Artigo

RAINHAS: SELEÇÃO E PRODUÇÃO

Danyllo Matos Pimentel - Zootecnista, Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia- UESB

Introdução

Apicultura é a criação de abelhas (Apis mellifera) em confinamento sob controle do homem, alojadas em colméias artificiais, utilizando métodos e equipamentos desenvolvidos para melhor explorar as capacidades naturais destes insetos (PERUCA et al., 2002). Por sua natureza, a apicultura é uma atividade econômica conservadora das espécies, devido ao baixo impacto ambiental que ocasiona, possibilitando a utilização permanente dos recursos naturais e a não destruição do meio rural. Assim, é uma das poucas atividades que contempla todos os requisitos do tripé da sustentabilidade: o econômico gerador de renda para os produtores; o social ocupador de mão-de-obra familiar no campo, com diminuição do êxodo rural; e o ecológico, já que não se desmata para criar abelhas, necessitando-se elas, ao contrário, da manutenção das plantas vivas para a retirada do pólen e do néctar de suas flores, suas fontes alimentares básicas (ALCOFORADO FILHO, 1997).

O melhoramento genético é um dos grandes aliados do homem na agropecuária atual, auxiliando -o na melhoria da qualidade e da produtividade. Na apicultura ele vem como resultado da substituição de rainhas improdutivas por rainhas jovens e selecionadas, fortalecendo e aumentando a população de operárias e assim, a produtividade dos enxames.

É de grande importância estabelecer programas de melhoramento genético e produção de abelhas africanizadas, que aumentem e mantenham os níveis produtivos dos diferentes produtos das abelhas.

Seleção genética

O melhoramento genético de Apis mellifera é uma ferramenta essencial e de caráter obrigatório para o sucesso e desenvolvimento da indústria apícola em geral. Prática de manejo como a troca anual de rainhas constitui no pilar fundamental para um programa que vise o aumento produtivo de determinada característica.

Os fundamentos da seleção baseiam-se nas disciplinas matemáticas da genética quantitativa e de populações. O ponto de partida básico para compreender a seleção é o conceito do fenótipo (as característica s de um animal que podem ser observadas), o qual resulta das influências da genética do animal, do ambiente onde o animal se encontra e as interações entre estes dois fatores. Este conceito pode ser estendido a populações de animais. A variação de genótipos resultantes da genética pode ser subdividida em vários tipos diferentes de eventos genéticos. A variância devido a eventos genéticos aditivos é especialmente importante.

A variância aditiva é a causa genética principal da semelhança entre parentes e, portanto, o determinante principal de como facilmente uma população pode ser melhorada por seleção (RINDERER 1986). O caminho mais utilizado no melhoramento genético de abelhas é a seleção das melhores colmeias produtivas (o qual varia segundo o interesse do apicultor e as características selecionadas) e a multiplicação ou produção de rainhas virgens para troca ou substituição nas colmeias produtivas.

A seleção tem que ser continua geração após geração para manter os níveis atingidos pelo melhoramento genético. Assim será atingido o limite ambiental máximo no qual não há aumento produtivo por colméia, mas o nível máximo do apiário é mantido. O melhoramento genético em qualquer organismo visa o aumento na população das frequências gênicas de importância econômica a serem selecionados. Com respeito às abelhas isto é o aumento da frequência do número de colônias que produzem acima da media da geração a partir da qual foi feita a seleção.

Produção

Segundo Silva 1994, a reprodução da sua rainha, oferece ao apicultor uma oportunidade singularmente favorável para influenciar o futuro comportamento e desempenho produtivo da colônia de abelhas. Por esta razão, há séculos vêm sendo desenvolvidos e praticados métodos destinados ao controle da produção de rainhas, número de rainhas fecundadas, épocas, características das rainhas produzidas.

Os métodos de produção de rainhas tiveram origem nos países de longa tradição apícola da Europa, porém sua evolução tecnológica prosseguiu nos novos territórios para onde o colonizador europeu levou suas abelhas, principalmente os Estados Unidos da América do Norte, dando origem a uma importante indústria, altamente especializada. Presentemente, a produção de rainhas é um segmento básico da indústria apícola em todas as nações detentoras de apicultura tecnologicamente evoluída. No Brasil, esta especialidade ainda não esta devidamente integrada ao manejo profissional dos apiários. O clima ameno e a facilidade de renovação dos apiários a partir de colônias, obtidas diretamente da natureza, podem ser lembrados como justificativa. Contudo uma observação mais atenta nos mostrará que, em geral, os apicultores que criam rainhas, o fazem com intuito de obterem rainhas de raças européias e, o mais importante, utilizando as técnicas descritas em obras oriundas de países possuidores de clima temperado. Assim, tanto o seu objetivo como o resultado quantitativo que obtêm são limitados, tendo pouca influência sobre a produção apícola nacional.

Com a produção de rainhas os apicultores poderão incrementar os níveis produtivos nas colmeias e manter as populações produtivas ao longo do ano. Quando esta prática é desenvolvida é comum observar um aumento na produção dos apiários além de manter colônias fortes e homogêneas durante a maior parte do ano.

A produção de rainhas deve estar acompanhada de uma seleção do material que está sendo utilizado como colmeias matrizes. Entre as principais características de seleção podemos encontrar: Alta produção de mel; alta produção de própolis; alta produção de pólen; alto comportamento higiênico; baixa tendência enxameatória; baixa agressividade, entre outras.

Como Obter Sucesso na Produção de Rainhas Africanizadas

- Fluxo nectarífero abundante, disponibilidade de néctar e pólen em quantidade e qualidade

- Colônias fortes e com abundância de abelhas jovens

- Zangões: presença ou ausência - um indicador das condições das colônias.

- Períodos de temperatura e outras condições adequadas ao vôo de acasalamento. Considerando-se a temperatura como o fator que exerce maior influência sobre a duração do período larval e sobre a porcentagem de emergência das rainhas virgens: quando mais elevada, propícia um ciclo evolutivo mais rápido, menor porcentagem de rejeição de rainhas virgens e maior porcentagem de fecundação (SILVA, 1994; SILVA et al 1995; 1996)

- Equipamento: prático, simples, eficiente e de qualidade (SILVA, 1994)

- Genética: escolher as colônias produtoras de larvas de rainhas e de zangões (matrizes) pela qualidade da postura da rainha e comportamentos desejáveis das operárias (produção de mel, própolis ou outro produto objetivado pelo mercado)

- Obter larvas femininas de idade adequada e uniforme: o tamanho e a produtividade da rainha são fortemente influenciados pela idade da larva no início da criação: quanto mais jovem a larva maiores serão o tamanho e o peso da rainha resultante (SILVA et al 1993).

- Transferir as larvas para o quadro de células reais em local de temperatura e umidade do ar adequadas.

- Introduzir o quadro de células reais em colônia incubadora ("recria") convenientemente preparada.

- Quando em vias de emergência, transferir as células reais (protegidas por uma gaiola tipo "tubo") para uma colônia especial de espera, onde emergem e são deixadas "envelhecer" por 3 a 6 dias.

- Introduzir as rainhas virgens nos núcleos de fecundação: preparar os núcleos com abelhas e favos de cria unicamente fechada (nas fases de pré-pupa ou pupa) ou alternativamente, sem cria. Verificou-se que os melhores índices de fecundação (92,86%, no experimento realizado) são obtidos quando rainhas virgens (com 3 a 6 dias de idade) são introduzidas em núcleos com cria fechada, durante períodos de fluxo nectarífero e ausência de vento (SILVA, 1994; SILVA et al 1995; 1996a. b.)

- Alimentar se necessário

Técnicas de Produção de Rainha

Pequena produção de rainhas: consiste na produção voltada para atender uma pequena demanda de rainha, normalmente realizada por pequenos produtores a procura de melhorar a qualidade genética de suas abelhas. Sua utilização necessita de cuidados quanto a possibilidade de aumento da consanguinidade no apiário, visto que ela é comumente feita por apicultores que possuem um número reduzido de colméias. Recomenda-se a não repetição de seleção no mesmo plantel quando o número de colmeias utilizado for muito pequeno, abaixo de 100, e não houver introdução de material genético novo (SOUZA, 2004).

Passos:

a) Selecione uma colméia com características indesejáveis para ser orfanada;

b) Certifique-se de que a colônia a ser orfanada possui alimento (mel e pólen) e boa quantidade de abelhas jovens, o suficiente para alimentar bem as rainhas a serem criadas;

c) Capture e retire sua rainha, deixando-a órfã;

d) Selecione uma outra colônia com características desejáveis para ser matriz, a que fornecerá as larvas a partir das quais serão criadas as novas rainhas;

d) Transfira um quadro contendo cria, com menos de três dias de idade, da colônia matriz para a colméia órfã. O quadro deve ser marcado no travessão superior, para posterior identificação e colocado na parte central da colméia;

e) Após 2 ou 3 dias faz-se uma revisão na colméia órfã, destruindo-se todas as células reais que não foram construídas no quadro introduzido;

f) Sete dias após a introdução do quadro confere-se o número de realeiras criadas e em condições de serem utilizadas, para que sejam preparadas as colônias para recebe-las. É sempre prudente a preparação de uma quantidade de colônias um pouco menor que a quantidade de células reais construídas e operculadas.

f) De oito a dez dias após a introdução do quadro, faz-se uma nova revisão. Desta vez recortando com cuidado as células reais, que já devem estar operculadas, transferindo-as para as colméias em que se deseja substituir as rainhas. Ao serem introduzidas as realeiras devem ser colocadas em protetores para evitar que sejam destruídas e as colônias que irão recebê-la devem ser orfanadas com pelo menos 24 horas de antecedência.

Obs: A caixa que irá receber o quadro com cria nova, caso esteja fraca, deve ser reforçada com quadros de crias prestes a emergir e quadros com alimento (mel e pólen). Os quadros com crias prestes a nascer, devem ser introduzidos 7 dias antes que a colônia a ser orfanada receba o quadro com cria nova.

Produção de Rainhas em Grande Escala: na produção em grande escala o método mais utilizado é o DOOLITLE, que consiste na transferência de uma larva de operária, com menos de três dias de idade, para uma célula artificial de rainha. Esta produção ocorre em colméias preparadas especialmente para este fim, a chamada colméia recria, onde é possível a criação de várias rainhas de uma só vez (SOUZA, 2004).

Fases do Processo

a) Preparação das Cúpulas Reais: As cúpulas são copinhos de cera de abelhas ou plástico, que servem como base para a construção da célula real. As cúpulas de plástico são mais usadas na produção de geléia real, embora também o sejam para a produção de rainhas. As cúpulas de cera são feitas com a ponta de um bastonete de madeira. Este bastonete deverá ficar de molho na água por algumas horas antes de ser utilizado para moldar as cúpulas. Isso evita aderência da cera no bastonete, permitindo que a cúpula moldada se solte com facilidade.

Para moldar as cúpulas a cera deve ser derretida em banho-maria. Estando a cera derretida, mergulha-se a ponta do bastonete cerca de 1 cm e em seguida na água fria, para que a cera se solidifique. Esta operação deve ser repetida de duas a três vezes, até que a parede da cúpula apresente uma espessura aproximada de 1 mm. Com a ponta dos dedos faz-se uma pequena pressão, seguida de uma torção, sobre a cúpula, para que esta se desprenda do bastonete.

b) Preparação do Quadro Porta Cúpulas: Estas cúpulas de cera ou plástico serão soldadas com cera derretida no quadro porta-cúpulas. Cada quadro suporta de duas a três barras, sendo colocadas em média 15 cúpulas por barra.

c) Colocação das cúpulas para pegar cheiro: Com as cúpulas já montadas no quadro porta -cúpulas, elas devem ser colocadas na colmeia recria para pegar cheiro, por no mínimo 24 horas. Este procedimento tem por objetivo evitar que as operárias da colméia recria estranhe o cheiro das cúpulas e termine por não alimentar as larvinhas que serão aí colocadas.

d) Colocação da Geléia Real nas Cúpulas: Após a colocação das cúpulas para tomar cheiro, elas são retiradas e levadas para o local onde será realizada a enxertia. Antes de se realizar a transferência das larvas de operárias para as cúpulas será colocado uma gota geléia real diluída no fundo de cada uma delas. A geléia real bruta deve ser diluída em água destilada, na proporção de 1/1.

e) A Enxertia: A enxertia é o processo de transferência da larva de operária de sua célula para a cúpula artificial de rainha. Esta transferência pode ser realizada com a ajuda de várias ferramentas como um estilete metálico, a haste de uma pena ou um pincel bem fino. Esta transferência é a parte mais delicada do processo de criação, merecendo uma atenção toda especial para que se obtenha êxito. As larvas a serem utilizadas devem ter no máximo três dias de vida, dando-se preferência às com um dia idade. A não observação deste detalhe comprometerá gravemente a qualidade das rainhas criadas. Ao capturar as larvas com o estilete faça -o sempre pelas costas, evitando na retirada esbarrá-las contra as paredes da célula.

f) Colocação das Cúpulas na Colméia Recria: As cúpulas enxertadas serão colocadas em um quadro porta -cúpulas e introduzido na parte central da colméia recria. As cúpulas enxertadas devem ser colocadas na recria o mais rápido possível, para evitar que as larvinhas resfriem e/ou ressequem, o que as levariam a morte. Uma das formas de amenizar este problema é cobrir as cúpulas já enxertadas com um pano úmido, desde o momento em que estas receberem as larvinhas até a colocação na recria. Se no período em que se estive produzindo rainhas o fluxo de alimento no campo não estiver muito forte, recomenda-se a alimentação suplementar das colméias recria com xarope e/ou substituto proteico no momento da introdução do quadro porta-cúpula.

g) Aproveitamento das Células Reais: As células reais, realeiras como são chamadas, serão retiradas da colméia recria 10 dias após a enxertia, sendo então levadas para que as rainhas nasçam em núcleos de fecundação ou em gaiolas de nascimento. Em cada núcleo de fecundação será introduzida uma realeira, com ou sem proteção. A proteção se faz necessário para evitar que a realeira seja destruída pelas operárias, caso estas a rejeitem por algum motivo. O protetor mais comumente usado para este fim é o protetor WEST. O uso do protetor se faz necessário principalmente nos caso em que o núcleo já se encontra órfã por algum tempo e com o processo de criação de rainhas em estágio adiantado. Para facilitar a aceitação das realeiras, no momento da introdução, destrua todas as realeiras que estiverem construídas no núcleo.

As realeiras podem ser introduzidas também em gaiolas de nascimento, tipo burgho, cada gaiola receberá apenas uma realeira, sendo em seguida introduzida na colméia recria em um quadro porta-gaiolas. Após o nascimento das rainhas estas poderão ser mantidas em um banco de rainhas ou em gaiolas de transporte.

O banco de rainhas é uma colméia preparada para receber rainhas em gaiolas individuais, mantendo-as alimentadas e em condições de serem utilizadas. Esta opção é usada quando não é possível o aproveitamento imediato das rainhas.

A gaiola de transporte possui de dois a três compartimentos, sendo um utilizado com o alimento (candi, uma mistura pastosa de açúcar glacê e mel) e os demais com a rainha e suas acompanhantes. Cada gaiola de transporte receberá uma rainha e de seis a oito operárias jovens, que cuidarão da rainha durante o tempo em que permanecerem presas. Esta gaiola pode ser utilizada para transporte, manutenção e introdução de rainhas.

A manutenção de rainhas virgens não deverá exceder a nove dias após seu nascimento, uma vez que isto acarretará sérios problemas na sua fecundação e no desempenho como poedeira. Alguns estudos têm mostrado que rainhas que não fazem o vôo nupcial até o 12o dia após sua emergência possuem uma alta probabilidade de só realizarem postura de machos (SOUZA, 2004).

Conclusão

A utilização do processo de substituição de rainhas de colméias com baixa produtividade por outras oriundas de um processo de seleção, traz ao produtor um ganho final bastante significativo. Assim, a divulgação e a adoção dessa técnica através de capacitações dos apicultores relacionados a associações, cooperativas e/ou a assentamentos pode propiciar uma melhoria na produtividade e aumento da renda dos apicultores.

Bibliografia

ALCOVARADO FILHO, F.G. Flora da caatinga: conservação por meio da apicultura. In: CONGRESSO NACIONAL DE BOTÂNICA, 48. , 1997, CRATO, CE. Resumos. Fortaleza: BNB, 1997. p. 362.

PERUCA, R. D.; BRAIS, C. V.; OLIVEIRA A. P. de; MUSSOLINE, V.; ALVES, J. A.; HORITA, S. F. Projeto fortalecimento da apicultura dos agricultores familiares no estado do Mato Grosso do Sul. 2002. 13 p.

RINDERER T. E., Selection. in Bee genetics and breeding. Academic Press, Inc. 1986. p. 305-321

SILVA, E.C.A.; NETTO, J.C; MORETI, A.C.C.C.; SILVA, R.M.B. Influência de fatores meteorológicos sobre a porcentagem de fecundação de rainhas de abelhas africanizadas. Boletim Indústria Animal, N. Odessa, v. 53, n. único, p. 111-116, 1996.

SILVA, E.C.A.; SILVA, R.M.B.; CHAUD-NETTO, J.; MORETI, A.C.C.C.; OTSUK, I.P. Influence of management and environmental factors on mating success of Africanized queen honey bees. Journal Apicultural Research, v. 34, n.3, p.169-175, 1995.

SILVA, Etelvina Conceição Almeida. Influência de fatores ambientais e da técnica de manejo na fecundação natural de rainhas de Apis mellifera (Hymenoptera, Apidae). Rio Claro (SP), UNESP. 100p. Dissertação de Mestrado, 1994 .

SOUZA, D. C. Manejo de rainhas. In: ____ . Apicultura: manual do agente de desenvolvimento rural. Brasília: Sebrae, 2004. p.96-105.

Retorna à página anterior