Artigo

ARTIGO DE DIVULGAÇÃO NA MÍDIA (REVISTA MENSAGEM DOCE)
Caatinga: flora e fauna ameaçadas de extinção

Lúcia Helena Piedade Kiill1
Márcia de Fátima Ribeiro2
Carla Tatiana de Vasconcelos Dias3
Paloma Pereira da Silva3
Josemário Francisco Matos da Silva4

1Pesquisadora Embrapa Semi-Árido, BR 428, Km 152, zona rural, Petrolina-PE, C.P. 23, CEP 56302-970, kiill@cpatsa.embrapa.br
2Pesquisadora Embrapa Semi-Árido, márcia. ribeiro@cpatsa.embrapa.br
3Bolsista de apoio técnico
4Engenheiro Florestal, Superintendência de Desenvolvimento Florestal e Unidades de Conservação - SFC, Escritório Regional de Juazeiro-Bahia. josemario@ig.com.br

A Caatinga é o único bioma de distribuição exclusivamente brasileira, o que significa que grande parte do patrimônio biológico desse ecossistema não é encontrada em nenhum outro lugar do mundo. Porém, essa posição única entre os biomas brasileiros não foi suficiente para garantir a Caatinga o status que merece.

A Caatinga é um dos biomas brasileiros mais alterados pelas atividades humanas, com mais de 45% de sua área alterada, sendo ultrapassado apenas pela Mata Atlântica e o Cerrado (Capobianco, 2002; Casteletti e cols., 2004). Em um estudo realizado recentemente, sobre a vegetação e uso do solo, verificou-se que a área de cobertura vegetal da Caatinga é de 518.635 Km2, equivalendo a 62,69% de remanescentes (MMA, 2008).

Como conseqüência da degradação ambiental e da falta de preservação, muito já se perdeu em biodiversidade da Caatinga. A Biodiversitas (2001) cita, para esta formação vegetal, 19 espécies de plantas ameaçadas, dentre elas a aroeira do sertão (Myracrodruon urundeuva) e a baraúna (Schinopsis brasiliensis). Essas plantas desempenham importante papel na ecologia da Caatinga, pois são as principais árvores na composição das paisagens vegetais do sertão nordestino. Elas estão associadas à fauna local, onde suas folhas, flores e frutos servem de alimento para répteis, aves, mamíferos e insetos, principalmente abelhas. Suas flores, produzidas principalmente na estação seca, quando as fontes alimentares são escassas, abastecem os ninhos de abelhas nativas e exóticas. Além de fonte alimentar, estas árvores funcionam como abrigo para uma diversidade de animais e suporte para os ninhos de muitas aves e abelhas.

Em face das diversas utilidades (madeireira, energética, medicinal, frutífera e artesanal) e do extrativismo que essas espécies vegetais vêm sendo submetidas, sem nenhuma reposição, a existência natural das mesmas e da fauna a elas associada vêm sendo comprometida. Assim, estudos voltados para a ecologia da reprodução e manejo destas espécies são essenciais para a elaboração de formas de uso racional das mesmas.

Com o objetivo de compreender melhor a interação flora x fauna da Caatinga, estudos foram feitos na Reserva Legal do Projeto Salitre, em Juazeiro-BA, buscando reunir informações sobre a ecologia da polinização dessas plantas.

Os resultados mostraram que estas plantas são de sexos separados (indivíduos masculinos e femininos, fig. 1) e que há diferenças nas flores e inflorescências. De modo geral, as plantas masculinas apresentam inflorescências mais densas e mais ramificadas, podendo apresentar quantidade de botões de quatro a dez vezes maior do que as femininas. Outro fato importante é que as plantas masculinas florescem primeiro (um mês antes), e por um tempo maior, do que as femininas.

As flores se abrem nas primeiras horas da manhã (05:00 horas) e ao longo do dia são visitadas por abelhas, moscas e besouros. Nas flores da aroeira do sertão as seguintes abelhas foram observadas: irapuá (Trigona spinipes, com 31%), manduri ou rajada (Melipona asilvai, com 22%) e abelha europa ou africanizada (Apis mellifera, com 15%), que juntas são responsáveis por 68% do total de visitas (Figura 2a). Já para a baraúna, as abelhas africanizadas (Apis mellifera, com 31%), irapuá (Trigona spinipes, com 17%) e abelha branca (Frieseomelita deoderleini, com 12%) se destacaram, sendo responsáveis por 60% do total de visitas (Figura 2b).

De acordo com as observações de campo, os meliponíneos são considerados como agentes polinizadores destas plantas por apresentar porte compatível ao tamanho das flores, bem como comportamento e freqüência de visitas adequados. Entre essas abelhas, a irapuá e a abelha branca se destacaram com percentuais superiores a 7% nos tanto nas flores masculinas como nas femininas das duas espécies de plantas. Lembrando que essas plantas ocorrem no mesmo local e que o período de floração ocorre simultaneamente, as mesmas então estariam compartilhando os polinizadores, podendo ocorrer uma competição pela atração dos mesmos. Por outro lado, as abelhas sem ferrão, manduri (Melipona asilvai) e mandaçaia (M. mandacaia) foram observadas somente nas flores da aroeira, podendo, neste caso, serem consideradas como polinizadores exclusivos dessa espécie (Figura 3).

As flores das plantas estudadas também foram visitadas pelas abelhas melíferas que foram freqüentes ao longo das observações. Porém, comparando o porte dessas abelhas com o tamanho das flores, verifica-se que as mesmas podem ser consideradas como polinizadores pouco eficientes, tocando eventualmente as estruturas reprodutivas das flores.

Além de fornecerem recursos florais para abelhas nativas, essas plantas também servem de abrigo para ninhos de pássaros e abelhas. No levantamento feito na área da Reserva Legal do Projeto Salitre, em Juazeiro-BA, foram registrados 14 espécies entre insetos, répteis e aves em associação com as plantas estudadas, mostrando a diversidade de animais que utilizam essas árvores principalmente como local de abrigo, reprodução e/ou nidificação. Quanto às abelhas foram registradas a presença de ninhos de abelhas melíferas, irapuá, sanharol (Trigona sp.), mandaçaia e manduri, indicando que os ocos dos troncos dessas plantas servem de abrigo e ninho para as abelhas nativas (Figura 4).

Lembrando que a aroeira e a baraúna são espécies ameaçadas de extinção, ao longo do tempo, a retirada dessas plantas acarretaria uma diminuição significativa não só componente arbóreo da vegetação da Caatinga, como também na diversidade de insetos associados a elas. A extinção dessas espécies representaria uma diminuição na oferta alimentar para abelhas nativas, entre outros insetos, numa época do ano (período seco) em que a oferta de néctar e pólen na Caatinga é menor. Talvez, por isso, as flores dessas espécies conseguem atrair uma diversidade tão grande de visitantes.

Por outro lado, a retirada das plantas também levaria a uma redução na oferta de substrato para nidificação das abelhas nativas, o que pode comprometer também a reprodução desses insetos. Além disso, as abelhas do gênero Melipona são endêmicas dessa região e também são consideradas como ameaçadas de extinção (Martins, 2002).

Lembrando que essas abelhas podem atuar como polinizadores de outras plantas da Caatinga, a diminuição da população ou seu desaparecimento podem levar a alteração nos serviços de polinização e, conseqüentemente levar a extinção de outras espécies vegetais, que por sua vez estariam associadas a outras espécies vegetais e animais. Este fato desencadearia assim alterações em efeito dominó, com conseqüências difíceis de serem avaliadas, dado o desconhecimento que ainda se tem dos processos ecológicos na Caatinga.


FIGURA 1: Detalhe das flores da aroeira do sertão. a- Flores masculinas em vista lateral e b- Flores femininas em vista lateral e frontal.

FIGURA 2: Principais visitantes florais das plantas estudadas com seus respectivos percentuais de visitas. a- aroeira do sertão e b- baraúna.

FIGURA 3: Visitantes florais de baraúna e aroeira. Irapuá (a); mandaçaia (b), abelha branca (c) e manduri (d) nas flores da aroeira. Irapuá (e) e abelha branca (f) nas flores da baraúna.

FIGURA 4. Ninhos de abelhas em árvores de baraúna. a- ninho da irapuá; b- Detalhe da entrada do ninho do sanharol.

Bibliografia

BIODIVERSITAS. Espécies da flora ameaçada e presumivelmente ameaçada de extinção por bioma e categoria de ameaça. Disponível em http://www.biodiversitas.org. Acesso em 22 de set. 2001.

CAPOBIANCO, J.P.R. Artigo base sobre os biomas brasileiros. In: CAMARGO, A.; CAPOBIANCO, J.R.P.; OLIVEIRA, J.A.P. (Orgs.) Meio ambiente Brasil; avanços e obstáculos pós-Rio-92. Estação Liberdade/Instituto Socioambiental/Fundação Getúlio Vargas, São Paulo, 2002, p. 117-155.

CASTELLETI, C.H.M.; SILVA, J.M.C. TABARELLI, M.; SANTOS, A.M.M. 2000. Quanto ainda resta da caatinga? Uma estimativa preliminar. In: SILVA, J.M.; TABARELLI, M.; FONSECA, M.T.; LINS, L.V. (Orgs.) Biodiversidade da Caatinga: áreas e ações prioritárias para a conservação. Ministério do Meio Ambiente/Universidade Federal de Pernambuco, Brasília, 2004, p. 91-100.

MARTINS, C.F. 2002. DIversity of the bee fauna of the brazilian Caatinga. In: Kevan, P.G.; Imperatriz-Fonseca, V.L. Pollinating bees: The Conservation Link between agriculture and nature. Brasilia: Ministry of Enviroment, 2002. p. 131-135.

MINISTERIO DO MEIO AMBIENTE, 2008. Levantamento da cobertura vegetal e do uso do solo do Bioma Caatinga. Relatório final. 19p. Disponível em: http://www.mma.gov.br/index.php?ido=conteudo.monta&idEstrutura=72&idMenu=3813&idConteudo=5976 Acesso em: 11 de Janeiro de 2008.

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