Artigo
 
 

DETERMINAÇÃO DAS ATIVIDADES CITOTÓXICAS E ANTI-HIV DOS EXTRATOS ETANÓLICOS DE PRÓPOLIS COLETADAS EM DIFERENTES REGIÕES DO BRASIL

Yong Kun Park1, Masaharu Ikegaki1, Severino Matias de Alencar1, Hui-Kang Wang2, Kenneth Bastow2, Mark Cosentino3 e Kuo-Hsiung Lee2.

  1. Faculdade de Engenharia de Alimentos, Universidade Estadual de Campinas ( UNICAMP), Campinas, SP, Brasil;
  2. Laboratório de Produtos Naturais, Escola de Farmácia, Universidade da Carolina do Norte, Chapel Hill, Carolina do Norte, EUA;
  3. Biotech Research Laboratories, 3 Taft Court, Rockville, Maryland, EUA.


RESUMO

Foram coletadas 400 amostras de própolis de Apis mellifera em todo o território brasileiro e classificadas dentro de 12 grupos distintos através dos perfis em cromatografia em camada delgada de alta performance e o espectro de absorção na região do ultravioleta. Verificou-se que as amostras classificadas como grupo 6 e 7 apresentaram alta atividade cototóxica contra diferentes células tumorais malignas e as amostras dos grupos 1 e 5 demonstraram atividades anti-HIV.
 
 

INTRODUÇÃO

A própolis é uma resina de coloração e consistência variada coletada por abelhas da espécie Apis mellifera de diversas partes das plantas como brotos florais e exsudatos resonosos (1). Dentre os produtos apícolas tais como o mel, geleia real, pólen, entre outros, a própolis vem se destacando tento pela suas propriedades terapêuticas, como atividade antimicrobiana, antiinflamatória, imunomodulatório, hipotensivo, cicatrizante, anestésica e anticariogênica (2,3,4,5). Os efeitos terapêuticos têm sido atribuídos aos diversos compostos fenólicos que compõe a própolis. Destes, os flavonóides podem ser considerados como um dos principais compostos, encontrando-se ainda, diversos ácidos fenólicos e seus ésteres, aldeídos fenólicos, alcoois e acetonas (6). Fatores como a diversidade vegetal da região onde a própolis foi coletada e até mesmo a variabilidade genética das rainhas, também influenciam na composição química da própolis ( 7,8).

METODOLOGIA

Os extratos etanólicos de própolis (EEP) foram preparados como descrito por PARK & IKEGAKI (5). Após a extração, a mistura foi centrifugada e o sobrenadante utlizado para a realização dos diferentes estudos.
    Entre as análises realizadas para a classificação dos diferentes tipos de própolis, uma das mais importantes é a cromatografia em camada delgada de alta performance na qual, após o desenvolvimento em sistema de solvente adequado, é possível observar os diferentes perfis da composição química da própolis e, dessa forma, classificá-la em diferentes grupos. Além dessa técnica, foi também utilizada a metodologia onde se determinou o espectro de absorção em luz ultravioleta, na qual, cada tipo de própolis apresenta uma curva de absorção característica nessa faixa de comprimento de onda.
    Utilizando os extratos selecionados, foram realizados dois testes para determinar a existência de atividade citotóxica (anticancerígena) e anti-HIV (contra o virus da AIDS), para isso, um grupo de pesquisadores foi formado sendo os estudos anticancer realizados pelo Dr. Bastow da Universidade da Carolina do Norte e o estudo anti-HIV realizado pelo Dr. Consentino da Biotech Research Laboratories, ambos dos Estados Unidos.
    Na determinação da atividade citotóxica da própolis, diferentes células cancerosas humanas cultivadas em laboratório foram colocadas em contato com os extratos etanólicos de própolis. Após incubação por determinado intervalo de tempo, verificou-se o número de células cancerosas ainda viáveis sempre comparado com um controle onde não foi colocado o extrato de própolis e também, um outro controle, no qual foi adicionado uma droga conhecida como Etoposide VP - 16, droga essa utilizada para combate ao câncer. Esse padrão positivo foi utilizado para comparar a atividade da própolis quanto ao seu poder citotóxico com uma droga comercial (9).
    No caso do teste anti-HIV, foram testadas o efeito da inibição da replicação do HIV em células de linfócitos H9 e comparadas quanto a sua atividade com uma droga comercial conhecida, o AZT (10).
 
 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

    Das 400 amostras coletadas, foi possível agrupá-las em 12 grupos distintos. Entre elas, cinco foram originários da região sul do Brasil. Outras seis amostras da região nordeste e uma da região sudeste. Cada uma das amostras apresentou perfis distintos no teste de cromatografia de camada delgada e absorbância na luz ultravioleta.
    Após a seleção das amostras, as mesmas foram testadas quanto a sua atividade citotóxica e anti-HIV sendo os resultados obtidos apresentados nas tabelas 1 e 2. Como pode ser observado na Tabela 1, os extratos etanólicos de própolis inibiram o crescimento das células cancerosas com uma porcentagem de inibição que variou de 14 a 97%. Embora a droga anticancerígena Etoposide VP-16, que foi testada contra as mesmas células cancerosas uma concentração dez vezes menor (2 µg/mL), os extratos de própolis apresentaram um espectro de ação diferente quando comparado a droga padrão sugerindo que existam compostos na própolis que atuam de uma forma ainda desconhecida, o que torna necessário o estudo do fracionamento, isolamento e identificação das substâncias biologicamente ativas presentes na própolis. As amostras de maior interesse foram as dos grupos 1, 2, 6 e 7 que apresentaram alta atividade sobre as células KB (carcinoma nasofaringeal) apresentando mais de 50% de inibição do crescimento celular na maioria dos casos. As amostras do grupo 6 e 7 também apresentaram alta atividade sobre as adenocarcinomas ileocecal (HCT-8), carcinoma renal (CAKI-1) e adenocarcinoma de mama (MCF-7). O interessante desses resultados é que os perfis de cromatografia em camada delgada de alta performance, a localidade geográfica e o tipo de vegetação desses grupos são totalmente distintos.
 
 

Tabela 1 - Atividade citotóxica dos extratos etanólicos de própolis contra células cancerosas humanas.

Células cancerígenas/% de inibição utilizando 20ug/mL de própolis
Grupos Carcinoma nasofaringeal (KB) Adenocarcinoma ileocecal (HCT-8) Carcinoma renal (CAKI-1) Adenocarcinoma de mama (MCF- 7)
1 68 19 15 NT
1 50 48 09 37
1 53 45 12 31
1 50 47 13 33
1 14 39 08 18
2 75 32 16 NT
2 34 09 NA NT
6 88 79 72 77
6 85 77 74 80
7 97 95 94 96
8 43 31 12 43
10 37 22 12 31
Etoposide VP- 16 90 16 25 41

NA: sem atividade
NT: não testado
Etoposide VP-16: Droga antitumoral atividade a 2µg/mL.

     Quanto à atividade anti-HIV, algumas das amostras selecionadas apresentaram essa propriedade biológica e o resultado pode ser observado na Tabela 2. Entre os extratos de própolis testados, os grupos 1 e 5 mostraram atividade contra o vírus com valores de EC50 de 1,23; 2,83 e 2,53 mg/mL e Índice Terapêutico de 4,83; 6,32 e 7,42, respectivamente. Através destes resultados foi possível concluir que a atividade anti-HIV da própolis do grupo 1 é ligeiramente maior que a do grupo 5. Esse é o primeiro trabalho realizado onde demonstra que a própolis possui atividade seletiva contra o vírus HIV. Dessa forma, estudos de fracionamento e identificação estão sendo realizados atualmente.
 

Tabela 2 - Atividade anti-HIV  dos extratos etanólicos de própolis.
Grupos IC50 (µ/mL) EC50 (µ/mL) Índice terapêutico (IT)
1 5,95 1,23 4,83
5 17,9 2,83 6,32
5 17,8 2,53 7,42

IC50 - Concentração de amostra que apresentou toxidade 50% das células H9 infectadas com o vírus HIV.
EC50 - Concentração de amostra teste que é capaz de suprimir em 50% a replicação de vírus HIV.
IT - a relação entre IC50/EC50

     É muito importante deixar claro que toda a pesquisa realizada até o presente momento quanto à determinação das atividades anticancerígena e anti-HIV foram testes laboratoriais in vitro, ou seja, sem a experimentação em cobaias ou qualquer outro animal. Para chegar a esse estágio é necessária uma pesquisa muito mais aprofundada e grandes investimentos que ainda não condizem com a nossa realidade.
    Além de determinar a atividade citotóxica e anti-HIV, foi realizado um estudo para verificar a origem vegetal das própolis selecionadas. Nesse caso, amostras de plantas freqüentemente visitadas pelas abelhas, de acordo com a observação dos apicultores, foram coletadas e trazidas para o laboratório. A partir desse material, foram preparados extratos vegetais e testados quanto à sua atividade biológica e composição química. Os resultados obtidos foram muito animadores uma vez que, entre as diversas amostras coletadas, quatro plantas apresentaram composição química bastante similar à própolis produzida e, pelo menos duas delas, apresentaram as mesmas propriedades biológicas encontradas na própolis produzida a partir dessas fontes.
     Todos esses estudos estão sendo realizados no Laboratório de Bioquímica de Alimentos da Faculdade de Engenharia de Alimentos da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), sob a Coordenação do Prof. Dr. Yong K. Park que tem se dedicado ao estudo da própolis nos últimos anos tendo reconhecimento internacional, colaborando e recebendo a colaboração dos mais renomados pesquisadores da área de todo mundo. Os trabalhos de pesquisa não param e mesmo com o parco investimento, o Brasil está colocado entre os países mais desenvolvidos na pesquisa com própolis, graças ao empenho e a dedicação de todos os pesquisadores brasileiros e muitos apicultores conscientes da necessidade de pesquisar os nossos produtos.

Referências Bibliográficas

1- GREENWAY, W.; SCAYSBROOK, T.; WHATLEY, F.R. The composition and plant origins of propolis: a report of work at Oxford. Bee World, v.71, p.107-118, 1990.
2- GHISALBERTI, E.L. Propolis; A review. Bee World, v.60, p.59-84, 1979.
3- BANKOVA, V.; POPOV, S. MAREKOV, N.L. Isopentenyl cinnamates from poplar buds and propolis. Phytochemistry, v.28, p.871-873, 1989.
4- PARK, Y.K; KOO, M.H.; IKEGAKI, M.; CURY, J.A; ROSALEN, P.L.; ABREU, J.A.S. Antimicrobial activity of propolis on oral microorganisms. Cur. Microbiol., v.34, p.24-28, 1998.
5- PARK, Y.K. & IKEGAKI, M. Preparation of water and ethanolic extracts of propolis and evaluation of the preparation. Biosci. Biotechnol. Biochem., 62(11), 2230-2232, 1998.
6- BANKOVA, V.; CHRISTOV, R.; STOEV, G.; POPOV, J. Determination of fenolic from propolis by capillary gas chromatography. J. Chromatogr., v.607, p.150-153, 1992.
7- PARK, Y.K; KOO, M.H.; IKEGAKI, M.; CONTADO, J.L. Comparison of the flavonoid aglycone contents of Apis mellifera propolis from various regions of Brazil. Arq. Biol. Tecnol., v.40, p.97-106, 1997.
8- KOO, M.H.; PARK, Y.K. Investigation of flavonoid aglycones in propolis collected by two different varieties of bees in the same region. Biosci. Biotech. Biochem., v.61, p.367-369, 1997.
9- RUBINSTEIN, L. V.; SHOEMAKER, R. H.; PAUL, K. D.; SIMON, R. M.; TOSINI, S.; SHEKAN, P.; SCUDIERO, D. A. MONKS, A.; BOYD, M. R. Comparison of in vitro anticancer-drug-screening data generated with a tetrazolium assay versus a protein assay against a diverse panel of human tumor-cell lines. J. Natl. Cancer Inst., 82, 1113-1118, 1990.
10 -CHEN, D.F.; ZHANG, S. X.; CHEN, K.; ZHOU, B. N.; WANG, P.; COSENTINO, M.; & LEE, K. H. Two new lignans, interiotherins A and B, as anti-HIV principles from Kadsura interior. J. Nat. Prod., 59, 1066-1068, 1996.
 


 

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