Pesquisa
 

ANDAMENTO DAS PESQUISAS SOBRE PRÓPOLIS NA UNICAMP

Pesquisa sobre própolis da Odonto-Unicamp recebe prêmio na França
Yong K. Park & Masaharu Ikegaki - FEA - UNICAMP
Michel H. Koo, Jaime A. Cury & Pedro L. Rosalen - FOP - UNICAMP
 
 

 Nas últimas décadas tem se observado um interesse cada vez maior sobre os produtos obtidos de abelhas da espécie Apis mellifera, como mel, geléia real, pólen e própolis, onde tem encontrado grande aceitação, principalmente pelas suas propriedades terapêuticas, originando assim um novo ramo na medicina alternativa denominado Apiterapia. Dentre os diversos produtos apícolas, a própolis tem encontrado grande destaque.

    A própolis é uma substância resinosa, que possui coloração e consistência diversa, variando de coloração marron até verde escuro, de consistência viscosa à dura. A própolis é coletada pelas abelhas Apis mellifera de diversas partes de planta como broto, botões florais e também dos exsudatos resinosos, sendo transportados para dentro da colméia e modificados pelas abelhas através da adição de secreções próprias.

     A palavra própolis vem do grego em que pró significa em frente de, em defesa de, e polis cidade, assim em defesa da cidade (no caso colméia). Então as abelhas utilizam a própolis na entrada das colméias, fechando frestas, para redução de entrada do vento, frio e principalmente dos inimigos naturais, além de ser utilizado para embalsamar pequenos animais mortos pelas abelhas, que não puderam ser retirados, evitando assim a putrefação. A propólis também é utilizada como material de construção no interior da colméia, soldando favos, quadros e envernizando o interior dos alvéolos para que a rainha faça postura.

    A própolis vem se destacando devido as suas inúmeras propriedades terapêuticas, como antimicrobiana, anti-inflamatória, imunoestimulatória, hipotensivo e antitumoral, relatados por diversos trabalhos científicos realizados no mundo inteiro, bem como pelas grandes pespectivas da sua aplicação nas indústrias farmacêutica, cosmética e alimentar.

    As propriedades terapêuticas da própolis tem incentivado os pesquisadores para analisarem a sua composição química e a possível relação com as suas atividades biológicas. Assim, tem sido demonstrado que os principais componentes da própolis com propriedades biológicas pertencem ao grupo dos compostos fenólicos, dentre elas os flavonóides (que tem merecido destaque especial). A presença destes diversos compostos fenólicos, principalmente os flavonóides, explicam, em parte, a grande variedade das propriedades terapêuticas relatadas por diversos pesquisadores, principalmente nas últimas 3 décadas. Paralelamente, também tem sido observado que a composição da própolis é variável qualitativamente e quantitativamente dependendo da ecoflora de cada região onde a própolis é coletada.

    Por esta razão, pesquisadores do Laboratório de Bioquímica de Alimentos da Faculdade de Engenharia de Alimentos (FEA) e da Faculdade de Odontologia de Piracicaba (FOP) da UNICAMP, desenvolveram uma série de experimentos para estudar a composição de flavonóides da própolis coletada em diversas regiões do Brasil e a sua atividade biológica contra os microrganismos bucais patogênicos.

 Devido a complexidade e variedade da composição e propriedades terapêuticas da própolis as pesquisas se intensificaram nos últimos anos e a própolis brasileira tem sido reconhecida mundialmente pela excelência da sua qualidade (Kenko Sankyo Shinbum, no 773, 5/8/93), porém poucos estudos tem sido realizados no Brasil. Assim, os pesquisadores do Laboratório de Bioquímica de Alimentos da FEA, coordenados pelo prof. Dr. Yong K. Park, iniciaram os estudos com objetivo de avaliar as amostras da própolis de abelhas Apis mellifera provenientes de diversas regiões do Brasil, quanto à composição qualitativa e quantitativa de flavonóides, um dos compostos mais importantes quimicamente e biologicamente, da própolis. Os resultados desta pesquisa foram apresentados com boa repercussão na XXXIV Congresso Mundial de Apicultura (APIMONDIA), 1995, em Lausanne, Suíça, sendo posteriormente publicado (Yong K. Park, Michel H. Koo, Masaharu Ikegaki e José L. Contado, Arq. Biol. Tecnol. 40 (1): p.97, 1997). Neste trabalho foi demonstrado que houve uma variação muito grande tanto quantitativo como qualitativo dos flavonóides das amostras de própolis analisadas (na forma de extrato etanólico). Devemos lembrar que existem vários tipos diferentes de flavonóides na natureza, sendo que muitas delas apresentam atividade biológica, como por exemplo propriedades antimicrobianas. Em geral, as amostras da região Sudeste e Sul apresentaram os maiores teores de flavonóides. Em acréscimo, houve uma nítida diferença qualitativa e quantitativa dos diferentes tipos de flavonóides entre as amostras da região Sudeste (Minas Gerais e São Paulo) e Sul (Rio Grande do Sul). Isto se deve provavelmente a diferença da ecologia vegetal destas duas regiões. Como já sabemos, existem diversos tipos de flavonóides que possuem atividades farmacológicas diferentes, isto significa que esta variabilidade tanto quali como quantitativa dos flavonóides pode também implicar com relação as propriedades biológicas da própolis dependendo da região de coleta. Porém devemos salientar que existem ainda outros compostos fenólicos que possuem excelentes propriedades terapêuticas, como os ácidos e ésteres fenólicos, que não foram analisadas neste estudo.

    Posteriormente, um outro estudo realizado pelo mesmo grupo de pesquisadores, sugeriu a possibilidade desta variabilidade da composição de flavonóides ser devida não apenas a diferença da ecologia vegetal da região de coleta da própolis, mas também pela variedade das abelhas em termos de grau de africanização. Resultados desta pesquisa demonstraram que a composição de flavonóides da própolis coletada numa mesma região, mas por variedades diferentes de abelha, apresentaram variabilidade tanto qualitativa como quantitativa. Porém, estudos mais aprofundados à nivel de genética das abelhas devem ser realizados para uma conclusão definitiva. Este trabalho foi posteriormente publicado em revista especializada no Japão (Michel H. Koo & Yong K. Park, Biosci. Biotech. Biochem. 61(2), p.367, 1997).

    Dando continuidade as pesquisas, começou-se um trabalho piloto onde foram testados alguns microrganismos patogênicos, dentre elas o Staphylococcus aureus, e foi demostrado que as amostras de própolis com altos teores de flavonóides demostraram inibição de crescimento destas bactérias. Porém, a atividade antibacteriana não foi igual entre as amostras testadas, onde as amostras da região Sul, em particular Rio Grande do Sul, apresentou maior inibição de crescimento do Staphylococcus aureus. Provavelmente, devido as diferenças qualitativas e quantitativas dos flavonóides das amostras de própolis, as propriedades antibacterianas também foram diferentes.

    Assim, os resultados destas pesquisas demonstraram que existe uma grande variabilidade na composição dos flavonóides dos extratos etanólicos das amostras de própolis de diversas regiões do Brasil e conseqüentemente as suas propriedades biológicas, no caso atividade antimicrobiana. De modo geral as amostras da região Sudeste e da região Sul (principalmente Minas Gerais e Rio Grande do Sul, respectivamente), demonstraram maiores teores flavonóides, bem com da atividade antibacteriana. Deste modo, em conjunto com os pesquisadores da Faculdade de Odontologia de Piracicaba-UNICAMP, as amostras de própolis foram testadas contra microrganismos patogênicos bucais, como Streptococcus mutans e Actinomyces sp. As amostras da região Sudeste, bem como da região Sul (com altos teores de flavonóides) demonstraram atividade contra estes microrganismos, porém novamente a amostra da região Sul (no caso, do Rio Grande do Sul) apresentou maior inibição de crescimento destes patógenos. Em acréscimo, as amostras de própolis foram testadas contra a glicosiltransferase, enzima que é a responsável pela formação da placa dental. Todas as amostras de própolis testadas foram eficientes na inibição da placa dental, porém a amostra do Rio Grande do Sul apresentou maior inibição desta enzima. Estes resultados in vitro sugerem que a própolis do Rio Grande do Sul apresenta maior atividade anti-cárie, uma vez que apresentou maior inibição da bactéria cariogênica, Streptococcus mutans, bem como da glicosiltransferase, responsável pela placa bacteriana. Os resultados deste trabalho foram apresentados na 14a Reunião Anual da Sociedade Brasileira de Pesquisas Odontológicas (SBPqO), 1997, e sendo posteriormente publicada em uma das melhores revistas de microbiologia nos Estados Unidos (Yong K. Park, Michel H. Koo, José A. S. Abreu, Masaharu Ikegaki, Jaime A. Cury & Pedro L. Rosalen, Current Microbiol., vol.36, p.24, 1998). Posteriormente, estes resultados in vitro foram confirmados em estudos em animais (ratos Wistar SPF), onde a própolis do Rio Grande do Sul apresentou os melhores resultados na inibição de cárie dental quando comparado com o controle. Os resultados deste trabalho serão apresentados na 76th General Session of the International Association for Dental Research (IADR) a ser realizada no mês de junho, em Nice, França. Além disso, este trabalho foi selecionado e premiado pela IADR-Colgate Palmolive Co. na categoria Pesquisa em Prevenção (Research in Prevention Award) dentre os participantes da América do Sul e México.

    Estes resultados demonstraram que a diferença qualitativa e quantitativa na composição dos flavonóides pode ter determinado a diferença da atividade anti-cárie dos extratos etanólicos de própolis estudados, sugerindo que os flavonóides presentes na própolis do Rio Grande do Sul foram mais efetivos contra a cárie dental, utilizando-se testes in vitro e modelo de cárie experimental em animais. Porém, é importante destacar que existem outros componentes na própolis, como os ácidos fenólicos e seus ésteres e outros derivados dos compostos fenólicos, que apresentam atividade biológica, inclusive antimicrobiana. Portanto, existe a necessidade de uma análise mais detalhada de todos os componentes ativos da própolis antes de uma conclusão definitiva das propriedades biológicas da própolis.

     A própolis tem sido utilizada desde os tempos mais remotos e apenas nas últimas décadas as pesquisas tem se intensificado principalmente com o advento das medicinas naturais e alternativas.

     As nossas pesquisas demonstraram que existem uma variabilidade grande na composição dos flavonóides nas própolis coletadas de diferentes regiões,e isto se deve provavelmente pela diversidade da ecologia vegetal do Brasil. E esta heterogeneidade na composição da própolis implicou também na variabilidade das propriedades biológicas no parâmetro avaliado, antimicrobiano e anti-cárie. Como já sabemos, existem diversos tipos de flavonóides que possuem atividades farmacológicas diferentes. Além disso muitos flavonóides ainda não foram identificados e suas propriedades farmacológicas não foram estudadas, assim é necessário realizar pesquisas futuras para elucidar melhor os diversos tipos de flavonóides e suas propriedades terapêuticas, bem como analisar os outros componentes químicos, principalmente os derivados dos compostos fenólicos que também apresentam atividade biológica. Em acréscimo, há nescessidade de realizar outros testes biológicos, como anti-oxidante, anti-inflamatória, anti-tumoral, para termos um conhecimento mais amplo e detalhado da própolis coletada por Apis mellifera no Brasil.

     Atualmente estamos coletando as amostras de própólis de outras regiões, para elaboração de um mapeamento da própolis do Brasil quanto a composição de flavonóides, bem como a realização de outros testes biológicos, para termos um melhor conhecimento da própolis brasileira.
 

 

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