Artigo

Por que e como alimentar as abelhas?

Prof. Dr. Vladimir Stolzenberg Torres, Produtor Rural e Técnico da Secretaria Municipal do Meio Ambiente de Porto Alegre
biologo.vladimir@gmail.com

Introdução

A utilização de animais domésticos tem precedentes históricos que fazem destes não só componentes primários indispensáveis ao desenvolvimento e prosperidade do homem, mas também os colocam como elementos pró-ativos do desenvolvimento tecnológico.

Neste contexto, Bronowski (1973), apud Walker (1995) afirmou que a roda e o arado, por exemplo, só foram inventados em sociedades que domesticaram animais de tração, por isso, estes implementos não existiam nas Américas. A história do Brasil também foi influenciada diretamente por esses animais.

No primeiro momento, pelos bovinos que tiveram grande participação durante o ciclo econômico do açúcar e, mais tarde, pelos eqüinos, durante o ciclo do ouro.

Ainda no século XVI, crescem em importância, a criação de suínos e ovinos. Os primeiros destacavam-se pela produção de carne a ser salgada, além de couro e carne verde; enquanto os ovinos produziam a lã necessária à produção de agasalho.

Quanto às aves, estas já eram, nesta época, freqüentemente citadas nos inventários das propriedades rurais. Datam também deste período, as primeiras introduções de caprinos provenientes de Portugal e Espanha.

As abelhas (especificamente Apis) apresentam o que se consideram como três fases. A primeira fase começa em 1840, com a introdução no Brasil de Apis mellifera mellifera, que tornou na nossa abelha "europa", ou "abelha-do-reino" e que, devido à transferência de tecnologia, impasse como a abelha produtora de mel. De 1845 a 1880, com a migração dos alemães, várias colônias de Apis mellifera mellifera foram trazidas da Alemanha e teve início a apicultura nos Estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná e São Paulo (Limeira, Piracicaba, São Carlos).

Uma segunda fase tem início ao redor de 1940, com os primeiros movimentos associativos: a comercialização começa a se fazer sentir, porém, só recentemente é que ela está sendo bem organizada.

A terceira fase vai de 1950 até 1970. Nesta fase é introduzida a abelha africana para fins de cruzamentos, segregações de linhagens que aliem suas boas propriedades às boas propriedades das melhores linhagens italianas. Um acidente em sua manipulação provocou a enxameação de 26 colméias, que iniciaram a africanização da apicultura brasileira. Seu efeito foi drástico entre 1963 a 1967.

No campo do conhecimento e do desenvolvimento científico e tecnológico, à medida que o tempo passa, torna-se mais fácil olhar para trás e ser invadido por aquela sensação de superioridade.

Os últimos cinqüenta anos foram prósperos no tocante aos avanços do conhecimento e, principalmente, em sua transformação em tecnologias e processos a serviço do bem-estar da sociedade. No entanto, é importante lembrar-se que o lastro para grande parte deste desenvolvimento repousa em bases teóricas há muito estabelecidas.

Assim, vale ressaltar que a criação, a descoberta inicial e o desenvolvimento do conhecimento são qualidades que somente poucas pessoas tiveram, têm e, certamente, terão o privilégio de possuir. A estas, sem dúvida, é devida grande parte dos créditos da edificação dos pilares que sustentam as transformações resultantes do uso das tecnologias.

Contudo, todas as mudanças tecnológicas pelas quais passou a humanidade não foram capazes de modificar certos hábitos e costumes que remontam a ancestrais na história do homem.

Ao lado disso, vê-se, ainda, a plasticidade do homem em, usando ou não de tecnologias, ser capaz de, quase sempre, utilizar do bom senso, da visão estética, da busca da beleza e, principalmente, da harmonia das formas e funções e, com isso, emprestar ao desenvolvimento científico, a sensibilidade que só encontra par na arte.

A atitude arraigada do homem a ensinamentos ancestrais que fluem de geração a geração pode ser observada na atividade agropecuária, na qual se verificam ruminantes sendo criados como se faziam na antigüidade, ou mesmo na cultura de arroz na China que ainda é desenvolvida nos moldes praticados há mais de mil anos.

As abelhas

Antes de qualquer coisa, é fundamental ao apicultor perceber duas situações, quais sejam, a de que é um PECUARISTA1 APÍCOLA - isto mesmo, pecuarista e seu rebanho são as abelhas - e a necessidade de observar os cases de sucesso nas outras cadeias produtivas, principalmente a avicultura, a suinocultura e a pecuária de corte.

O sucesso da atividade está amparado em um tripé, constituído pela nutrição/alimentação, reprodução (seleção/genética) e sanidade. A avicultura tem se revelado um modelo no que tange aos quesitos genética e sanidade; a suinocultura em genética e nutrição; e a pecuária de corte em genética e sanidade como a avicultura, crescendo agora em direção ao aprimoramento nutricional. E a apicultura (meliponicultura) onde se encontra?

Nesta óptica, o primeiro objetivo a ser traçado é o de identificar o que se intenciona produzir a partir do estabelecimento de uma criação de abelhas (apicultura/meliponicultura). Entre Apis mellifera, o potencial de rentabilidade é significativamente superior aquele que possa ser obtido com as abelhas sem ferrão.

As Apis proporcionam, para exploração econômica, além da comercialização de enxames e rainhas selecionadas, a produção de geléia real, pólen apícola, pão de abelha, apitoxina, mel, própolis, cera, larvas/pupas de zangão (larvas in natura e com destino ao Apilarnil). As abelhas sem ferrão, por outro lado, proporcionam a comercialização de enxames, algumas espécies proporcionam a produção de mel, outras permitem uma pequena exploração de cera, de própolis (geoprópolis), e mesmo de saburá (pão de abelhas deste grupo).

Assim, de um lado, a atividade pode ser desenvolvida sem fins econômicos, visando o lazer (hobbista) ou como subsistência. Porém, de outro lado, temos a produção comercial e, neste sentido, é fundamental definir o objetivo da produção, o que se intenciona produzir para comercializar. É este objetivo que irá nortear, principalmente, a seleção e a nutrição que se conduzirá.

Nutrição e alimentação

Como todos os seres vivos, abelhas também precisam de alimento para sobreviver. Diferente de outros animais criados pelo homem, o inseto colhe na natureza os elementos que vão compor sua dieta. Mas chega um momento, que a oferta de alimento natural fica pequena nas matas, é a entressafra. Nesse caso, o homem, tem que prover, no caso da apicultura racional, o alimento para suas abelhas.

Não existe uma época certa para o fornecimento do alimento, uma vez que este período varia de acordo com a região e o objetivo. A quantidade de cria, o estado geral da colônia, a quantidade e qualidade de néctar e pólen coletados pelas abelhas determinam a necessidade da alimentação suplementar. Sendo assim, o produtor deve ficar atento para o fluxo de alimento nas suas colméias.

Devido à sazonalidade na disponibilidade dos recursos naturais e dos problemas encontrados com a deficiência de nutrientes nas colônias, existe a necessidade de se fornecer alimentação alternativa no período da entressafra. Essa alimentação suplementar, além de evitar a desnutrição e o estresse, auxilia na prevenção de doenças e ataques de inimigos naturais.

Assim, é importante responder alguns questionamentos, quando se fala em nutrição/alimentação de abelhas: o que as abelhas comem; qual a composição nutricional deste alimento; e pode-se imitá-lo (substituí-lo)?

As respostas que se apresentam são, respectivamente, néctar e pólen (e geléia real para larvas e rainha); será discutido na seqüência; e, sim, pode-se imitá-lo e mesmo substituí-lo.

Conhecendo o néctar

Sabe-se, na atualidade, que o néctar é primariamente uma solução energética, composta de água e açúcares (sacarose, frutose, glicose). Mas não é só isso: trata-se de uma solução energética devidamente temperada... A proporção dos diferentes tipos de açúcar, a concentração de cada um deles e a quantidade total de néctar são algumas das características que variam de acordo com a espécie de planta (Baker e Baker, 1983).

Flores com néctar rico em sacarose, por exemplo, atraem principalmente abelhas, mariposas, borboletas e aves, enquanto flores com néctar rico em frutose ou glicose atraem outras espécies de abelhas e moscas. A concentração de açúcares (i.e., a quantidade de açúcar presente por unidade de volume de água) determina a viscosidade do néctar e isso também influencia a identidade dos visitantes. Abelhas, por exemplo, preferem néctar mais viscoso, enquanto borboletas e beija-flores preferem néctar mais aquoso. Por sua vez, a quantidade de néctar influencia tanto a identidade como o tamanho dos visitantes. Como regra geral, flores que produzem grandes quantidades de néctar atraem os polinizadores de maior porte.

Além de açúcares, sabe-se agora que o néctar contém também uma rica e variada gama de substâncias químicas, como aminoácidos, proteínas, lipídios, antioxidantes, minerais e vitaminas, além de algumas toxinas. Mas ainda sabe-se relativamente pouco sobre o papel dessas substâncias e suas implicações na polinização. Os aminoácidos, por exemplo, parecem ser importantes como complemento alimentar para animais que necessitam de uma dieta rica em proteínas, como é o caso de borboletas e moscas. Os antioxidantes podem estar presentes a fim de evitar a oxidação e, conseqüentemente, a degradação de outros componentes importantes do néctar. Por sua vez, alguns tipos de proteínas parecem agir na proteção da flor contra o ataque de fungos.

Mas como explicar a presença de substâncias tóxicas no néctar: afinal, por que adicionar toxinas na composição química de um líquido produzido para funcionar como atrativo? Uma explicação plausível, seria a seguinte: a presença de substâncias tóxicas, como ocorre no néctar das flores da datura (Datura, Solanaceae) e do rododendro (Rhododendron, Ericaceae), é um modo de evitar a ação de pilhadores oportunistas. Isso também ocorre com as flores da catalpa (Catalpa speciosa, Bignoniaceae), cujo néctar é rico em toxinas que inibem a ação de formigas nectarívoras, embora essas mesmas substâncias não façam qualquer mal aos legítimos polinizadores.

Para finalizar, um breve comentário antropocêntrico: a presença de algumas dessas outras substâncias no néctar (além de água e açúcar) é responsável pelas diferenças que possibilita aos seres humanos, perceber o sabor e a cor do mel.

E o pólen

O pólen apícola, por sua vez, é diferente do pólen das plantas porque a abelha aglutina-o com a saliva, para que possa ser fixado nas corbículas (cestas das patas traseiras) e transportado para a colméia. Como a saliva da abelha é rica em enzimas, aminoácidos e vitaminas, o pólen possui uma riqueza infinita de minerais, proteínas e fibras vegetais, logo resulta num produto de alto valor nutritivo (LENGLER, 2000a/b).

A coleta de pólen é grandemente influenciada pelas necessidades da colônia (HEITHAUS, 1979; JANZEN, 1980). A quantidade de pólen colhido por uma colônia, exemplificadamente, de Apis mellifera. depende da quantidade de operárias forrageiras e da cria (ovos - larvas) presente nesta colônia, sendo que as duas variáveis dependem do tamanho da colônia. A cria (ovos, larva e pupas) estimula a colheita de recursos alimentares em geral e pólen em particular (FREE & PRECE, 1969). Após sua coleta, o pólen é transportado para a colônia onde é estocado, sofrendo alterações químicas devido a processos fermentativos, permitindo com isso uma melhor assimilação dos nutrientes pré-digeridos (MACHADO, 1971) e melhor preservação do alimento estocado.

Nem todos os grãos de pólen têm igual valor nutritivo para as abelhas, pois eles diferem em sua composição química de planta para planta. Abelhas alimentadas com determinados tipos de pólen desenvolvem-se mais rapidamente do que com outros tipos (STANDIFER, 1967), pois cada pólen tem uma quantidade diferente de vitaminas, proteínas, carboidratos, minerais, açúcares. Em determinação bromatológica e mineral do pólen coletado por A. mellifera no Brasil (Botucatu), no período de agosto a novembro de 1996, Funari et al. (2003) encontraram 75,9% de matéria seca, na qual: 26,2% de proteína bruta; 25,5% de carboidratos; 11% aminoácidos livres; 7,1% de lipídeos; 3,1% de fibra bruta; e 3,0% de minerais (destacando-se: fósforo, potássio, cálcio, magnésio, enxofre, ferro, zinco, cobre, manganês e o boro).

Partindo destes conhecimentos

A alimentação energética para as abelhas constitui bem menos problema do que a protéica, haja vista que uma simples mistura de água e açúcar (sacarose) é suficiente para proporcionar a energia necessária às colônias, podendo esta mistura variar de 3:1 a, 1:3, respectivamente, em função dos objetivos do criador (SOUSA, 2004).

Esta alternativa, no entanto, eleva os custos devido à aquisição do açúcar, preparo do xarope e mão-de-obra.

O alimento artificial pode ser de subsistência ou estimulante. O primeiro visando saciar as necessidades das abelhas no período de carência. O alimento estimulante visa aumentar a postura da rainha e até mesmo como remédio.

As abelhas necessitam de dez aminoácidos essenciais: arginina, histidina, lisina, triptofano, felinanima, metionina, treonina, leucina, isoleucina e vanila, os quais são todos obtidos do pólen. Uma dieta deficiente em qualquer um destes aminoácidos pode gerar sintomas específicos de deficiência, uma vez que as abelhas não poderão sintetizar as proteínas que os contenham (HAYDAK, 1970).

Por conseguinte, necessário ater-se, quando da formulação de rações, particularmente as protéicas, observar o teor mínimo de 25% de proteína bruta e a presença, livre ou integralizada na proteína, dos aminoácidos supra citados.

Outro aspecto fundamental está no uso de aditivos, considerando conservantes no xarope - destacando-se o Benzoato de Sódio2, o Sorbato de Potássio3 e o Propionato de Cálcio ou de Sódio4. De forma geral, Benzoatos são mais eficazes contra leveduras e bactérias e menos eficazes para fungos enquanto os Sorbatos são mais eficazes como conservante contra leveduras e fungos, sendo menos eficiente contra bactérias.

Em rações protéicas, preconiza-se o uso de patabilizantes que aumentem a possibilidade de seu consumo e uma destas possibilidades, seria a substituição do ingrediente de menos proteína (normalmente farinha de trigo, ou amido de milho) por açúcar de baunilha. Porém, o fluxo de pólen de qualquer natureza, determina o abandono do consumo da ração protéica, salvo se estiver combinada com algum carboidrato como mel ou melado; porém, uma alternativa encontra-se no uso de ração em pó diretamente fornecida em favo do ninho.

Bibliografia de referência

BAKER, H.G.; BAKER, I. A brief historical review of the chemistry of floral nectar. In: BENTLEY, B.; ELIAS, T. (eds.). The biology of nectaries. NY, Columbia University Press. 1983.

FRANCO, A.A. de. História econômica do Brasil. Salvador: Imprensa Vitória, 1958. 247p.

FREE, J. B.; PRECE, D. A. The effect of the size of a honeybee colony on its foraging activity. Insectes Soc., Paris, v.16, n.1, p.73-78, 1969.

FUNARI, S.R.C. et al. Composições bromatológica e mineral do pólen coletado por abelhas africanizadas (Apis mellifera L.) em Botucatu, Estado de São Paulo, Brasil. Archivos Latinoamericanos de Producción Animal, v.11, n.2, p.88-93, 2003.

HAYDAK, M.H. Honey bee nutrition. Annual Review of Entomology, v.15, p.143-153, 1970.

HEITHAUS, E. R. Flower visitation records and resource overlap of bees and wasps in northwest Costa Rica. Brenesia, v.16, p.9-52, 1979.

JANZEN, D. H. Ecologia vegetal nos trópicos. São Paulo: EDUSP, 1980. 79p.

LENGLER, Silvio. Alimentação artificial de abelhas. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE APICULTURA, 13, 2000, Florianópolis. Anais... Florianópolis: UFSC, 2000a.

LENGLER, Silvio. Alimentação das abelhas. In: XIII Congresso Brasileiro de Apicultura. 2000b. Disponível no CD Anais dos Congressos, Seminários e Encontros de Apicultura. Porto Alegre: UFRGS/FARGS/CBA, 3ed. 2005.

MACHADO, J.O. Simbiose entre as abelhas sociais brasileiras (Meliponinae, Apidae) e uma espécie de bactéria. Ciência e Cultura, v.23, p.625-33, 1971.

SOUSA, D.C. Importância socioeconômica da Apicultura: manual do agente de desenvolvimento rural. Brasília: Sebrae, Cap. 4. p.35-41, 2004.

STANDIFER, L. N. Honeybee nutrition. Beekceping in the United State. U. S. Dept. Agr. Handbook, 335. 147p., 1967.

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