Artigo

Manejo de colônias de algumas espécies de abelhas sem ferrão com cupinzeiros.

Dirk Koedam1 e Robson Mendes2
1Departamento de Botânica, Instituto de Biociências, UNESP, CP 510, CEP 18618-000, Botucatu, SP, Brazil: dkoedam@usp.br
2Associação Brasileira de Agricultura Biodinâmica, CP 1016, CEP 18603-970, Botucatu, SP, Brazil: rdms22@hotmail.com

Introdução: abelhas subterrâneas

A nidificação de abelhas sociais sem ferrão (Apidae, Meliponini) é um aspecto muito importante para a homeostase da colônia. Desta forma muitas espécies vêm sendo encontradas em cavidades com paredes espessas [1]. Um número pequeno de espécies como Mirim-sem-brilho (Paratrigona subnuda) e Guiruçu (Schwarziana quadripunctata) nidificam obrigatoriamente no subsolo, muitas vezes sendo encontradas em profundidades superiores a um metro. Dentro da terra as condições externas são únicas e extremamente estáveis o que poderia explicar a baixa adaptabilidade das colônias destas espécies em caixas convencionais.

Tais problemas de manejo sempre comprometem os estudos sobre aspectos de biologia geral. A falta de investigações limita especialmente nosso conhecimento sobre a importância deste grupo de abelhas como polinizadores nos vários ecossistemas.

Além das dificuldades encontradas no manejo, algumas das mesmas espécies de abelhas ficaram raras nas últimas décadas. A destruição do ambiente natural, e o avanço e a intensificação da agricultura são consideradas como os fatores mais importantes deste processo de mudanças drásticas de habitat. Recentemente um grupo de pesquisadores de Paraná montou uma lista vermelha sobre as espécies de animais endêmicas em risco de extinção [2]. Duas abelhas sociais encontradas nesta lista vivem no subsolo, a Guiruçu e a Mandaçaia/Uruçu do Chão (M. quinquefasciata). A Dra. Márcia Ribeiro escreveu um artigo sobre a última espécie [3] e deste texto ficou evidente que esta abelha está ameaçada também por causa de atividades prejudiciais de meleiros, pois ela produz um mel bastante apreciado. Entretanto, vários meliponicultores estão tentando tirar mel destas colônias de uma maneira sustentável. Mesmo assim, o manejo desta abelha é difícil já que ela não aceita facilmente uma caixa de madeira para amparo da colméia.

Nosso objetivo

Na busca de um novo tipo de abrigo para abelhas com ninhos subterrâneos,em abril de 2008 optamos pelo uso de cupinzeiro ou cupim de montículo para desenvolvimento de um sistema simples, barato e durável de nidificação artificial. O uso natural de cupinzeiros pelas abelhas não é um fato novo. Um exemplo recente deste registro veio de Murilo Catelani. Em geral, cupinzeiros servem como refúgio para muitos invertebrados e vertebrados como lagartos, pica-paus e corujas, e até animais peçonhentos como cascavel.

A sabedoria popular vem usando este cupinzeiro de diferentes formas, dentre elas podemos citar como piso de casas [4], fornos à lenha [5]. Uma hipótese é que as condições físicas e químicas do montículo possam proporcionar conforto térmico para o desenvolvimento de uma colônia de insetos sociais. Assim, ele poderia servir de excelente colméia para a criação das abelhas contribuindo para a conservação de algumas espécies nativas.

O cupinzeiro e seu uso artificial

Um dos montículos no campo mais conhecidos e mais comum é da espécie Cornitermes cumulans (Termitidae) [6]. Estes montículos de barro podem chegar a uma altura de um metro e meio. Todos têm uma parede espessa e dura, composta de uma mistura de terra e material orgânico de origem dos cupins. No centro há uma estrutura mais flexível, chamada câmara celulósica. Por fora os cupinzeiros são completamente fechados, mas por dentro a estrutura toda é repleta de pequenas galerias interconectadas.

O processo de coleta do cupinzeiro começa com a sua retirada do solo com cortes utilizando facão ou machado de uma altura que seja viável para alojar a colônia de abelhas desejada (foto 1). Antes de ser instalado, o material que constituiu a câmara celulósica é removido criando assim um espaço onde a colônia de abelhas irá permanecer. Colocando o cupinzeiro num lugar qualquer, os cupins têm a possibilidade de abandoná-lo. Antes do cupinzeiro ser instalado no seu lugar definitivo, uma pequena plataforma de concreto deve ser fabricada e que servirá como a base. A escolha do concreto deve-se ao fato deste material servir para interditar o potencial ação de formigas ou outros animais que podem transtornar a colônia dentro do cupinzeiro. Além disso, o concreto garante uma durabilidade maior.

No momento em que todos os cupins deixam o cupinzeiro, este é levado até o lugar de instalação. Depois destes preparos iniciais, a parte superior do montículo é retirada em tal maneira que cria uma tampa removível (foto 2). A retirada desta tampa permite um futuro acesso fácil a colônia para executar as manipulações necessárias. O montículo vazio é montado na plataforma de concreto com uma mistura de cimento e terra numa proporção cimento/terra ou areia de 1:2, perto do nível do solo. Com a ajuda de uma furadeira um pequeno túnel é feito para possibilitar o acesso das abelhas para o exterior. Assim, o montículo recebe a colônia (foto 3). Após o recebimento da colônia, a tampa é fixada em cima da parte principal do montículo com uma mistura que contém menos cimento. Esta mistura mais delicada garante uma fixação que pode facilmente ser interrompida para levantar a tampa. (foto 4).


Foto 1: Coleta do cupinzeiro no campo

Foto 2: Tampa permitindo acesso à colônia de abelhas

Foto 3: Inserindo uma colônia de abelhas dentro da parte principal do cupinzeiro

Foto 4: Cupinzeiro completo com uma colônia de abelhas

Foto 5: Vista por cima de um ninho de Iraí num cupinzeiro

Foto 6: Entrada artificial de um ninho de Irapuá num cupinzeiro

Resultados e discussão

Três espécies de abelhas vêm sendo criadas e as colônias têm apresentado boa aceitação pelas colméias artificiais, a Iraí (Nannotrigona testaceicornis), Mirim-sem-brilho (Paratrigona sp.) e Jataí (Tetragonisca angustula). Por exemplo, em alguns meses a colméia de Iraí tornou-se grande e uma estimação conservadora demonstrou mais de 10.000 células de cria e umas 10 células reais (foto 5).

De forma bem característica, a colônia de Iraí instalou os pilares de conexão diretamente na lateral interna da parede do cupinzeiro, não fazendo a casca externa de cerume. O que se observou é que, em geral, o cerume tem pouca aderência ao barro, isto facilita a manipulação do ninho, tanto dos favos quanto da parte de potes de pólen e mel.

A aplicação do cupinzeiro como colméia pode oferecer uma boa alternativa para a criação de abelhas com nidificação subterrânea. É uma estrutura de baixo custo, manejo simples e de fácil aquisição em campo, haja visto a alta população destes cupinzeiros em pastagens que apresentam solos compactados e baixo teor de matéria orgânica. Por enquanto, a criação das abelhas vai ser nosso principal alvo e a produção de mel vem em segundo lugar.

O uso do cupinzeiro como colméia é relativamente resistente ao intemperismo, no entanto estamos avaliando as condições locais para sua instalação, pois em ambiente natural estes ficam expostos ao sol, chuvas e ventos e a manutenção da estrutura é feita pelos próprios cupins. Ficou claro que o montículo não deve ser manipulado quando ele está molhado por que a umidade deixe a constituição muito frágil.

Os montículos em geral precisam muito pouca manutenção. Porém, a água da chuva causa uma pequena erosão da camada exterior que pode facilmente ser evitada com uma única aplicação de uma camada fina de cimento em volta de todo o montículo. Além disso, ao longo dos meses, pequenos furos e frestas aparecem que podem ser preenchidas com o mesmo material.

Planos futuros

Nosso projeto pretende instalar outras abelhas subterrâneas, como Mourella sp. do Rio Grande do Sul, nos cupinzeiros para avaliar a aceitação deste tipo de abrigo artificial. Além disso, o uso de cupinzeiros para abelhas com ninhos externos, como Arapuá (Trigona spinipes), já começou e parece estar dando bons resultados também (foto 6).

A primeira etapa do projeto visa à instalação dos cupinzeiros povoados com enxames de abelhas que nidificam no subsolo. A segunda etapa é quantificar o crescimento da colônia. Usaremos como parâmetros a contagem do número de favos e potes de alimento, bem como valores de temperatura e umidade dentro do cupinzeiro. Paralelamente a estas atividades, nosso interesse é obter informações sobre experiências em usar cupinzeiros desta maneira e os possíveis melhoramentos técnicos por outros meliponicultores. Por último, queremos montar uma lista de casos de uso natural de cupinzeiros por abelhas sem ferrão para entender melhor a função dos cupinzeiros no campo.

Referências bibliográficas

[1] Nogueira-Neto P. 1997. Vida e criação de abelhas indígenas sem ferrão

[2] Schwarz-Filho, D. L., Laroca, S. & Malkowski, S. R. 2004. Abelhas. In: Livro vermelho da fauna ameaçada no estado do Paraná.

[3] Ribeiro, M. de F. 2008. Manejo de uruçu do chão (Melipona quinquefasciata) no interior do Ceará e Pernambuco.

[4] D'Avila, A. L. M., Loeck, A. E., Pouey, M. T. F., Storch, R. B., Nunes, M. C. D. & Oliveira, J. 2001. Caracterização geotécnica dos ninhos de Cornitermes cumulans (Kollar, 1832) e Camponotus punctulatus (Mayr, 1868) visando à utilização em pisos de construções rurais. Eng. Agríc. Jaboticabal, 21 (3): 206-209.

[5] Lenko, K. & Papavero, N. 1996. Insetos no folclore, 2e. ed. São Paulo, Plêiade/FAPESP, 468 pp.

[6] Coles de Negret, H. R. & Redford, K. H. 1982. The biology of nine termite species (Isoptera: Termitidae) from the Cerrado of Central Brazil. Psyche 89: 81-106.

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