Artigo

RESUMO:
MONO- E OLIGOSSACARÍDEOS NO MEL

AUTORES:
CARLOS ALBERTO BASTOS DE MARIA
UNIVERSIDADE DO RIO DE JANEIRO (UNIRIO), INSTITUTO BIOMÉDICO, DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS FISIOLÓGICAS, RUA FREI CANECA 94, QUARTO ANDAR, CEP 20211-040 RIO DE JANEIRO - RJ - BRASIL
RICARDO FELIPE ALVES MOREIRA
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO (UFRJ), INSTITUTO DE QUÍMICA, DEPARTAMENTO DE BIOQUÍMICA

    O mel é uma solução concentrada de açúcares preparado pelas abelhas, principalmente, do néctar de flores ou secreção de afídios (mel de melato). Os açúcares representam cerca de 65-85 % dos sólidos totais; a frutose + a glicose correspondem a no mínimo 90 % da fração glicídica. O conteúdo de mono- (glicose, frutose) e oligossacarídeos (sacarose, maltose, etc.) de méis brasileiros foi estudado extensamente por Costa et al. (1999), Da Costa Leite et al. (2000) e Moreira & De Maria (manuscrito submetido). Os méis de diferentes tipos florais, produzidos pelas abelhas Apis Mellifera, foram oriundos de 14 estados brasileiros distribuidos em 4 regiões (centro-oeste, nordeste, sudeste, sul). Cerca de 74 amostras foram obtidas de apicultores profissionais, Associações e Cooperativas. Foi empregada a cromatografia líquida de alta eficiência, com detector de índice de refração, coluna de fase amino e fase móvel acetonitrila/água (85/15). O conteúdo de frutose e glicose ficou no limite de 22,8-47,2 % e 24,0-38,7 %, respectivamente, sendo similar a resultados obtidos em outros países (Doner, 1977; Perez-Arquillué et al., 1994). Os méis de eucalipto do estado de São Paulo tiveram um valor médio para frutose (44,2 %) consideravelmente maior do que àqueles de outros estados brasileiros (40,2-41,3 %) e do que os produzidos na Espanha (37,0-39,2 %) (Mateo & Bosch-Reig, 1997). Consequentemente, os méis de eucalipto do estado de São Paulo poderiam ser caracterizados com base no teor de frutose. Duas amostras do estado da Paraíba, que foram coletadas em 1996, apresentaram uma razão frutose/glicose (fru/gli) abaixo de 1. Segundo Auerbach & Bodlander (1976), a grande maioria dos méis apresentam uma razão fru/gli acima de 1 e, portanto, aqueles que apresentassem uma razão igual ou abaixo de 1 deveriam ser classificados como méis adulterados. Entretanto, as leveduras osmofílicas podem crescer no mel utilizando principalmente a frutose como fonte de carbono. Desde que o clima da região nordeste é propício ao crescimento desses microrganismos, a baixa relação fru/gli encontrada em alguns méis da Paraíba poderia estar relacionada a ação de leveduras osmofílicas. Por outro lado, o pH ácido poderia favorecer a formação de açúcares mais complexos a partir da frutose (Doner, 1977). Desse modo, a frutose seria consumida pela levedura que produziria compostos ácidos os quais diminuiriam o pH reduzindo ainda mais o teor de frutose. Portanto, a razão fru/gli igual ou abaixo de 1 poderia ser originária: 1- adulteração por açúcar comercial caramelizado, 2- ação de leveduras osmofílicas, 3- reação de reversão através de catálise ácida. A soma de glicose + frutose mostrou que 97 % dos méis estavam dentro do limite (>60 g/100 g de mel) proposto para "Europe Union" e "Codex Alimentarius Standards" (Bogdanov et al., 1997).

    Embora os oligossacarídeos sejam a fração minoritária dos açúcares no mel, o perfil desses compostos é extremamente complexo, com mais de 20 compostos sendo descritos. Foram quantificados 6 dissacarídeos e 4 trissacarídeos em 70 méis de diferentes estados brasileiros. A maltose (média = 3,05g %) foi o dissacarídeo majoritário com valores similares aos dos méis da Espanha (média = 3,96g %) (Mateo and Bosch-Reig, 1997) e aos dos méis da Hungria (média = 3,36g %) (Földházi, 1994), porém, com valores superiores aos dos méis do Canadá (média = 1,07g %) (Siddiqui and Furgala, 1967) e aos dos méis do EUA (média = 1,01g %) (Swallow and Low, 1990). Nós achamos valores médios de 0,78-2,03g % e 1,11-2,81g % para turanose e nigerose, respectivamente. Os valores médios de melibiose ficaram no limite de 0,05-0,15g % bem inferiores aos dos outros dissacarídeos. A distribuição de sacarose e isomaltose foi ampla, alcançando valores médios de 0,07-0,77g % e 0,18-0,71g %, respectivamente. O motivo para os níveis variáveis de sacarose poderia ser devido a reação de trans-D-glicosilação o qual é iniciada pela transferência da unidade a -D-glicopiranosil da sacarose para uma molécula receptora que pode ser um mono-, oligo- ou polissacarídeo. A formação de oligossacarídeos no mel seria, principalmente, devido as reações de trans-D-glicosilação. O conteúdo de sacarose dos méis brasileiros ficou dentro dos limites impostos pelo "European Codex Honey Standards" (£ 5g/100g para méis em geral; até 10g/100g para mel de laranjeira) e pela Legislação Brasileira (£ 10g/100g). Os valores médios de maltotriose alcançaram de 0,24-1,03g % os quais foram mais elevados do que os valores encontrados em outros países (0,02-0,23g %) (Swallow and Low, 1990; Földházi, 1994). Em geral, os méis brasileiros apresentaram pequenas quantidades de panose (0,03-0,08g %). Esses resultados foram similares aos encontrados em méis canadenses (traços-0,09g %) (Low and Sporns, 1988; Swallow and Low, 1990). A melezitose ficou no limite de 0,21-0,37g % o qual foi mais alto do que os valores médios noticiados em outros países (0,03-0,06g % (Földházi, 1994; Mateo and Bosch-Reig, 1997; Swallow and Low, 1990; Zürcher et al., 1975). Para rafinose, Da Costa Leite et al. (2000) achou valores médios de 0,10-0,25g % que foram similares aos dos méis de origem espanhola (0,16-0,34g %) (Mateo and Bosch-Reig, 1997).

    A partir da identificação de glicídeos em méis brasileiros, foi sugerido que o perfil de oligossacarídeos poderia ser útil na identificação da região brasileira produtora de mel. Entre as regiões brasileiras estudadas, o conteúdo médio de maltose na região sudeste foi significativamente menor (p< 0,05, Teste de Tukey) do que aquele das regiões sul, centro-oeste e nordeste. Os méis de eucalipto apresentaram valores médios de maltose significativamente menores do que aqueles da região sul. As amostras de mel da região nordeste mostraram valores médios de turanose e maltotriose significativamente menores do que os encontrados para as regiões sul, sudeste e centro-oeste. Consequentemente, o conteúdo de maltose, turanose e maltotriose poderia ser útil na identificação da região produtora de mel. Com respeito aos estados brasileiros, os méis do estado de São Paulo mostraram um conteúdo de melibiose significativamente menor do que o obtido a partir dos estados do Rio de Janeiro e Minas Gerais (Da Costa Leite et al., 2000). Com base nos teores de maltose e nigerose, os méis do estado de Mato Grosso poderiam ser distinguidos daqueles oriundos dos estados do Mato Grosso do Sul e Goiás. O valor de maltotriose foi significativamente maior no estado do Paraná quando comparado ao estado do Rio Grande do Sul. As amostras de mel do estado do Piauí mostraram valores médios de rafinose e maltotriose significativamente maiores do que os obtidos no estado da Paraíba. Portanto, o conteúdo de melibiose, maltose, nigerose, maltotriose e rafinose poderia auxiliar na identificação do estado brasileiro produtor de mel. Este tipo de caracterização seria útil para os consumidores que gostariam de consumir méis de regiões com legislações mais rigorosas em relação a utilização de agrotóxicos bem como em relação ao cultivo de plantas transgênicas.

FINANCIAMENTO: FAPERJ e CNPq

BIBLIOGRAFIA

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Da Costa Leite, J.M.; Trugo, L.C.; Costa, L.S.M.; Quinteiro, L.M.C.; Barth, O. M.; Dutra, V.M.L.; De Maria, C.A.B.; Determination of oligosaccharides in Brazilian honeys of different botanical origin. Food Chem. 2000, 70, 93-98.

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Zürcher, K.; Hadorn, H.; Strack, C.H.; Untersuchungen and handelshonigen mit spezieller berücksichtigung des zuckerspektrums. Apidologie 1975, 6, 59-90.


 
 


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