Artigo

Própolis: Nosso tesouro

AUTORES: Michel Stórquio Belmiro, Yumi Oki e G. Wilson Fernandes
Laboratório de Ecologia Evolutiva e Biodiversidade, Dep. de Biologia Geral, Instituto de Ciências Biológicas, Universidade Federal de Minas Gerais.

Em tempos de pandemias respiratórias e epidemias sazonais, combatê-las com produtos naturais pode propiciar uma boa recuperação a um baixo custo. Dentre os produtos empregados com esse objetivo, a própolis vem se destacando mundialmente, em virtude de seu imenso potencial na prevenção e tratamento de diversas doenças desde um simples resfriado até o câncer.

A própolis é uma mistura complexa de aspecto pastoso formada por materiais resinosos e balsâmicos de origem vegetal, a qual é coletada por abelhas e modificada por meio de suas secreções salivares. As abelhas utilizam a própolis no reparo de frestas e danos na colmeia, o que auxilia na manutenção da temperatura interna, além de proteger contra a entrada de insetos e a proliferação de microrganismos. Esse fato serviu de inspiração para a palavra: em grego, "propolis" significa "em defesa da cidade" ou "em defesa da colmeia".

Esse produto é aproveitado pelo homem desde 350 a.C. Os gregos aplicavam-no em abscessos e os egípcios o empregavam em mumificação; romanos e incas tratavam ferimentos com ele. Já no século 18, a própolis foi comumente utilizada em vernizes como conservante de madeira, tanto que está presente em violinos produzidos por uma das mais famosas marcas desses instrumentos, a Stradivarius. Mas ela só viria a se tornar realmente popular na década de 1980, quando ganhou importância na medicina complementar. Atualmente são atribuídas à própolis muitas propriedades farmacológicas, como atividade antimicrobiana, antiviral, antitumoral, anti-inflamatória, anestésica, cicatrizante e antioxidante.

Conhecem-se diversos tipos desse produto. Só no Brasil existem 13, incluindo própolis verde, própolis vermelha, própolis marrom, própolis preta, própolis amarela e o geoprópolis. Esses são diferenciados pela cor, pelo odor e pela consistência. As características da propólis estão associadas à planta de origem e à espécie de abelha produtora.

Dentre os diversos tipos existentes, a própolis verde (muitas vezes chamada de própolis brasileira), produzida principalmente no Sudeste do País, é muito valorizada internacionalmente. Seu alto valor agregado supera até mesmo o preço do mel. De acordo com o levantamento do SEBRAE/UAGRO, o preço médio do quilo de mel em 2010 foi de US$ 2,95, enquanto o quilo da própolis foi vendido a US$ 87,21 no mesmo período. O maior importador da própolis verde é o Japão. No ano de 2010, 86% da própolis exportada pelo Brasil foi somente para o Japão. Em Tóquio, um frasco chega a custar US$ 150,00, enquanto no Brasil custa menos que três dólares. Essa supervalorização da própolis verde se explica, principalmente, por sua eficácia na inibição do crescimento de células tumorais devido à presença de substâncias como a artepilina C. Essa substância é utilizada como marcador químico de mensuração da qualidade da própolis verde.

Esse tesouro verde é proveniente da coleta, pelas abelhas comuns (Apis mellifera), das resinas dos brotos de um arbusto conhecido popularmente como alecrim-do-campo ou vassourinha (Baccharis dracunculifolia). O alecrim-do-campo é um arbusto frequente em pastagens abandonadas e em áreas de Cerrado e Mata Atlântica. Nas cidades, é muito comum encontrar esse vegetal em lotes vagos e lugares descampados, pois ele necessita de muita luminosidade para sobreviver. Na ecologia, é uma espécie-modelo para a região tropical em razão do grande número de estudos realizados.

O alecrim-do-campo está intimamente ligado à cultura popular. Utilizado na fabricação de vassouras, ele também figura em poesias, cantigas populares, simpatias e rituais de purificação no âmbito místico/religioso. Não obstante, muito tempo antes de ser conhecido como fonte botânica da própolis verde, esse arbusto já era largamente utilizado em diversas indicações: antibiótico, anti-inflamatório, antirreumático, diurético, cicatrizante, tônico e até mesmo anticonvulsivo.

Outra variedade tupiniquim de própolis vem chamando a atenção dos pesquisadores e empresários: a própolis vermelha. Foram identificadas nela novas substâncias com propriedades farmacológicas relacionadas a potenciais antitumorais, analgésicos, antimicrobianos e antioxidantes. Ela é originária do nordeste do país e pode chegar a um valor comercial seis vezes maior que a própolis verde. Essa própolis vermelha, produzida principalmente nos estados de Alagoas e Paraíba, é coletada dos caules de uma planta chamada popularmente de rabo-de-bugio (Dalbergia ecastophyllum) muito comum em estuários, mangues e regiões costeiras, devido sua preferência por ambientes salinos. A espécie de abelha responsável pela coleta dessa resina vermelha é a mesma produtora de própolis verde no Sudeste. A produção, porém, ainda é pequena tendo em vista seu alto valor comercial e farmacológico.

Existem cerca de 240 patentes de produtos derivados de própolis, muitas delas associadas a produtos dermatológicos, odontológicos, cosméticos, alimentos e remédios. É bem pouco, se considerarmos que a própolis é conhecida e utilizada há milênios.

Certamente, há um vasto campo a ser desvendado sobre as inúmeras variedades de própolis originárias da flora brasileira e de suas abelhas, além dos produtos delas derivados. Todo esse conhecimento proporcionará um amplo leque de benefícios para melhorar a qualidade de vida humana.


Figura 1. Propólis, o rico remédio da natureza. (Charge de Jackson Willer*)
A charge foi criada e concedida para publicação pelo cartunista Jackson Willer (jackson_willer@hotmail.com) aos autores

Figura 2.1 e Figura 2.2. Abelha-comum (Apis mellifera) coletando própolis verde de alecrim-do-campo (Baccharis dracunculifolia) (Fotos de Michel Stórquio Belmiro).

Figura 3: A própolis é uma mistura complexa de aspecto pastoso formada por materiais resinosos e balsâmicos de origem vegetal, a qual é coletada por abelhas e modificada por meio de suas secreções salivares


Produto promissor

De reconhecidas propriedades medicinais, conheça a seguir algumas das inúmeras descobertas que vendo sendo realizadas com a própolis, destacando a sua relevância em inúmeros tratamentos.

Efeitos antibacterianos - Em 2007 pesquisadores brasileiros investigaram as propriedades anti-inflamatórias e antibacterianas de um tipo de própolis maranhense (geoprópolis) no combate à cárie dentária, cujos fatores causadores incluem a bactéria Streptococcus mutans, que vive na boca humana. Essa geoprópolis é produzida por abelhas sem ferrão (Melipona fasciculata) a partir de resinas vegetais, ceras, barro ou terra. Durante sete dias, 41 voluntários lavaram a boca com uma solução de geoprópolis três vezes ao dia. Embora metade dos participantes não possuísse crescimento da S. mutans antes mesmo dos experimentos, houve redução significativa no crescimento bacteriano na outra metade dos participantes - um resultado que estimula estudos mais aprofundados.

Efeitos anti HIV - Em 2005, Genya Gekker e colaboradores testaram a atividade de extratos de própolis na infecção do vírus HIV, causador da Síndrome da Imunodeficiência Humana (AIDS). Esse vírus reproduz dentro de células específicas do sangue (Linfócitos T cd4+). Essa reprodução acaba por destruir essas células, fundamentais à resposta imunológica. Motivo o qual, portadores do vírus HIV possuem queda nas defesas imunológicas do corpo. Os testes realizados com os extratos de própolis de várias regiões dos EUA, Brasil e China em placas de cultura de células contendo Linfócitos T cd4+ demonstraram que todos os extratos inibiram o vírus HIV, principalmente, durante a entrada dos vírus nos linfócitos. O estudo também demonstrou que quando utilizaram os extratos de própolis juntamente com o antiviral AZT (tradicionalmente usado no tratamento da AIDS), os resultados foram melhores do que os dois separadamente. Esses resultados foram considerados bastante promissores, uma vez que o uso da própolis pode representar um efeito aditivo ao antiviral AZT atualmente utilizado na terapia antiviral contra o HIV.

Efeitos antileishmania - Em 2008, pesquisadores da faculdade de Ciências Farmacêuticas de Riberão Preto investigaram a atividade de extratos feitos de própolis verde contra um protozoário causador da Leishmaniose tegumentar americana (Leishmania (Viannia) braziliensis), a qual causa sérias lesões na pele e mucosas. A atividade da própolis foi comparada à atividade da Anfotericina B em culturas contendo células do parasita (teste in vitro). A atividade da própolis verde também foi comparada à atividade do Glucantime® em camundongos infectados com o protozoário (teste in vivo). Anfotericina B e Glucantime® são drogas utilizadas no tratamento da Leishmaniose. Nos testes in vitro, os extratos de própolis e anfotericina mostraram atividade semelhante contra a forma infectante (promastigota) do parasita. Nos testes em camundongos, os extratos de própolis mostraram serem mais eficazes na melhora das lesões do que o Glucantime®, principalmente quando a própolis foi administrada oralmente e no local da ferida (90% de decréscimo nas lesões). Esse resultado pode ter sido alcançado pela atividade contra o protozoário em combinação com os efeitos imunoestimulador, antibacteriano, cicatrizante e anti-inflamatório dos extratos. Contudo, mais estudos são necessários para identificar os compostos ativos da própolis e os seus potenciais no tratamento dessa grave doença.

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