Experimento


RESULTADOS PRELIMINARES SOBRE A LONGEVIDADE COMPARADA DE OPERÁRIAS DE ABELHAS AFRICANIZADAS (Apis mellifera scutellata), SUBMETIDAS A DUAS CONDIÇÕES EXPERIMENTAIS DIFERENTES: AUMENTO DE TEMPERATURA INTERNA E CONFINAMENTO.

José Luiz Ferrari de Souza - Pós-graduando da FMRP-USP
Kimie Simokomaki- Pós-graduanda da FFCLRP-USP


INTRODUÇÃO:

O estudo da longevidade de operárias de abelhas Apis mellifera constitui uma análise altamente complexa, uma vez que esta pode ser influênciada por diversos fatores. Dentre esses fatores destacam-se a temperatura durante o período relativo à ontogênese, a quantidade e a qualidade de alimento disponível, a termorregulação ou os mecanismos envolvidos na manutenção da temperatura interna, as diferenças genotípicas existentes entre as abelhas, parasitas como o ácaro Varroa jacobsoni e os fatores climáticos (SAKAGAMI & FUKUDA, 1968).
Segundo WINSTON et al. (1983), as operárias adultas de abelhas européias possuem uma longevidade maior que as operárias africanizadas. Isso é explicado em função do comportamento de hibernação realizado pelas abelhas européias visando o processo de termorregulação, comportamento este que é realizado por toda colônia e determina um excelente controle da temperatura em locais temperados.
WINSTON (1988), con-cluiu que as operárias de abelhas africanizadas possuem uma longevidade menor que as européias, 12-18 dias contra 15-38 dias, em média, durante períodos de grande quantidade de fonte alimentar, e de 90 contra 140 dias durante o inverno. Essa diminuição da longevidade ocorre em função das abelhas africanizadas iniciarem as atividades externas mais cedo, e as terminarem mais tarde em relação às européias, provocando um maior desgaste físico e energético, resultado este também observado por KERR et al (1970).
Além disso, o tempo de vida de cada operária depende do mês, da estação do ano e do ano em questão (EISCHEN et al., 1982).
SAKAGAMI & FUKUDA (1968) concluiram que para as abelhas de clima temperado existem duas fases diferentes de longevidade, estabelecidas em um ciclo anual. Essas fases correspondem a um período ativo da colônia e outro de repouso ou de hibernação. A longevidade das abelhas em regiões temperadas é bastante caracteristica: no inverno as operárias possuem vida longa e no verão, que é a fase ativa, possuem vida curta.
SOUTHWICK et al.(1990) verificaram que as abelhas africanizadas, em pleno inverno, possuem uma alta taxa metabólica relativa a manutenção da temperatura no interior do ninho e, por essa razão, a longevidade se mostra mais reduzida.
Em regiões tropicais e subtropicais as abelhas geralmente estão ativas durante todo o ano, sendo que a diferença sazonal não é observada.
TERADA et al. (1975) estimaram, para colônias de abelhas Apis mellifera com populações entre 37000 e 42000 indivíduos, uma longevidade média de 26,3 dias no verão. Para colônias com populações variando entre 10000 e 11000 indivíduos foi encontrada uma média de 18,7 dias. Em condições de inverno, com populção de 24000 a 25000 indivíduos, foi observada uma longevidade média de 24,3 dias.
COSTA-LEONARDO (1982) analisou a longevidade de abelhas Apis mellifera em condições climáticas tropicais e subtropicais no Brasil. Este pesquisador trabalhou com populações de abelhas de 50 e 70 mil indivíduos, 20 e 25 mil,e de 3 e 5 mil indivíduos, durante os períodos de outono e primavera. Foram encontradas longevidades médias de 40, 45, 35, 42, 33 e 40 dias, respectivamente.
BETIOLI (1989) trabalhando com abelhas Apis mellifera L. em confinamento concluiu que a presença de rainha reduziu em muito a mortalidade das operárias, em comparação com os grupos de abelhas confinadas sem rainha.
Outro fator que afeta consideravelmente a longevidade das operárias é o ácaro ectoparasita Varroa jacobsoni, que suga a hemolinfa de larvas, pupas e abelhas adultas, sendo obtida uma longevidade média de 27,6 dias para abelhas africanizadas sem infestação, e de 13,6 dias para abelhas africanizadas parasitadas (DE JONG & DE JONG, 1983).
Com toda essa diversidade de comportamentos e fatores que comprometem a longevidade das abelhas do gênero Apis, o presente trabalho visou o estudo de duas condições diferentes que poderiam também comprometer a longevidade: um núcleo com temperatura interna elevada a 39°C e um núcleo mantido em confinamento, sendo os dois núcleos de abelhas africanizadas Apis mellifera scutellata.


MATERIAIS E MÉTODOS:

Foram utilizados três núcleos contendo abelhas africanizadas (Apis mellifera scutellata). Um núcleo em condições normais, utilizado como controle, um núcleo adaptado a uma estufa com temperatura interna controlada e constante à 39°C e um terceiro núcleo que continha abelhas confinadas por uma tela de nylon com área aproximada de 2m2, instalada em uma área livre no apiário do Departamento de Genética da F.M.R.P-USP - Ribeirão Preto, S.P.
Os núcleos foram montados de forma semelhante contendo cada um: um quadro de mel, dois quadros de cria e um alimentador modelo Doolitle. Essas colônias foram alimentadas com xarope de açúcar e água (1:1) a cada sete dias, sendo que as abelhas confinadas receberam, além deste xarope, quadros de pólen, néctar e cria, quando da necessidade.
Operárias récem-emergidas, filhas de uma mesma rainha inseminada instrumentalmente, foram marcadas com plaquetas numeradas, coladas no tórax, e introduzidas nos núcleos com o auxílio de uma tela excluidora para que houvesse aceitação por parte da colônia em estudo.
No núcleo controle foram introduzidas 29 operárias. Nos núcleos em confinamento e com temperatura interna elevada foram introduzidas 27 e 29 operárias, respectivamente.
Diariamente, e sempre no período da manhã, quando havia pouca atividade externa, os núcleos eram inspecionados e as operárias vivas marcadas eram anotadas. O experimento foi realizado durante os meses de setembro e outubro de 1991, período este correspondente à primavera.
Para a comparação das longevidades nas três situações distintas utilizou-se o teste de KRUSKALL-WALLIS (SIEGEL, 1975).


RESULTADOS:

Foi observado que nos três casos (controle, temperatura interna elevada a 39°C e confinamento) a curva de sobrevivência foi do tipo convexa. Isso mostrou que a mortalidade populacional foi menor no início da vida, e foi aumentando no decorrer da vida dos indivíduos analisados (figura 1).

FIGURA 1: Curvas de sobrevivência das colônias submetidas a diferentes condições de desenvolvimento: controle, elevação da temperatura interna a 39oC e confinamento.
A longevidade média encontrada para os indivíduos do grupo controle foi maior que as longevidades médias observadas para as abelhas submetidas ao aumento de temperatura interna e ao confinamento (Tabela 1).
Tabela 1. Longevidades médias e máximas (dias) e os respectivos desvios padrões dos grupos Controle, Temperatura interna elevada a 39°C (T°39°C) e Confinamento.

GruposLongevidade Média + DPLongevidade Máxima
Controle19,86 + 12,1 a48
T° 39°C12,90 + 7,04 b33
Confinamento8,41 + 3,71 b18

Obs.: Médias seguidas por diferentes letras são estatisticamente diferentes (Teste de Kruskall-Wallis, p> 0,05).

Estatisticamente, a longevidade média das operárias submetidas a elevação de temperatura interna foi maior que a do grupo em confinamento, porém essa diferença não foi significativa (H = 5,72; p < 0,005).
Ainda, as operárias em confinamento tiveram uma longevidade média menor em relação aos outros dois grupos, porém somente existiu diferença significativa desta com o grupo controle (H = 13,15 ; p < 0,005).
Quanto à longevidade máxima para os indivíduos dos grupos controle, temperatura elevada e confinamento, observamos que a longevidade da colônia controle foi maior que a longevidade das abelhas submetidas ao aumento de temperatura interna, e esta por sua vez foi maior que a longevidade das abelhas mantidas em confinamento. Assim, os indivíduos submetidos ao aumento de temperatura interna tiveram uma redução de cerca de 31% em sua longevidade máxima, em relação ao grupo controle, e os indivíduos submetidos ao confinamento mostraram uma longevidade máxima ainda mais reduzida (em torno de 63% a menos que o controle).


DISCUSSÃO E CONCLUSÃO:

Neste experimento obteve-se resultados divergentes em relação à sobrevivência ou à longevidade das abelhas africanizadas sob as duas condições experimentais distintas.
A partir dos resultados obtidos concluímos que, para a colônia submetida ao aumento da temperatura interna, pode ter havido um aumento no desgaste físico das abelhas campeiras, provavelmente pelo fato de que houve um aumento nas atividades de coleta de água e no comportamento de ventilação no interior do núcleo. Neste caso específico, foi desenvolvido um sistema de termorregulação mais elaborado que o habitual, sendo esses resultados semelhantes aos encontrados por LINDAUER (1955) e PEOCH (1981).
GARY (1967) trabalhando com abelhas Apis mellifera ligustica, após um confinamento em altas temperaturas e baixa umidade relativa, concluiu que as colônias podem ser confinadas por até 48 horas. Após esse tempo há uma redução em suas atividades.
No nosso experimento, as operárias em confinamento tiveram uma longevidade média menor em relação aos outros dois grupos. Um dos fatores que pode ter contribuído para isso seria o aumento do stress causado nessas abelhas em função ao restringimento a pequenas áreas.
Segundo KULINCÉVIC & ROTHEBUHLER (1973), quando estudaram abelhas presas em pequenas caixas de confinamento, a sobrevivência das operárias variou de 4,3 a 13 dias. O confinamento, nesse caso, afetou consideravelmente a longevidade, além da resistência às doenças pelas abelhas.
Com relação à longevidade média observada para a colônia controle (19,86), esta foi menor ao observado por TERADA et al (1975) quando estimaram uma longevidade média de 26,3 dias, no verão. Essa diferença (6,4 dias) deve-se, provavelmente, a diferença sasonal em que foram feitos os dois experimentos. Como nosso experimento foi realizado durante a primavera, período em que há uma maior quantidade de flores no campo, portanto uma maior quantidade de pólen e de néctar a serem coletados, provavelmente houve uma maior atividade forrageira por parte das abelhas, levando-as dessa forma a uma redução de sua longevidade, isso em função de um maior desgaste físico, como explicado por SAKAGAMI & FUKUDA (1968).
As comparações das três situações distintas nos mostram que a alteração da temperatura interna na colônia, especificamente o aumento desta temperatura, bem como a restrição das abelhas a uma determinada área, parecem afetar sensivelmente o comportamento e a fisiologia de toda colônia, alterando também toda a relação ecológica deste inseto, além de comprometer sua longevidade, sendo necessária novas análises, com um número maior de indivíduos, para a comprovação destas tendências, uma vez que este trabalho foi desenvolvido com uma amostragem bastante reduzida.


RESUMO:

Nestetrabalho são comparadas as longevidades de operárias africanizadas (Apis mellifera scutellata) sob duas condições experimentais diferentes: aumento de temperatura interna (39°C) e em confinamento. Foi observado que as operárias submetidas à elevação de temperatura interna (39°C) possuíram uma longevidade média em torno de 12,9 dias. Para as operárias confinadas foi observado uma longevidade média de 8,4 dias, portanto uma longevidade mais reduzida, provavelmente em função do stress provocado pelo confinamento; e as operárias sob condições normais de desenvolvimento tiveram uma longevidade média em torno de 19,9 dias, durante o período em que se desenvolveu o experimento (primavera). Foi concluído que as alterações da temperatura interna e principalmente o restringimento das abelhas a uma determinada área possuem uma tendência a afetar o comportamento e a fisiologia das abelhas, podendo alterar também toda a relação ecológica deste inseto, além de comprometer sua longevidade.


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