Artigo

Queda da Qualidade do Mel Fluminense.
Produtores & Legislação, precisam mudar!

Profa Maria Cristina Lorenzon (I Zootecnia, DPA-UFRRJ)1, Prof Carlos Rocha Rosa2 (I Veterinária-UFRRJ), Prof Wagner Tassinari3 (I Ciências Exatas-UFRRJ), Profa Rosane Nora Castro3 (I Ciências Exatas-UFRRJ), João Soares Neto (SEAPPA)1, Dra Kelly M Keller2 (I Veterinária-UFRRJ), Luiza D'Oliveira Sant'Ana4 (I Ciências Exatas-UFRRJ), Michele Valadares Deveza2 (I Veterinária-UFRRJ), Juliana P de Mello Sousa4 (I Ciências Exatas-UFRRJ), Adriano Koshiyama3 (I Ciências Exatas-UFRRJ), Catherine Torres de Almeida3 (I Ciências Exatas-UFRRJ)

1 - Laboratório Abelha-Natureza
2 - Núcleo de Pesquisas Micológicas e Micotoxicológicas;
3 - Departamento de Matemática
4 - Departamento de Química

1.Resumo

Para se avaliar a qualidade dos produtos da criação de abelhas o mel no estado do Rio de Janeiro foi desenvolvido um trabalho em conjunto com a Superintendência de Defesa Agropecuária, para se desenvolver um Indicador de Desempenho Apícola (IDApi). Tal indicador possibilita um monitoramento da tecnologia apícola na criação de abelhas, envolvendo todas as suas temáticas e cifras de produção. As análises físico-químicas de rotina (HMF, acidez e umidade) foram realizadas em 100 amostras de méis de diversas regiões do estado, bem como as análises microbiológicas, atestaram a qualidade do produto e as principais causas de sua reprovacao. A análise de substâncias orgânicas do mel (anti-oxidantes) visa atestar o valor do produto como alimento funcional. Houve reprodução dos produtos apícolas nas analises físico-quimicas, mas foi alta a contaminação microbiológica que podem estar diretamente ligadas ao baixo IDApi, atrelada aos déficits tecnológicos no manejo das criações.

Palavras-chave: mel, desempenho, Apicultura, controle de qualidade

2.Abstract

With the aim to evaluate the quality of honey production in the state of Rio de Janeiro, it was developed a cooperative work with the Agropecuary Defence Superintendency, which made it possible to develop a Apicultural Performance Indicator (IDApi). This indicator based on field observations realized in the field, could map the most critical quality parameters in the state, such as the major causes of loss in apiaries. The realized routine analysis made with the a hundred honey samples collected in different parts of the state (HMF, acidity and humidity), as well as microbiological analysis, could evaluate the contamination of the samples and to outline their most common causes of reprobation. It was also evaluated the anti-oxidant activity, which could confirm honey's performance as a functional food. Some samples were reprobated in the physico-chemical tests, but compared with the contamination tests the last one were much higher, it can be directly related to the low IDApi obtained for some of the most important quality requirements on the management of apiaries.

Keywords: honey, performance, beekeeping, quality evaluate

3.Introdução

A Apicultura se destaca como uma boa alternativa do agronegócio para pequenos produtores rurais. Muitas regiões estão se desenvolvendo às expensas desta atividade rural, mas, este segmento ainda é carente de assistência técnica para alcançar boas cifras de produtividade.

O segmento apícola fluminense é um dos mais antigos do Brasil e em sua época de apogeu fomentou esta atividade por décadas por todo o País. Segundo o Censo Apícola Fluminense de 2006 publicado por LORENZON et al. (2008), atualmente esta atividade apresenta dados que evidenciam índices de produção abaixo de médias aceitáveis e pesquisas vêm alertando sobre vários aspectos de sua estrutura, que necessitam se renovar. Dentre eles, a sanidade apícola é o de maior desafio, acarretando prejuízos consideráveis aos apicultores, além de provocar abandono da atividade e desestímulo aos iniciantes.

Para tratar de questões que envolvem a sanidade apícola e da defesa sanitária junto ao produtor e ao consumidor, a Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) estruturou um projeto contemplado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq, que reuniu um grupo multidisciplinar de cientistas e técnicos, para realizar pesquisas e atividades de extensão. Os trabalhos visam avaliar os déficits do segmento apícola fluminense, elencar os fatores de impactos tecnológico, ambiental, social e econômico de modo a favorecer as ações da Defesa Agropecuária no estado do Rio de Janeiro, no sentido de reverter o quadro de improdutividade da cadeia apícola que vem afetando a qualidade dos seus produtos.

O foco do estudo gira em torno da enfermidade, a Cria Ensacada Brasileira (CEB). A CEB é uma enfermidade das crias de abelhas que afeta várias regiões brasileiras. No estado do Rio, esta doença apresenta perdas acima de 80% em mais de 22 municípios e a etiologia desta doença não se deve ao consumo de pólen pelas abelhas do pólen das flores da árvore conhecida como barbatimão (Stryphnodendron polyphyllum e S. adstringens), como vem ocorrendo no estado de Minas Gerais.

A alta ocorrência desta enfermidade no estado do Rio pode ter como agravante a falta de higiene e cuidados com os enxames. Para avaliar o uso da tecnologia apícola, a pesquisa criou o Indicador de Desempenho Apícola (IDApi), modelo estatístico que permite analisar através de escores, a situação de cada apicultor e da apicultura como um todo. Paralelamente, avaliou a qualidade do mel e do pólen do comércio fluminense.

4.Material e Métodos

Para organizar o IDApi Fluminense, a UFRRJ firmou uma parceria com a Superintendência de Defesa Agropecuária através da Coordenadoria de Defesa Sanitária Animal da Secretaria de Agricultura, Pecuária, Pesca e Abastecimento (SEAPPA), que possibilitou o treinamento e a atualização dos seus técnicos em Apicultura. Em 2009, técnicos dos 27 Núcleos da Defesa Agropecuária (NDA's) foram mobilizados para efetuarem cadastramentos de apicultores pelo estado, que apresentavam altas e perdas aceitáveis na atividade apícola. Este trabalhou consistiu de entrevistas e inspeção das propriedades quanto a: i) identificação e caracterização do apicultor e de sua instalação e ii) critérios sobre a origem dos enxames, do manejo e da produção. O preparo dos técnicos dos NDA'S foi fundamental para garantir o cadastramento dos apicultores e a inspeção de seu negócio. Antes do treinamento dos técnicos, o conhecimento sobre Apicultura era elementar.

Paralelamente foram realizadas análises de méis e pólen de abelhas melíferas e de seus compostos, a partir da compra destes produtos nos principais pontos comerciais do Estado e em pontos de venda próximos aos apicultores. Foram adquiridas 100 amostras de méis e 22 de pólen apícola.

As amostras foram submetidas às análises físico-químicas que obedeceram às normas descritas no Regulamento Técnico de Identidade e Qualidade do mel (Legislação Brasileira Vigente, Ministério da Agricultura e Abastecimento (BRASIL, 2000) e o Codex Alimentarius (1981) e às análises microbiológicas. Ambas permitem atestar sobre a qualidade destes produtos. A atividade antioxidante destes méis também foi avaliada segundo o método de captura do redical 2,2-difenil-1-picrilhidrazil (DPPH) segundo metodologia descrita por PÉREZ et al. (2007).

5.Resultados e Discussão

O cadastramento realizado neste trabalho reuniu cerca de 401 apicultores de 41 municípios, revelou altas perdas nos apiários e sua principal causa é a prevalência de doenças (33%). Considera-se que este porcentual está superestimado, já que foram inclusos muitos apicultores com altas perdas, inclusive aqueles (49%) que afirmaram não ter doenças em seus apiários, mas reconhecem que não sabem identificar as doenças das abelhas.

O IDApi foi montado a partir de 262 variáveis e estratificou os produtores nas categorias de FRACO, com escores variando entre zero a 5,0, REGULAR, de 5,1 a 7,0 e SATISFATÓRIO, entre 7,1 a 10. Este indicador revelou que 81% dos produtores estão bem abaixo das expectativas de conduzir uma criação satisfatória o que revela as dificuldades do setor de se adequar as recomendações tecnológicas, em especial aquelas associadas às boas práticas.

Sobre a temática Instalação de Apiários, o IDApi se mostra baixo (6,9): os 43% dos apicultores entrevistados considerados fracos apresentaram erros básicos na formação da área de criação, como: uso de cavaletes coletivos, apiários dentro de matas, alto número de colmeias por apiário, proximidade com criações, falta de telhado sobre as caixas e uso de caixas fora do padrão recomendado (Figura 1). Este quadro de irregularidades predispõe ações de Defesa Agropecuária, concomitante com assistência técnica direcionada para reverter as cifras de improdutividade que são geradas pelo baixo grau do uso tecnológico.


Figura 1 - Índice de Desempenho Apícola nos diversos municípios do Estado do Rio de Janeiro (número de apicultores=401). 2009.

Figura 2 - Vista geral de apiários com condições de baixo e de grau satisfatório no uso da tecnologia apícola. ERJ


O projeto realizou também um ensaio como estudo de caso em campo, em algumas regiões que tem sido alvo da principal doença de abelhas que assolam os apicultores fluminenses, a CEB. Houve alta freqüência de espécies de fungos entomopatogênicos para as crias (larvas) e seus alimentos (mel e pólen). Diversas das cepas isoladas foram capazes de produzir toxinas em condições in vitro. A dominância de fungos foi evidente, ao se comparar com a de bactérias.

Resultados mostram que a maioria dos apicultores comercializa seus produtos de forma clandestina. Das amostras adquiridas no comércio, 22% apresentam SIF, 15% SIE, 1% SIM e 63% sem selo de inspeção. Ressalta-se que não há laboratórios credenciados oficialmente para análises de qualidade dos produtos apícolas para atender a Secretaria de Estado de Agricultura, Pecuária, Pesca e Abastecimento - SEAPPA e aos apicultores, o que dificulta o controle destes produtos, pelo próprio órgão fiscalizador, o Serviço de Inspeção Estadual (SIE).

Ao se comparar as análises físico-químicas e microbiológicas verificam-se resultados discordantes, assinalando que as microbiológicas são as mais efetivas para atestar a qualidade de méis, além de serem as mais simples e as de custo mais baixo nas análises. No entanto, as análises microbiológicas foram revogadas pela Legislação do MAPA e da ANVISA. Rotineiramente, as análises físico-químicas são utilizadas no controle de qualidade dos produtos apícolas, dentre elas destacam-se as que reprovam como Acidez e HMF, que nos resultados obtidos neste projeto são passíveis de críticas. Amostras com teor de 5-hidroximetilfurfural (HMF) acima de 60 mg.kg-1, reprovadas pela legislação, são eventualmente amostras de méis com alta atividade anti-oxidante. A reprovação por acidez pode muitas vezes indicar alta atividade microbiológica, sendo inclusive imposto o limite de 50 meq.kg-1 pela legislação como um possível indicativo de fermentação.

A pesquisa revela que as análises físico-químicas aprovaram 66% das 100 amostras de méis analisadas (para os teores de HMF, Acidez e Umidade). As mesmas amostras, submetidas às análises micotoxicológicas indicam que apenas 25% dos méis estão de acordo com os padrões legais vigentes (PORTARIA SVS/MS nº 451, de 19/09/97), 11% estão em condições higiênico-sanitárias insatisfatórias e 64% impróprias para consumo humano direto. Aspergillus e Penicillium foram os fungos mais freqüentes nos méis e só de Penicillium foram isoladas 23 espécies. Destaca-se que 30% das cepas de Aspergillus flavus foram capazes de produzir micotoxinas.

Nas amostras comerciais de pólen apícola, o quadro não foi menos preocupante, apenas 10% das amostras apresentaram-se de acordo com os padrões legais (PORTARIA SVS/MS nº 451, de 19/09/97), 40% estavam em condições higiênico-sanitárias insatisfatórias e 50% estavam impróprias para consumo humano direto. Aspergillus foi o mais isolado (82%) e Aspergillus niger é o mais freqüente. Um percentual de 20% das cepas de A. flavus isoladas mostraram-se altamente aflotoxígenas.

É inaceitável que produtos tão nobres, reconhecidos como alimentos funcionais, alcancem resultados indesejáveis por problemas de manipulação. Enfatiza-se que as análises orgânicas mostram que o méis fluminenses tem apresentado amostras com alta atividade anti-oxidante, por vezes maior do que méis de origem européia.

Ressalta-se que a contaminação microbiológica é um fiel indicador da Higiene durante todas as etapas da cadeia produtiva, sendo a mais recomendável para uma análise mais apurada das condições tecnológicas da criação.

Curioso nestes resultados é a supremacia das contaminações por fungos e micotoxinas sobre as bactérias nos méis comerciais, resultado similar ao que ocorre nas regiões atingidas por enfermidade de abelhas (CEB).

Este quadro de avaliações mostra que as ações da Defesa Agroecuária tem sido insuficientes para atender a Apicultura Fluminense, no que tange à produção qualitativa de alimentos e, ao controle sanitário dos apiários. O segmento apícola requer inspeção de seus produtos para garantir o seu controle de qualidade. O âmbito do campo da defesa reconhece-se que é amplo, mas há necessidade que seu corpo técnico tenha maior preparo para efetivar suas ações no controle sanitário, através do trânsito animal, do cadastramento de produtores, de ações educativas, de inspeção sanitária e de ações de fiscalização das criações, segundo as normas estabelecidas pelos órgãos competentes. Por outro lado, as entidades de classe apícolas necessitam se fortalecer e se imbuir dos preceitos cooperativistas para alcançar o perfil do agro negócio apícola para melhor atender o consumidor.

6.Conclusões

Ainda não há qualquer subsídio para auxiliar produtores que amargam prejuízos pela perda de sua criação e perda da qualidade de seus produtos, o que retrai a classe apícola e propicia a clandestinidade. Há urgência de investimentos para os produtores e para pesquisas. Considera-se que a integração Centros de Pesquisa e Defesa Sanitária possam auxiliar estas ações. Finalmente, urge a modificação dos parâmetros físico-quimicos de qualidade vigentes na legislação brasileira para os nossos méis, uma vez que não se utilizam parâmetros microbiológicos, bem como os índices de tolerância (como, por exemplo, o de HMF) que devem ser revistos.

7.Referências Bibliográficas

BRASIL. Instrução Normativa n° 11, de 20 de outubro de 2000. Regulamento Técnico de Identidade e Qualidade do Mel (Anexo), 2000. Disponível em: . Acesso em 01/01/2010.

CARVALHO, A. C. P. Pólen de Stryphnodendron polyphyllum como agente causador da cria ensacada brasileira em Apis mellifera L. 1998. 60p. Dissertação (Mestrado em Entomologia) - Universidade Federal de Viçosa, Viçosa, 1998.

CODEX STANDARD. Codex Standard for Honey (CODEX STAN. 12-1981), 1981. Disponível em: Acesso em 07/06/2010.

PÉREZ, R. A.; IGLESIAS, M. T.; PUEYO, E.; GONZÁLEZ, M.; LORENZO, C. Amino Acid Composition and Antioxidant Capacity of Spanish Honeys. Journal of Agricultural and Food Chemistry, 55, p. 360-365, 2007.

LORENZON, M. C. A.; GONÇALVES, E..G. B.; PEIXOTO, E L T. Censo Apícola 2006. Análise Conjuntural. Rio de Janeiro: SESCOOP-RJ, 2008. 10 p.

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