Artigo

Árvores do cerrado e seus inquilinos: as abelhas sem ferrão.

Márcia Rêgo & Patrícia Albuquerque
Laboratório de Estudos sobre Abelhas-Lea, Departamento de Biologia, Universidade Federal do Maranhão-UFMA

As plantas oferecem recursos florais como pólen, néctar, óleo, resinas e aromas aos seus visitantes, dentre os quais se destacam as abelhas. Além desses recursos, utilizados na própria alimentação e de suas crias, na construção e defesa do ninho e na atração sexual, as abelhas buscam também, nas plantas, abrigo para a construção de seus ninhos. As plantas também servem de local para o acasalamento, marcação territorial e para repouso.

O Maranhão abriga uma grande variedade de ecossistemas que proporcionam uma diversidade de nichos para as abelhas. Muitas espécies de plantas nestes ambientes servem de abrigo para as abelhas construírem seus ninhos. No cerrado, por exemplo, ninhos de abelhas sem ferrão, Meliponini, têm sido localizados, principalmente, em cavidades pré-existentes, em galhos e troncos, de árvores vivas ou mortas (Rêgo & Brito, 1996 a, b; Maia, 2004; Rêgo et al, 2007; Rêgo et al, 2008).


Figura 1- Folha larga, Salvertia convallariodora, uma planta muito utilizada pelas abelhas sem ferrão para a construção de seus ninhos, em área de cerrado, no estado do Maranhão. Foto: Márcia Rêgo

Figura 2. Árvores do cerrado (Balsas-MA) onde são comumente encontrados ninhos de abelhas sem ferrão. A- Sucupira amarela, Pterodon aff. polygalaeflorus (Fabaceae); B- Folha larga, Salvertia convallariodora (Vochysiaceae); C- Pau terra, Qualea parviflora (Vochysiaceae); DCaixamorra, Sclerolobium paniculatum (Caesalpiniaceae). Fotos: Márcia Rêgo

Figura 3. Entradas de ninhos de abelhas sem ferrão em árvores do cerrado, Balsas-MA. Atubi (Scaptotrigona sp. ), B- boca de vidro (Tetragona dorsalis), C- limão (Lestrimellita sp.), D- tiúba (Melipona fasciculata), E- jataí (Tetragonisca angustula) e F- uruçu (Melipona sp.). Fotos: Márcia Rêgo

Figura 4. O Meliponário: coleção de ninhos de abelhas sem ferrão. Uma ferramenta de desenvolvimento sustentável, pesquisa e conservação.

No cerrado, com fisionomia de "cerradão", a leste do Estado do Maranhão (no município de Chapadinha), por exemplo, foi diagnosticado que 88% dos meliponíneos (abelhas sem ferrão) que aí residem, constroem seus ninhos em "folha larga", Salvertia convallariodora, uma árvore da família Vochysiaceae, (Fig.1) muito abundante nesta localidade. Além de nidificarem, em seus troncos ocados, as abelhas coletam também, neles, a resina que utilizam como material de construção e defesa do ninho, além de visitar suas flores para a coleta de néctar, embora não sejam os polinizadores desta planta.

Mais a nordeste do Estado, no município de Urbano Santos, também inserido no bioma cerrado, este se apresentando bastante fragmentado (e com um misto de vegetações alteradas, incluindo também matas mesofíticas e ciliares) 60% dos ninhos aí diagnosticados, em substratos arbóreos (Maia, 2004), encontrava-se em Tabebuia alba (Bignoniaceae) na mata mesofítica e 20,6% na mata ciliar. Dentre os ninhos aí localizados destacaram-se os de: Melipona sp., Tetragona dorsalis e Scaptotrigona postica.

Já ao sul do Maranhão, no município de Balsas, onde as áreas de cerrado típico estão ficando cada vez menores (em função principalmente das monoculturas e queimadas freqüentes), ninhos de abelhas sem ferrão foram localizados, principalmente, em galhos e troncos ocados de sucupira amarela - Pterodono aff. polygalaeflorus (Fabaceae), piqui - Caryocar brasiliensis (Caryocaraceae), folha larga - Salvertia convallariodora, (Vochysiaceae), pau terra - Qualea parviflora (Vochysiaceae), puçá - Mouriri grandiflora (Melastomataceae) e caixamorra - Sclerolobium paniculatum (Caesalpiniaceae) (Fig. 2).

Dentre os ninhos de abelhas inventariados (Fig. 3) nestas e em outras árvores, destacam-se os de "tubi" (Scaptotrigona postica e Scaptotrigona sp.), boca de vidro (Tetragona dorsalis), limão (Lestrimellita sp.), tiúba (Melipona fasciculata), jataí (Tetragonisca angustula) e uruçu (Melipona sp.)

As espécies maiores, como a uruçu e a tiúba, estas já pouco abundantes, em estado natural, no cerrado do Estado do Maranhão, abrigam-se em árvores de troncos mais espaçosos, o que está ficando escasso na região de cerrado, em função do freqüente corte de madeira.

Muitos atos predatórios, sobre os substratos de nidificação das abelhas, têm sido observados. Queimadas, a ação de meleiros, areação de solo, derrubada da vegetação natural,etc., são algumas das práticas nocivas à conservação das abelhas que interferem nas interações florísticas e portando, na própria manutenção dos ecossistemas.

Ações como a criação racional de abelhas silvestres (Fig.4), a concepção e realização de trilhas ecológicas para a observação dos ninhos, o cultivo de "jardins de polinizadores" e o repovoamento de espécies raras são algumas atitudes necessárias para conservação das abelhas e dos seus ecossistemas florísticos.

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