Artigo

Perspectivas da Produção Melífera Brasileira

Adriano Soares Koshiyama - Graduando em Ciências Econômicas - ICHS/UFRRJ
Wagner de Souza Tassinari - Prof. Dr. do DEMAT ICE/UFRRJ
Maria Cristina Affonso Lorenzon - Profa. Dra. do DPA IZ/UFRRJ

Resumo

Este artigo apresenta ao leitor um panorama, tanto presente e futuro, da produção melífera do Brasil. Estudamos a produção do período de 1974 a 2009, mas com maior enfase aos anos recentes. Objetivamos compreender, seja nível nacional e regional, algumas inversões e mudanças nessa estrutura produtiva, e através de métodos empíricos, gerar perspectivas futuras e servir este estudo como um diagnóstico futuro da produção de mel do Brasil.

Introdução

Atualmente, a apicultura brasileira vivencia vertiginoso crescimento, fomentado principalmente pelas exportações e melhoria do mercado interno. Considera-se que o crescimento está aquém do potencial, ao se reportar o excelente desempenho das abelhas africanizadas e de sua alta resistência às doenças, conforme ressalta Gonçalves (1994); ao baixo consumo de mel per capita brasileiro (100 gramas/hab.), segundo a FAO (2008); e pelo significativo crescimento da indústria apícola, enaltecida pela variabilidade e qualidade tecnológica (Gonçalves, 2000).

Antes de 2000, o setor apícola brasileiro se restringia ao comércio interno com uma produção estimada em 19 mil toneladas de mel registrada em 1999. A partir de 2000, com a abertura do mercado mundial para os produtos apícolas brasileiros, a produção de mel mais que duplicou ao atingir a cifra estimada de 50 mil toneladas anuais em 2010, alçando o Brasil como o 11º produtor no ranking mundial e como quinto maior exportador (BRASIL, 2011; FAO 2008). Porém, em diversas regiões tem-se verificado declínio na produção apícola, devido às deficiências tecnológicas e incorporação de técnicas inovativas, que retraem o avanço da apicultura.

A apresentação que se segue trata do comportamento da produção de mel brasileira e de previsões em torno de técnicas de séries temporais, revelada por meio de décadas de produção pós africanização.

Metodologia

Os dados foram obtidos na pesquisa pecuária municipal, realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2009). Esta pesquisa compreendeu o período entre 1974 e 2009, onde foram extraídos dados da produção de mel em quilogramas, de diversas regiões brasileiras. Os dados de 2010 não foram usados, por não estarem disponíveis pelo IBGE.

Para se avaliar a série temporal utilizaram-se as técnicas de decomposição para se obter os ciclos de contração e de expansão da produção de mel. Conforme Montgomery et al. (1990), foram feitas previsões com o modelo de Holt, sobre a produção do mel dentro do contexto da apicultura brasileira. Todas as análises foram desenvolvidas no pacote estatístico R (R Development Core Team, 2011).

Resultados e Discussão

Reportando-se ao período de 1974 a 1984, observa-se que a produção melífera brasileira crescia intermitentemente (fig. 1), que sob a ótica da conjuntura econômica, está relacionada à instabilidade econômica (aceleração inflacionária, entraves políticos, entre outros). Alia-se aos fatores de contração, a ação negativa das barreiras comerciais sobre às importações de mel, que ao fazer reservas de mercado para proteger os produtos nacionais, inviabilizou o crescimento do consumo interno, frente às novas demandas.

Além do cenário econômico conturbado, é nesse período que a africanização mostra seus resultados decisivos que mudaria o rumo da apicultura brasileira. Esse processo que se iniciou na década de 50 prejudicou inicialmente ambos os lados, produtores e pesquisadores, devido as altas perdas e por não saberem se optavam pela destruição ou, controle. Neste período, que envolveu a invasão e procriação da abelha híbrida africanizada, houve muitos acidentes com mortes, em tal grandeza que foi considerada por décadas uma abelha assassina e abalou a imagem nacional da apicultura (Van Tol Filho, 1964; Taylor Jr., 1977; Rangel, 2006).

Criou-se um cenário de desestímulo na apicultura brasileira, que só voltou a ser destaque graças a abordagem de Wiese (1985), com a obra chamada de Nova Apicultura, ao incentivar estudos e novos técnicas de manejo para que os apicultores retomassem o crescimento e o desenvolvimento da apicultura. Este último fato torna-se visível na figura 1.


Figura 1. Produção de mel em toneladas do Brasil. Brasil. 2010. IBGE, 2010

Figura 2. Ciclo da produção de mel brasileira entre 1974 e 2010. Brasil. 2010. IBGE, 2010.

Figura 3. Participação das regiões brasileiras na produção total de mel. Brasil. 2010. IBGE, 2009.


O crescimento foi tão significativo, que entre 1986 e 2006, a produção de mel atinge taxas anuais de 10,42% em média, gerada principalmente após a estabilidade econômica pós 1994 e a abertura do mercado internacional dos produtos apícolas brasileiros em 2000.

A partir de 2006, o crescimento volta a se retrair e revela uma desaceleração vertiginosa, deflagrada por taxas médias anuais de 1,01%, entre 2006 a 2009. É contrastante ao se comparar com o período anterior: entre 1994 e 2006, o preço médio do mel pago ao produtor era de R$ 4,03/kg, enquanto entre 2006 e 2009 alcançou R$ 5,20/kg (Koshiyama et al., 2010). Nesta trajetória da produção, não há baixas na rentabilidade do apicultor, logo a queda da produção está associada a outros fatores endógenos, como perdas de colmeias, esgotamento de recursos naturais, deficiência tecnológica, entre outros.

Na análise panorâmica apícola, o Brasil mostra ter sofrido quatro ciclos na produção de mel (fig. 2). O primeiro ocorreu antes de 1974, quando a apicultura ainda era subsistente. O segundo ciclo ocorreu entre 1974 e 1983, a apicultura decai 85% de sua capacidade, devido à intensificação da africanização. No terceiro ciclo pós 1985 houve a retomada do crescimento da produção melífera, Finalmente, o quarto ciclo, a partir de 2001, a atividade passa a trabalhar além de sua capacidade, para atender às demandas interna e externa, principalmente entre 2002 e 2004.

No âmbito regional (fig. 3) é relevante analisar o efeito da intensificação da africanização de 1974 a 1984. Até 1980, as regiões que mais padeceram foram a Sul e a Sudeste, a tal ponto que a região Nordeste quase ultrapassou o Sul na produção nacional em 1980. Após 1980, a região Nordeste inicia um processo de contração produtiva, que somente termina 1993 ao atingir 8% da participação nacional. Após 1985, a região Sudeste e principalmente a Sul, retomam o crescimento. È visível que os efeitos das pesquisas com as abelhas africanizadas se disseminaram mais nessas duas regiões, deixando na margem a região Nordeste.

Recentemente (após 2010), observa-se que a região Sul, que é de longa data a maior produtora de mel nacional, pode perder seu espaço para a região Nordeste, segundo as previsões, especialmente representada pelos estados do Ceará e do Piauí. Ressalta-se que, mesmo que a região Nordeste assuma a primeira posição no cenário nacional, o maior estado produtor ainda será o Rio Grande do Sul, apesar de reduzir sua participação.

A região Norte mostra ascensão e deve ocupar a quarta posição no ranking nacional, visto que a Centro-Oeste entra em declínio produtivo. Mas, o reflexo produtivo da região Norte não será evidente sobre a produção nacional; atualmente, a participação de ambas as regiões não alcança 5% do total.

O panorama da região Sudeste revela-se o mais preocupante por mostrar a atividade apícola à margem da plena estagnação, reflexo do pífio crescimento pós 2006. Urge que esta região reestruture o ciclo de produção apícola, pela promoção de técnicas modernas e por avanços em sua macroeconomia a partir da inserção de políticas cooperativas.

Resumidamente, observa-se que a maioria das regiões assinala cenários de contração produtiva para um futuro bem próximo. Esta previsão, de estreitamento da produção de mel em algumas regiões, advém da evasão dos apicultores imposta pela tendência de baixa de preços, que desfavorece a produção e a sua manutenção nos mercados. Como qualquer agronegócio, a apicultura visa à rentabilidade para o sustento de seus produtores e, o principal determinante da lucratividade, ainda é o preço do mel. Somente através da intensificação do cooperativismo real, será possível o apicultor receber o valor digno do seu trabalho, além da redução dos custos.

Conclusão

A apicultura brasileira deve manter a atual conjuntura de crescimento e procurar políticas e medidas em curto e longo prazos que visem a produtividade. O mercado interno necessita ser conquistado pela oferta de produtos de qualidade, para então, dar um passo para o mercado externo. Onde há qualidade, há bons preços. O consumidor brasileiro vem ampliando suas exigências pela qualidade dos produtos e na busca por produtos orgânicos e os produtores devem atender estas demandas para a sua manutenção. Deve-se louvar iniciativas pioneiras, como a do Rio de Janeiro que reuniu esforços entre a Universidade e a Defesa Agropecuária e, mais recentemente a do Paraná, para garantir o controle de qualidade. A relação entre produtor com o poder público permite balizar e direcionar para a relação produtor-consumidor, que deve ser conduzida dentro de princípios básicos fundamentais, espelhando-se sempre na estrutura produtora das abelhas, que é o exemplo clássico de organização, higiene e produção.

O quinteto representado pelo ensino, pesquisa, fiscalização, controle e certificação, conduzem o mel brasileiro para a posição que sempre teve de representante da saúde. Complexamente simples como uma colmeia é uma questão de organização e método, simples e eficaz que devemos ter como referência e respeito à vida.

Bibliografia

BRASIL. Produção de Mel do Brasil em 2010. Disponível em: http://www.brasil.gov.br/noticias/arquivos/2011/03/2/producao-de-mel-cresce-30-em-2010. Acessado: 9 de Junho de 2011.

FAO (Food and Agriculture Organization) Faostat Database. 2008. Disponível em: http://www.faostat.fao.org.

GONÇALVES, L. S. A influência do comportamento de abelhas africanizadas na produção, capacidade de defesa e resistência às doenças. In: ENCONTRO SOBRE ABELHAS, 1, 1994, Ribeirão Preto, SP. Anais. Ribeirão Preto: Universidade de São Paulo, 1994. p.72-77.

GONÇALVES, L.S. Perspectivas da exploração da apicultura com abelhas africanizadas no contexto apícola mundial. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE APICULTURA, 13., 2000, Florianópolis, SC.

IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Pesquisa Pecuária Municipal de 2009, diversos anos. Disponível em: http://www.sidra.ibge.gov.br/bda/pesquisas/ppm/default.asp. Acessado: 9 de Junho de 2011.

KOSHIYAMA, A. S. ; CARVALHO, K. F. S. ; SOARES-NETO, J. ; LORENZON, M. C. A. e TASSINARI, W. S. Utilização de modelos econométricos espaciais aplicados ao estudo do preço do mel no Brasil. In: Simpósio de Pesquisa Operacional e Logística da Marinha, 2010, Rio de Janeiro. Anais do XIII SPOLM, 2010.

MONTGOMERY, D. C., JOHNSON, L. A. e GARDINER, J. S. Forecasting and Time Series Analysis, 2nd. Edition, New York, McGraw-Hill, 1990.

R DEVELOPMENT CORE TEAM. R: A language and environment for statistical computing. R Foundation for Statistical Computing, Vienna, Austria, 2011. ISBN 3-900051-07-0. URL http://www.R-project.org.

RANGEL, M. A. A história do setor de apicultura da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Monografia em Ciências Biológicas, 2006. 41p.

TAYLOR Jr., O. R. The past and possible future spread of africanized honeybees in the Americas. Bee World, 1977, 58: 19-30.

VAN TOL FILHO, P. L. Criação racional de abelhas. 7ª ed. Edições Melhoramentos, 1964, São Paulo. 164p.

WIESE, H. (Coord.). Nova Apicultura. Porto Alegre: Agropecuária, 1985. 493p.

Retorna à página anterior