Artigo
 

DISPERSÃO INTERNACIONAL DA BACTÉRIA Paenibacillus larvae,

CAUSADORA DA DOENÇA DE ABELHAS CRIA PÚTRIDA AMERICANA

ATRAVÉS DA COMERCIALIZAÇÃO DE MEL

 
 
Prof. Dr. Dejair Message 
Departamento de Biologia Animal 
Universidade Federal de Viçosa 
36.571-000 Viçosa, MG 
Prof. Dr. David De Jong 
Departamento de Genética 
Fac. de Medicina, USP 
14.049-900 Ribeirão Preto, SP
 
 

    A doença das abelhas, Cria Pútrida Americana, causada pela bactéria Paenibacillus larvae (anteriormente denominada de Bacillus larvae), é um dos problemas mais sérios para a apicultura mundial. Existe na maior parte do mundo, causando graves danos às colmeias. Na Europa, EUA e Austrália os respectivos governos gastam milhões de dólares ao ano para fiscalizar e controlar esta doença, sem contar as perdas diretas com colmeias improdutivas, a necessidade de queimar colmeias, medicamentos, mão de obra para efetivar tratamentos e perdas devido a contaminação dos produtos apícolas com antibióticos.

    As bactérias do grupo de Bacillus e Paenibacillus são formadoras de esporos, os quais são altamente resistentes a agentes químicos e físicos. Assim sendo os favos, o equipamento apícola e os produtos das colmeias, incluindo o mel de colmeias afetadas pela Cria Pútrida Americana, são contaminados com estes esporos. Eles resistem a temperaturas de 100oC, por períodos superiores a 15 minutos. Desta forma, efetivamente o mel não pode ser descontaminado, pois, nestas condições ele seria destruído.

    O mel tornou-se, portanto, a principal via de dispersão desta doença. Existem várias pesquisas publicadas, demonstrando que mel comercializado internacionalmente contém esporos vivos desta bactéria, constituindo um risco de contaminação importante. No Brasil já foi publicada uma tese de mestrado na Universidade Federal de Viçosa, sobre a nossa orientação (Message), que encontrou esporos desta bactéria em mel importado da Argentina e da Espanha. Enquanto que, em cerca de 400 amostras analisadas provenientes de apiários do Brasil, não havia indícios desta bactéria. Um estudo similar feito primeiramente no Estado de Rio Grande do Sul pelo Prof. Aroni Sattler e um outro sob sua orientação feito no Estado do Paraná, também concluíram que o mel, daquelas regiões, estava livre desta bactéria. Da mesma forma, um trabalho feito recentemente pelo Ministério da Agricultura do Brasil (1998), verificou que amostras de várias partes do Brasil, também estavam livres dos esporos desta bactéria. Vários trabalhos publicados por Hansen, um pesquisador Dinamarquês, tem demonstrado que esta técnica de análise de esporos de P. larvae no mel é a melhor forma de se detectar a presença da doença em uma determinada região, pois, ela é capaz de detectar os esporos antes mesmo de aparecerem os primeiros sintomas.

    Um de nós (De Jong), trabalhou para o Estado de Nova Iorque (USA) de 1970 até 1978 como inspetor de colmeias, unicamente para controlar a Cria Pútrida Americana. Durante este tempo, como autoridade da Secretária de Agricultura daquele Estado, foram queimadas milhares de colmeias para evitar uma maior dispersão da doença. Durante este tempo, constatou-se que uma das maiores fontes de contaminação, ocorria através dos entrepostos de mel, que recebiam mel em barris de várias partes do país e do mundo. As abelhas inevitavelmente conseguiam ter acesso ao mel, mesmo com todo o cuidado possível para evitar o contato. Pode-se, também, constatar que as colmeias nas imediações dos entrepostos eram importantes fontes de novos surtos da doença. Este Estado americano tinha mais de 20 inspetores para manter este serviço. Na mesma época, o Estado da Califórnia (USA) gastava mais de um milhão de dólares ao ano unicamente para controlar esta doença. Todos os estados dos EUA e todos os países da Europa tem programas de controle da Cria Pútrida Americana, tendo em vista o prejuízo que normalmente ela causa à apicultura.

    Em 1975, o Ministério da Agricultura das Bermudas contatou com a Universidade de Cornell nos EUA para se informar sobre uma "nova" doença de abelhas que estava matando colmeias. Um de nós (De Jong) foi indicado para atender o pedido. O resultado imediato foi a destruição em torno de 8% das colmeias da região. No caso das Bermudas, a apicultura já existia há mais de 300 anos, sem problemas maiores com doenças. Neste trabalho foi constatado que a entrada da doença tinha ocorrido em função da liberação de importação de mel fracionado para atender os hotéis de luxo das ilhas. Da mesma forma como ocorre em entrepostos, as abelhas sempre acabam encontrando restos de mel nas embalagens e inevitavelmente acabam coletando este mel, o qual estando contaminado, inicia o processo de contaminação da colmeia. Trabalhando (De Jong) em outros países como consultor da FAO (Organismo Internacional para a Alimentação e Agricultura das Nações Unidas) e consultor avulso para controle desta doença, também tem observado problemas semelhantes de dispersão na Argentina, Coréia do Sul, México e El Salvador.

    O Brasil é um dos poucos países entre os grandes produtores de mel que ainda está livre da Cria Pútrida Americana. Isto permite a produção de mel de alta qualidade devido a falta de contaminação com antibióticos, que normalmente são usados pelos apicultores em países aonde esta doença já ocorre. Esta qualidade é reconhecida na Europa e existem empresas estrangeiras que procuram o mel de algumas regiões do Brasil, que eles classificam como orgânico e, portanto, com um preço maior do que o mel comercializado normalmente. Caso a doença entre no país, os apicultores vão certamente tentar controlá-la com antibióticos, possibilitando desta forma a perda deste mercado de exportação emergente e bastante promissor, principalmente, no momento que o País mais necessita de divisas. Além disso, a perda de abelhas, caso esta doença entre e se estabeleça no País, prejudicara, indiretamente a produção de grãos e frutos de consumo nacional e de exportação, pela redução do principal polinizador que é a abelha Apis mellifera.

    A Cria Pútrida Americana foi encontrada na Argentina pela primeira vez em 1989. No inicio de 1990, um de nós (De Jong) foi àquele país a pedido do seu governo para confirmar o diagnóstico e para treinar os técnicos no controle e identificação da mesma. Em 1994 ele retornou para um WorkShop, junto com Martha Gilliam da USDA, EUA, e Murray Reid da Nova Zelândia, aonde foi discutido um programa de controle nacional. Neste intervalo de tempo (4 anos) os apicultores argentinos perderam dezenas de milhares de colmeias devido a Cria Pútrida Americana. Foram encontrados apicultores que eram donos de duas mil colmeias, metade das quais já estavam totalmente perdidas e a outra metade bastante debilitadas e morrendo. Esta era uma situação muito alarmante e muito mais séria em comparação com outros países aonde a doença já existia há muitos anos. Pelo que se pode apurar, a razão para esta rápida dispersão foi que esta era uma doença nova para o país e porque os argentinos sempre controlavam preventivamente uma outra doença bacteriana (Cria Pútrida Européia) com antibióticos. Eles mantiveram esta política com a nova doença, em vez de tentar limitá-la e acabaram facilitando a dispersão da Cria Pútrida Americana da Província de Buenos Aires para praticamente todo o país.

    O custo anual estimado para a apicultura brasileira caso ocorra a entrada da Cria Pútrida Americana no pais, seria a perda de 50.000 a 100.000 colmeias, uma redução de produção de mel de em torno de 5.000 toneladas e custos adicionais de produção de cinco a dez porcento. Em reais, isto representa em torno de R$25.000.000 anuais! Estes custos supõem que a doença já esteja estabelecida. No inicio (durante os primeiro cinco a dez anos) as perdas seriam muito maiores. Estas estimativas não levam em conta a perda de valor do mel devido a contaminação com antibióticos, a desistência de apicultores que perderam suas colmeias, programas do governo que seriam necessários para auxiliar os apicultores, e as perdas devido a falta de abelhas para polinização (que potencialmente envolve cifras muito maiores).

    CONCLUINDO, somos totalmente contrários à liberação de controle da presença de esporos de Paenibacillus larvae, em méis a granel ou fracionado, pelos motivos acima expostos. Mel a granel é particularmente perigoso, pois qualquer local de processamento/envazamento de mel seria um importante e permanente fonte de contaminação, devido a exposição de meis de muitas regiões e muitos apicultores. Posteriormente este mesmo mel continua sendo um risco, quer seja em pote ou em outros produtos que vier a ser adicionado. Logo, ambas as formas (a granel e fracionado) podem ser consideradas como altamente preocupantes quanto à possibilidade de permitirem a entrada da doença no País. Depois que a doença inicia em nossa região, nunca mais seremos livre (experiência pessoal do De Jong como consultor da FAO). Portanto, achamos totalmente IMPRUDENTE E IRRESPONSÁVEL, se tal procedimento for permitido, uma vez que a apicultura é uma atividade muito importante no âmbito rural quer seja pelo valor dos produtos apícolas quanto pelo valor indiretamente obtido com a atividade de polinização exercida pelas abelhas, que em países desenvolvidos é estimada em mais de 50 vezes o valor do mel.

 
 

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