Artigo

PERFIL DOS PRODUTORES DE MEL DE CACHOEIRA DO SUL-RS

Rosangela Lunardi1, Chaiane Leal Agne2, Alexandre Mercino Tolotti2, Augusto dos Santos Oliveira2, Rafael Gehrke2, Ricardo Frederico Skolaude2
1 Engenheira Agrônoma, Doutora, Professora Adjunta da Universidade Estadual do Rio Grande do Sul (UERGS), Unidade em Cachoeira do Sul. Endereço: Rua Sete de Setembro, 1040, Centro, Cachoeira do Sul, RS, CEP 96508-010. Endereço eletrônico: rolunardi@yahoo.com.br
2 Egressos do curso de Administração Rural e Agroindustrial, UERGS, Unidade em Cachoeira do Sul.
RESUMO

A atividade apícola é capaz de gerar vários impactos positivos, tanto sociais quanto econômicos, além de contribuir para a manutenção e preservação dos ecossistemas existentes. A cadeia produtiva da apicultura propicia a geração de empregos e renda, principalmente no ambiente da agricultura familiar, sendo, dessa forma, determinante na melhoria da qualidade de vida e fixação do homem no meio rural. Com base na relevante importância da apicultura, realizou-se um trabalho em conjunto com a Associação Cachoeirense de Apicultores (ACAPI) do município de Cachoeira do Sul com o objetivo de traçar o perfil dos produtores de mel. Para isso, utilizou-se um questionário semi-estruturado que foi aplicado a 30 produtores associados e não associados da ACAPI durante o segundo semestre de 2004. Observou-se que o apicultor cachoeirense é medianamente tecnificado. A maioria dos apicultores, associados ou não associados à ACAPI utilizam o modelo de colméias Langstroth (Americana). São produtores bastante organizados socialmente, onde grande parte deles pertence à ACAPI, e não têm a apicultura como o principal meio de renda; a atividade é mantida quase que totalmente por mão-de-obra familiar. Apesar de ser uma atividade tradicional e antiga, ainda são utilizadas técnicas artesanais. Entre os entraves à atividade, cita-se a presença de insetos nos apiários, dificuldades de comercialização do mel e falta de tempo para a realização das atividades apícolas, além de outros. A apicultura demonstrou-se como uma atividade viável e economicamente rentável se mantida em consórcio com outras culturas afins, merecendo destaque no desenvolvimento da agricultura familiar. No entanto, carece de maiores investimentos em modernização, sendo o associativismo o caminho mais curto para o desenvolvimento desses produtores e da região como um todo.

Palavras-chave: Apicultura, associativismo, agricultura familiar, desenvolvimento regional.

INTRODUÇÃO

O Brasil possui boas características de clima e a vegetação é ampla e variada para a exploração apícola, além de ter a presença da abelha africanizada, o que o torna um forte potencial para a produção desses produtos. Atualmente, o país é o 11º maior produtor apícola mundial. A cadeia produtiva envolve mais de 350 mil apicultores, além de gerar 450 mil ocupações no campo e 16 mil empregos diretos no setor industrial (CONFEDERAÇÃO BRASILEIRA DE APICULTURA, 2007). O estado do Rio Grande do Sul, por sua vez, é o maior produtor brasileiro, obtendo uma produção de 7.427.944 quilos em 2005 e, particularmente, o município de Cachoeira do Sul teve uma produção de 73.650 no mesmo ano (IBGE, 2007).

Com base nas características e nos números da apicultura, observa-se que esta se tornou um instrumento de inclusão econômica e alternativa de emprego e renda para pequenos produtores de mel, principalmente no ambiente da agricultura familiar, sendo, dessa forma, determinante na melhoria da qualidade de vida e fixação do homem no meio rural (CORRÊA, 2003). Alguns produtores de diferentes regiões do país já adotam a apicultura como sua principal fonte de renda familiar e decidiram investir cada dia mais nessa atividade. Além disso, o apiário não necessita de cuidados diários, permitindo que os apicultores tenham uma outra fonte de renda (BÖHLKE & PALMEIRA, 2006). No entanto, segundo o Sebrae [s.d.], a ocupação na apicultura deve ser exercida como a atividade econômica principal do indivíduo, pois ainda é vista, por muitos, como uma atividade secundária e paralela às suas atividades profissionais.

Entretanto, a apicultura é uma atividade que requer capacitação, gerenciamento de tecnologia e apoio governamental. Essa capacitação se refere à profissionalização do pequeno produtor, pois a qualificação e a especialização são fundamentais, para tornar o produto competitivo tanto no mercado regional e nacional como no mercado internacional (BÖHLKE & PALMEIRA, 2006). Para o Sebrae [s.d.], há a necessidade de ampliação do nível de profissionalização dos produtores apícolas, em todas as etapas da cadeia de produção e de comercialização.

Por outro lado, há a necessidade de desenvolvimento de uma cultura associativista/cooperativista entre os apicultores, já que muitos atuam de maneira isolada e não reconhecem ou simplesmente ignoram os benefícios oriundos dos esforços serem encaminhados em grupo, gerando uma grande expectativa em relação ao apoio e à atuação do Governo e outras entidades para o financiamento e sustentabilidade do setor (SEBRAE, [s.d.]; BÖHLKE & PALMEIRA, 2006).

O associativismo é apontado com destaque na melhoria da qualidade do produto, na expectativa de uma maior abrangência no mercado interno, na elevação da margem de lucro e descontos na compra de insumos. Destaca-se, portanto a importância da criação de pequenos empreendimentos rurais, os quais são viabilizados pela criação de associações ou cooperativas.

O presente trabalho teve como objetivo principal conhecer as características intrínsecas nos diversos segmentos do processo produtivo do mel de abelha produzido no município de Cachoeira do Sul/RS junto aos produtores, e os seus reflexos no contexto regional. Buscou-se, assim, identificar os problemas, projetar as demandas e revelar as oportunidades do agronegócio apícola.

MATERIAL E MÉTODOS

O trabalho foi realizado no município de Cachoeira do Sul/RS entre setembro e dezembro de 2004, através de levantamentos de dados primários e secundários junto aos apicultores. A amostra foi composta de 30 apicultores associados e não associados à Associação Cachoeirense de Apicultores (ACAPI). Buscou-se identificar as características que envolvem a produção de mel desde a origem (apiários), manejo, dificuldades/necessidades, entre outros.

As entrevistas foram realizadas com saídas a campo em busca de pessoas que praticassem a apicultura na região ou em regiões vizinhas, indiferentemente de serem ou não associadas da ACAPI. Para isso, utilizaram-se questionários previamente elaborados.


Figura 1 - Número de colméias por produtor, em porcentagem, representado por categorias (Categoria A: 1 a 10 colméias, Categoria B: 11 a 50 colméias, Categoria C: 51 a 200 colméias, Categoria D: 201 a 500 colméias, Categoria E: com 500 ou mais colméias) associado e não associado da Associação Cachoeirense de Apicultores (ACAPI).

Figura 2 - Número e tipos de colméias utilizadas pelos produtores de Cachoeira do Sul, associados e não-associados à Associação Cachoeirense de Apicultores (ACAPI).


RESULTADOS E DISCUSSÃO

O resultado obtido mostrou o panorama do setor apícola no município de Cachoeira do Sul/RS, englobando os aspectos sociais, econômicos, tecnológicos e ambientais, possibilitando o desenvolvimento de um diagnóstico deste setor perante o processo de desenvolvimento e otimização da atividade apícola.

A apicultura desenvolvida em Cachoeira do Sul é basicamente familiar (74%). Apenas 16% dos entrevistados afirmaram que necessitam de mão-de-obra temporária para períodos de safra. Observou-se que 24% dos apicultores entrevistados não possuem qualquer dificuldade para a realização das atividades apícolas em suas propriedades. A falta de condições financeiras, entretanto, interfere no aumento dessa atividade na opinião de 10% dos entrevistados, principalmente, no que se refere à comercialização do produto.

Os apicultores entrevistados apontaram como entraves à atividade, a presença de insetos nos apiários (19% das respostas), dificuldades de comercialização do mel e falta de tempo para a realização das atividades apícolas (14% das respostas). Além disso, existe a falta de pastagem apícola, desmatamento praticado por vizinhos, roubo e a necessidade de buscar informações sobre o manejo de apiários.

Quanto à quantidade de mel colhido pelos apicultores, observou-se que somente 10% dos entrevistados colheram acima de 20 kg de mel por colméia, 22% colheram de 12 a 20 kg por colméia, 23% dos apicultores colheram entre 8 a 12 kg de mel por colméia e 29% colheram menos de 8 kg de mel/colméia.

Com relação à avaliação da coleta do mel entre os apicultores associados à ACAPI e não associados observou-se praticamente a mesma porcentagem entre eles, sendo que os associados coletaram, em média, 14 Kg/colméia/ano, enquanto os não associados colheram, em média, 14,8 Kg/colméia/ano.

O processamento do mel no entreposto da ACAPI é realizado por 2/3 dos entrevistados e somente 9,68% desses processam todo o mel produzido na associação. No entanto, 45,16% dos entrevistados não informaram quanto mel processam na ACAPI.

A comercialização de todo o mel colhido é realizada por 42% dos apicultores. Uma parte da maioria restante (35%) está comprometida com o pagamento para terceiros, pois esses trabalham em sistema de arrendamento.

Os dados mostraram que 35,5% dos entrevistados exercem a atividade por vínculos de parceria ou arrendamento, por não possuírem propriedade própria. No entanto, aqueles que possuem propriedade, têm como outras fontes de renda atividades voltadas à agricultura, pecuária, piscicultura e fruticultura. Muitos dos apicultores entrevistados possuem rendas provenientes de aposentadorias, assim como muitos exercem atividades em órgãos públicos e privados. O fato de 50% dos associados da ACAPI possuírem apiários fora do município torna-se uma grande dificuldade aos mesmos visto que todo o mel tem que chegar até a sede da associação em Cachoeira do Sul para poder receber a rotulagem. Por outro lado, o fato dos não associados à ACAPI possuírem somente apiários no próprio município, representa um grande potencial para esses se associarem à ACAPI e utilizarem o entreposto.

A participação dos apicultores em cursos e seminários é importante para o aprimoramento e qualificação das técnicas e pessoal. Dos entrevistados, 71% já participaram de algumas dessas atividades. Através disso, a maioria dos apicultores vem aumentando suas aspirações pela atividade apícola (77%).

O número de colméias variou entre os apicultores. Observou-se que 7% dos produtores possuíam de 1 a 10 colméias (Categoria A), 60% com 11 a 50 colméias (Categoria B), 23% com 51 a 200 colméias (Categoria C), 7% com 201 a 500 - colméias (Categoria D), e 3% com 500 ou mais colméias (Categoria E). Esses percentuais diferiram entre associados e não-associados da ACAPI. Portanto, com base nos dados coletados, a maioria dos apicultores da associação está enquadrada na Categoria B com 56% dos entrevistados, seguido da Categoria C com 31% dos entrevistados (Figura 1).

O pequeno número de colméias/produtor se deve, provavelmente, pelo fato dos apicultores se dedicarem a outras atividades também, resultando em menor investimento e tempo de dedicação à apicultura. Já entre os outros produtores do município que não são associados à ACAPI, observou-se que 65% encontram-se na Categoria B, 14% na Categoria A, 14% na Categoria C, e 7% encontram-se na Categoria E (Figura 1). Verificou-se, portanto, que esses produtores que possuem mais de 500 colméias podem ser considerados profissionais.

A maior parte dos apicultores cachoeirenses, tanto os associados da ACAPI como os não associados, utilizam colméias do tipo Langstroth ou Americana, seguido do modelo Schenk (Figura 2). O motivo da escolha pelo tipo de colméia Americana e Schenk, segundo os entrevistados, se deve porque a Americana é a mais usual comercialmente, sendo mais fácil a aquisição de equipamentos adaptados para as suas medidas, quando comparado com outros modelos. Além disso, esse modelo utiliza menor número de caixilhos, facilitando o transporte para o apicultor. Já o modelo Schenk, é uma das caixas que necessita de menores cuidados em relação aos outros modelos, por ser uma caixa quente, sendo próprias para climas frios (MUXFELDT, 1982). Esse motivo é relevante quando se leva em consideração o inverno bastante rigoroso da região sul.

Quanto ao manejo dos apiários, a utilização de técnicas como divisão de colméias, união de enxames, troca de rainhas e uso de alimentação complementar pelos apicultores cachoeirenses foi de 36,7%, 37,9%, 26,6% e 58,6%, respectivamente. A porcentagem de apicultores que utilizam a técnica de captura de enxames de alojamentos naturais ficou acima de 50% (53,3%). No entanto, quanto aos apicultores associados à ACAPI, a utilização dessa técnica foi de 75%, já os não associados que a utilizam correspondem a 28,5%. A porcentagem de apicultores que utilizam a técnica de captura de enxames voadores, entretanto, foi bastante elevada, correspondendo a mais de 80% (83,3%) para ambas as classificações de apicultores.

Com relação ao número de vezes que o apicultor vai ao apiário para a realização de manejo, coleta do mel, limpeza, etc., observou-se que 46,6% dos apicultores vão a seus apiários diariamente ou a cada quinze dias, 30% dos entrevistados afirmaram que vão aos apiários num período entre 16 e 30 dias e 23,3% dos entrevistados levam 31 dias ou mais, chegando a ser uma vez por ano, para visitarem seus apiários.

Todos os apiários foram instalados em locais com boas condições de drenagem e estão localizados observando-se critérios de segurança. A maioria foi instalada a mais 100 metros de distância de vias públicas. Também foi comum a todos os apicultores a preocupação em proteger seus apiários de ventos, além de proteger a mata nativa com barreiras de eucalipto. As áreas florestadas, de acordo com Wiese (2005), representam uma boa pastagem para produção de abelhas, e oferece alto volume de néctar com elevado teor de açúcar, consideradas, portanto, uma das melhores plantas para a apicultura.

Quanto à ocorrência de fonte de água, a maioria encontra-se à distância de 50, 100 ou 200 metros, não sendo considerado um entrave à atividade. Além disso, a recomendação de se posicionar os alvados na posição leste ou norte é atendida pela maioria dos apicultores, sendo poucos os que fazem posicionamento sul. As colméias devem ficar posicionadas para o sol nascente, conforme orientação de Wiese (2005).

Com relação ao sombreamento das colméias, a maioria dos apicultores utiliza o sombreamento natural das árvores. Ao passo que outros utilizam telhas ou telhados. No entanto, os apicultores mais experientes preferem deixar suas colméias ao sol, afirmando não haver modificação de produtividade.

A utilização de cera alveolada é uma prática unânime entre os apicultores cachoeirenses, a qual é sempre substituída quando atinge coloração escura. Para tal prática, observou-se que alguns apicultores soldam no caixilho parte da cera, enquanto outros substituem o quadro todo, havendo, inclusive, produtor que utiliza lâmina triangular.

A maior parte dos apicultores cachoeirenses utiliza distância entre colméias maior do que 5 metros, sendo que a recomendação, segundo Wiese (2005) é de no mínimo dois metros de distância umas das outras.

Com relação à utilização de suporte para as colméias, a fim de evitar a entrada de inimigos naturais como traças e formigas, observou-se que apenas 6% dos apicultores não a fazem, sendo esses associados à ACAPI. Essa prática é considerada importante para garantir a produtividade das colméias (MUXFELDT, 1982).

CONCLUSÕES E CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os resultados desta pesquisa refletem as características do apicultor na região de abrangência da ACAPI, localizada no município de Cachoeira do Sul/RS, revelando as técnicas de manejo aplicadas nos apiários e as necessidades de se buscar uma melhor capacitação para o desenvolvimento desta atividade. Também, esta pesquisa mostra o interesse dos apicultores de unirem-se no propósito da formação de uma entidade associativa, como fator necessário para agregar valor ao mel, principalmente. Embora a pesquisa tenha sido realizada com base numa amostra de apicultores da região de Cachoeira do Sul/RS, os resultados representam um significativo subsídio para que a ACAPI avalie as características destes apicultores, observando os aspectos que devem ser melhorados tanto na qualidade dos produtos como na capacitação técnica. Nesse sentido, a pesquisa serve como um estímulo para que o apicultor possa se qualificar o melhor possível para atender as necessidades dos mercados regionais que a cada dia são mais exigentes.

Em suma, pode-se afirmar que a ACAPI no Município de Cachoeira do Sul/RS tem sido de fundamental importância para apicultores deste município e sua região de abrangência, onde de forma organizada vêm realizando um trabalho na administração do entreposto de mel diferenciado, possibilitando aos apicultores, técnicos e pessoas ligadas ao setor algumas práticas ou técnicas. Desta forma, é possível o fomento de estudos e a difusão da apicultura racional, dando sustentabilidade às famílias sócias, além de possibilitar a permanência da atividade apícola nesta região e revitalizar o meio rural.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BÖHLKE, P. B.; PALMEIRA, E. M. Inserção competitiva do pequeno produtor de mel no mercado internacional. Revista académica de economia, n.71, 2006. Disponível em: http://www.eumed.net/cursecon/ecolat/br/06/. Acesso em: 10 dezembro 2007.

CONFEDERAÇÃO BRASILEIRA DE APICULTURA. Brasil Apícola. Disponível em: http://www.brasilapicola.com.br/. Acesso em: 12 dezembro 2007.

CORRÊA, M. P. F. Produção de mel: apresentação. EMBRAPA, 2003. Disponível em: http://sistemasdeproducao.cnptia.embrapa.br/FontesHTML/Mel/SPMel/index.htm. Acesso em: dezembro 2007.

IBGE. Informativo Apis Clube. Santa Catarina. Disponível em: http://www.ufv.br/dbg/bee/melestat.htm. Acesso em: março 2007.

MUXFELDT, H. Apicultura para todos. 4° ed. Porto Alegre: Sulina, 1982.

SEBRAE. Informações de Mercado sobre Mel e Outros Derivados das Abelhas. Sumário Executivo, [s.d.]. Disponível em: http://www.biblioteca.sebrae.com.br/bds/ bds.nsf/DowContador?OpenAgent&unid=E41C0BA5033EB42D8325727D004FCE50. Acesso em: dezembro 2007.

WIESE, H. Apicultura - Novos Tempos. 2° ed. Guaíba: Agrolivros, 2005.

Retorna à página anterior