. Os extratos metanólicos das flores, pedúnculos florais e caule apresentaram efeitos tóxicos sobre operárias. A partir do extrato das flores (contendo antera com grãos de pólen) e dos pedúnculos florais foi possível isolar e identificar uma substância química conhecida como astilbina, que é um flavonóide. Após o isolamento, a substância pura foi avaliada em operárias confirmando os efeitos tóxicos. Nos extratos dos caules primário e tardio além da astilbina foram encontrados também taninos. Em uma análise comparativa, foi possível verificar quimicamente que o macerado de anteras com grãos de pólen contém astilbina como um dos seus compostos principais.

INTRODUÇÃO

    A relação entre insetos e plantas existia antes do surgimento de plantas com flores (angiospermas), que eram utilizadas pelos insetos como fonte alimentar (ZWÖFLER, 1982). Embora sejam bem conhecidos os efeitos de alguns inseticidas vegetais como a nicotina, rotenonas e piretrinas, pouco se sabe sobre outras toxinas de origem vegetal que interferem na vida dos insetos (BUENO et al., 1990).

    Estudos realizados na Índia (Darang) mostraram que colônias de abelhas Apis mellifera apresentavam mortalidade da cria em outubro, quando os arbustos de chá (Camellia tea) estavam florescendo. As larvas tornavam-se amarelas e morriam, emitindo um odor desagradável. Larvas alimentadas em laboratório com o néctar das flores do chá demonstraram os mesmos sintomas. No entanto, larvas alimentadas com o néctar diluído desenvolveram–se normalmente (SHARMA, RAJ e GARG, 1986).

    LORENZI (1992), em sua obra de referência sobre as plantas arbóreas nativas do Brasil, aponta dois tipos de barbatimão: o barbatimão verdadeiro, Stryphnodendron adstringens, e o barbatimão-de-folha-miúda ou barbatimão falso, Dimorphandra mollis. Apesar de pertencerem a gêneros diferentes, ambas as espécies apresentam período de florescimento muito próximo.

    Estudos realizados com o gênero Dimorphandra apresentaram, segundo DOBEREINER et al. (1985), efeito nefrotóxico em gado. Os efeitos clínicos-patológicos de D. gardneriana foram muito similares aos causados por D. mollis. As vagens causaram a morte em dois indivíduos, que receberam 30g/Kg de peso corpóreo, enquanto 20 g/Kg de peso corpóreo provocavam somente efeitos brandos de envenenamento.

    ALVES et al. (1996), realizaram estudos do efeito de extrato aquoso da inflorescência de barbatimão (S. adstringens) na longevidade de abelhas africanizadas. Metade da população controle sobreviveu aproximadamente o dobro do tempo, quando comparado com os grupos testes.

    A cria ensacada é uma doença causada por vírus e afeta principalmente as larvas de abelhas. No Brasil, nas regiões de cerrados foi possível verificar sintomas semelhantes dessa doença nas larvas, no entanto, nenhum vírus ou outro patógeno pode ser detectado (MESSAGE et al., 1995).

    Por outro lado, estudos realizados por CARVALHO (1998) e CARVALHO et al. (1998), mostraram que essa doença ocorre na mesma época do florescimento do barbatimão (S. polyphyllum) e que, fornecendo pólen dessa planta na dieta de larvas de operárias em laboratório, os mesmos sintomas eram reproduzidos.

    Em função dos sintomas serem semelhantes e a doença não ser causada pelo vírus, MESSAGE (1997) passou a denominar essa doença no Brasil como Cria Ensacada Brasileira. Posteriormente, SANTOS e MESSAGE (1998) verificaram que alimentando larvas de abelhas em laboratório com ácido tânico, os sintomas da doença também podiam ser reproduzidos e, então sugeriram que os taninos normalmente encontrados em grande quantidade no barbatimão, seriam os causadores da Cria Ensacada Brasileira.

    CINTRA et al. (1998), realizaram bioensaios com inflorescências desidratadas do barbatimão verdadeiro (S. adstringens) e do falso-barbatimão (D. mollis) incorporadas em dieta alimentar. Os resultados das taxas de sobrevivência demonstraram que houve uma redução significativa nas abelhas tratadas quando comparadas com o controle. CINTRA (1998), utilizou as mesmas inflorescências em outro experimento, com a finalidade de verificar se as abelhas teriam a capacidade de selecionar o alimento oferecido, detectando a presença de substâncias tóxicas. Os resultados indicaram que as abelhas não foram capazes de identificar e evitar a dieta contendo as flores, embora tivessem outra opção alimentar.
 


MATERIAL E MÉTODOS

    Os bioensaios foram realizados no Centro de Estudos de Insetos Sociais- IB- UNESP- Rio Claro, SP. Para e realização do trabalho foram coletados o caule, folhas, pedúnculos florais e inflorescências (contendo antera com grãos de pólen) de Dimorphandra mollis (falso-barbatimão). Os extratos metanólicos que correspondem a 10% da extração total foram preparados no Laboratório de Produtos Naturais do Departamento de Química da Universidade Federal de São Carlos. A substância astilbina foi identificada e isolada para a realização dos experimentos utilizando-se o solvente metanol.

    Nos experimentos foram utilizadas abelhas (Apis mellifera) recém emergidas e provenientes de colméias mantidas no apiário do Instituto de Biociências de Rio Claro- UNESP.

    Durante a realização dos bioensaios, o grupo controle recebeu apenas o candi (mistura de açúcar de confeiteiro e mel na proporção 5:1) e água.

    Nos grupos experimentais os extratos foram incorporados na dieta alimentar (candi), nas concentrações de 0,2%, 0,5% e 1%. O alimento previamente preparado foi oferecido às abelhas em tampas plásticas, recobertas com uma fina tela de arame, a fim de que os insetos não se contaminassem por contato. Os grupos experimentais tiveram os mesmos suprimentos de água dos controles.

    Foram utilizadas sessenta abelhas por tratamento, que foram acondicionadas em três caixas de madeira previamente forradas com papel de filtro. Foram utilizadas vinte abelhas por caixa conforme metodologia avaliada por BETIOLI (1989), que considera esse número adequado para manutenção de abelhas em confinamento. Os experimentos foram conduzidos em estufa para B.O.D., à temperatura de 32ºC± 1ºC e umidade relativa de 70%.

    Para cada tratamento foram calculadas as taxas de sobrevivência diária e realizadas comparações entre as curvas.

    Para o estudo cromatográfico dos grãos de pólen as inflorescências foram coletadas a fresco diretamente das flores e extraída a antera contendo os grãos de pólen, qualitativamente com metanol (grau HPLC). Essa solução foi analisada por LC/MS/MS por inserção direta. Uma solução contendo astilbina pura foi utilizada como controle para comparação.
 
 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

    Nas figuras 1, 2 e 3 é possível observar respectivamente os gráficos com as curvas de sobrevivência de abelhas submetidas aos tratamentos com: 1- extratos metanólicos das inflorescências, 2- extrato metanólico do pedúnculo floral e 3- extrato metanólico do caule.

    Pode-se verificar pelas figuras que a sobrevivência das abelhas foi significativamente reduzida com a utilização da dieta contendo os extratos. Análises estatísticas dos resultados mostraram diferenças significativas entre as curvas de sobrevivência do controle e dos grupos tratados, indicando efeito tóxico dos extratos metanólicos dessas partes da planta sobre as abelhas. O bioensaio realizado com o extrato metanólico obtido das folhas não evidenciou toxicidade.

    Os extratos que se mostraram tóxicos foram submetidos a fracionamento para identificação e quantificação das substâncias e seus compostos. Nos extratos da inflorescência e dos pedúnculos florais foi possível identificar a presença de um composto flavonóide conhecido como astilbina. Em um estudo mais detalhado da fração metanólica dessas duas partes da planta, foi detectado a presença de astilbina em grande concentração (mais de 99%).

    Também foi realizada uma análise comparativa do perfil cromatográfico entre anteras contendo grãos de pólen e astilbina pura. Os resultados mostraram o mesmo perfil para os dois casos, indicando como composto principal presente na antera e nos grãos de pólen a astilbina e, portanto, um possível responsável pela mortalidade das abelhas no período de floração de D. mollis.

    Os resultados obtidos nesse trabalho divergem dos resultados obtidos por SANTOS e MESSAGE (1998). Estes pesquisadores adicionaram taninos (ácido tânico) na dieta alimentar das larvas e verificaram sintomas semelhantes aos dos apiários localizados nas regiões de cerrado e ao da Cria Ensacada Brasileira. Sugeriram então que, os sintomas de doenças apresentados pelas crias provocados pela presença de taninos encontrados na espécie S. polyphyllum (barbatimão verdadeiro). No caso da espécie D. mollis (falso-barbatimão), o tanino não é a principal substância encontrada, mas sim a astilbina.

    As informações obtidas nesse trabalho na avaliação dos extratos metanólicos de D. mollis em laboratório, mostraram que o pólen dessa planta pode ser um dos responsáveis pela mortalidade das abelhas no campo e pelo fenômeno conhecido como "mal de outono".

CONCLUSÃO E SUGESTÕES

    O flavonóide astilbina é a substância presente nas inflorescências e pedúnculos florais da espécie D. mollis (falso-barbatimão) e apresenta efeito tóxico em abelhas tratadas em condições de confinamento em laboratório.

    O resultado deste trabalho mostra que é possível que o pólen de D. mollis seja um dos responsáveis pela mortalidade das abelhas por ocasião do florescimento dessa espécie, fenômeno conhecido como "mal de outono".

    Diante desses resultados é possível fazer duas sugestões aos apicultores:

  1. Evitar a colocação de seus apiários em regiões onde estão presentes as espécies de barbatimão
  2. Fornecer pólen de outras espécies ou algum tipo de alimentação artificial para as abelhas durante o período de florescimento das espécies de barbatimão.
AGRADECIMENTOS



    À FAPESP pela concessão da bolsa de estudos (Mestrado).
 
 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS




  ALVES, M. M. B. M. et al.; Efeito do resíduo de extrato floral de Barbatimão, em soro fisiológico, na Longevidade de Apis mellifera. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE APICULTURA, 11., 1996. Anais... Teresina, 1996. p. 325.

    ALVES, M. M. B. M. V. et al. Efeito tóxico do barbatimão (extrato/nectário em água destilada) na longevidade de abelhas operárias Apis mellifera confinadas. In: ENCONTRO DE BIÓLOGOS DA 1º REGIÃO DO CONSELHO REGIONAL DE BIOLOGIA,9. Teresina,1998, Campo Grande. Resumos..., Campo Grande, MS, 1998.

    BETIOLI, J.V. Estudo da longevidade de operárias de Apis mellifera (Hym. Apidae) em condições de confinamento.1989, 74f. Dissertação (Mestrado em Zoologia)- Instituto de Biociências, UNESP, Rio Claro, 1989.

    BIGI, M. F. M. A. Efeito tóxico de extratos foliares e derivados químicos de Ricinus communis L. para operárias de Atta sexdens L. (Hymenoptera ; Formicidae). 1997. 134 f. Tese (Doutorado em Zoologia) – Instituto de Biociências, UNESP, Rio Claro, 1997.

    BUENO, O. C. et ,al. Plant toxicity of leaf cutting ants and their symbiotic fungus. In: JAFFE,R. K.; CEDENO A. (Ed.). Applied myrmecology: a world perspective. Oxford: Westview Press, 1990. p. 420-426.

    CARVALHO, A. C. P. et al. Pólen tóxico como causa da Cria Ensacada Brasileira. In: ENCONTRO SOBRE ABELHAS, 3., 1998. Ribeirão Preto. Anais... Ribeirão Preto,1998. p. 277.

    CARVALHO, A. C. P. Pólen de Stryphnodendron polyphillum como agente causador da cria ensacada brasileira em Apis mellifera L. 1998. 60 f. Dissertação (Mestrado em Entomologia), Universidade Federal de Viçosa, Viçosa, 1998.

    CINTRA P.; MALASPINA, O.; BUENO, O. C. Toxicidade de Stryphnodendron adstringens e Dimorphandra mollis (barbatimão) em operárias de Apis mellifera. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE APICULTURA, 4., 1998, Bahia. Anais... Bahia, 1998, p.183.

    CINTRA, P. Toxicidade de Stryphnodendron adstringens e Dimorphandra mollis em operárias de Apis mellifera. 1998. 35 f. Trabalho de Formatura (Monografia apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Ciências Biológicas)- Instituto de Biociências, UNESP, Rio Claro, 1998.

    DOBEREINER, J. et al. Experimental poisoning in cattle by pods of Dimorphandra gardneriana (Leguminosae, Caesalpinioideae). Pesquisa Veterinária Brasileira, v. 5, n. 2, p. 47-52, 1985.

    LORENZI, H. Árvores Brasileiras: manual de identificação e cultivo de plantas arbóreas nativas do Brasil. Nova Odessa: Plantarum, 352 p., 1992.

    MESSAGE, D. Management and disease problems of africanized bees in Brazil. The Central Association of Bee-Keepers, 15p.

    MESSAGE, D., BALL, B. V., SILVA, I. C. 1995. A serious brood disease affecting africanized honeybees (Apis mellifera). In: Apimondia Congress, 34, 1995, Lausane. Proceedings...Lausane: Apimondia. P.203

    MORINI, M. S. C. Toxicidade de extratos orgânicos da semente do gergelim (Sesamun indicum DC.) sobre operárias de Atta sexdens rubropilosa Forel, 1908 (Hymenoptera, Formicidae). 1995. 117 f. Tese (Doutorado em Zoologia)- Instituto de Biociências, UNESP, Rio Claro, 1995.

    SANTOS, M. L. A., MESSAGE. D. Taninos causando sintomas da Cria Ensacada Brasileira. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE APICULTURA, 12., 1998. Anais... Bahia, 1998, p. 251.

    SHARMA, O. P.; RAJ, D.; GARG, R. Toxicity of nectar of tea (Camellia thea) to honeybees. Journal of Apicultural Research v. 25, n. 2, p. 106-8, 1986.

    VANDENBERG, J. D.; SHIMANUKI, H. Technique for rearing worker honeybees in the laboratory. Journal of Apicutltural Research, Cardiff, v. 26., n. 2, p. 90-7, 1987.

    ZWÖFLER, H. Patterns and driving forcae in the evolution of plant-insect systems. In: INTERNATIONAL SYMPOSIUM OF PLANT- INSECT RELATIONSHIPS, 5., 1982. Wageringen, The Netherlands, 1982, p. 287-96.


 
 

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